quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Spinoza e o livre arbítrio

Spinoza, questiona o livre arbítrio, também por imaginar que a tal "biga platônica" não se vê livre da presença de seus "vetores" naturais. É lógico que o mestre holandês nem cita algo como uma biga, nem sequer Platão. A aproximação é minha.

Apesar de não crer no livre arbítrio, Spinoza acha possível a "liberdade", que corresponderia mais à harmonia do conjunto "razão-paixão". Desta forma, uma boa condução da biga, livre de acidentes, não se deveria exatamente a uma instância decisória transcendente, mas a uma melhor "compatibilidade" entre seus "agentes vetoriais".

Após a criação teórica do ente "eu", estabeleceram-se aspectos desse ente que seriam a "vontade", o "entendimento" e as "paixões" - uma nova tripartição. Mas a divisão, se considerarmos as partes como completamente autônomas, não me parece muito correta; afinal, a "vontade" não é uma instância completamente separada das paixões (ou apetites, desejos e, até mesmo, instintos). Freud teorizou - a meu ver, de modo correto - algo como esse "eu" sendo um "diálogo" permanente entre "consciente" - que poderia, talvez, ser bem representado pela "razão"/"entendimento" - e o "inconsciente" - que poderia, por sua vez, ser melhor representado pelas "paixões"/"apetites"/"desejos"/"instintos".

E é justamente por esse contexto "dialógico" dos três aspectos - vontade, entendimento e paixões - que, parece-me, Spinoza não vê a possibilidade do livre arbítrio. Senão vejamos, para escolher livremente, o homem teria que almejar um fim - a partir de sua vontade -, sem participação alguma da paixão. Essa "vontade livre" passaria pela instância da razão, a fim de arquitetar todo o planejamento para chegada ao fim escolhido. Onde está a "paixão", nesta situação? Ela não apareceu claramente! O fato é que ela já se encontra no cerne da escolha inicial. Portanto, caso se imagine que o "livre arbítrio" corresponde a uma escolha isenta de "coerção" de qualquer natureza, não se pode considerar livre uma escolha que já mescla "vontade" e "desejo". E é isso o que nos diz Spinoza... imagino.

Embora esse post possa parecer "psicologizante" demais, é importante perceber o alcance ético dessa discussão sobre o "eu", bem como sobre a viabilidade de uma educação para o bem viver, através da percepção do que se deve priorizar: um embate "razão-paixão", um fortalecimento da "vontade" ou o que mais seja possível.

Eu apostaria num melhor "diálogo" entre razão e paixão.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O simbólico e seu oposto

Se alguém perguntar qual é o oposto de "simbólico", dificilmente se responde que é o... "diabólico". Entretanto, se pensarmos na etimologia desta última palavra e na imagem a que nos remete a primeira, a coisa pode mudar.
"Diábolos", em grego, significa "que desune", entre outras coisas. De certa forma, enquanto o "símbolo" reúne em um só "significante" vários "significados" - fazendo uma espécie de síntese de conceitos - o "diábolos" realiza o inverso, desfazendo (esmiuçando, por assim dizer) os vários significados de um significante - ou seja, faz uma análise.
Da mesma maneira que falei sobre o "impressionismo" da poesia, em comparação com o "barroco" da filosofia, e sobre a perda de "definição" poética, em comparação com a maior "resolução" filosófica, poderíamos dizer que o simbólico, ao fazer uma reunião de diversos conceitos em um signo só, ao mesmo tempo em que facilita o acesso a esses conceitos, permite apenas que eles sejam vagamente percebidos. Quando o diabólico entra no circuito, ele analisa o conjunto conceitual destruindo, de certa forma, a facilidade de acesso, mas revelando uma especificidade maior dos conceitos individuais.
As vantagens críticas desse empreendimento "diabólico" - no sentido etimológico - são óbvias; já que esse procedimento torna mais "claro e distinto" - como diria Descartes - os diversos conceitos em questão. Por outro lado, traz à tona as possíveis tensões internas daquele signo único, que abriga diversas individualidades conceituais.
Para o dogmatismo - como era o da Igreja católica na Idade Média... nem vou dizer que ainda é -, o criticismo trazido por essa "exposição" das "víceras" do símbolo, pode ser ruim. Por esse motivo, o "Diabo" ficou tão mal falado pela Igreja. Afinal, no Antigo Testamento, só temos a presença do "Satã", que, em grego, é nada mais do que o "adversário"... de Deus.
Há que se perceber, além da Filosofia, um outro método altamente "diabólico": a psicanálise. Afinal, a linguagem do inconsciente só é exposta através do símbolo - não esqueçamos que Freud disse que a "via régia" de acesso ao inconsciente era o sonho... completamente simbólico. E o que faz a "análise"? Faz justamente o que o nome diz: "separa" as representações conjugadas no sonho-símbolo. Aí está mais um "Diabo"! Esse, aliás, muito consultado, na pessoa dos seus "mensageiros", os psicanalistas-diabólicos.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

O "eu" de Santo Agostinho

Paulo Ghiraldelli Jr. dá uma descrição espetacular da introdução da reflexão sobre o "eu" na Filosofia, através do pensamento de Santo Agostinho. Para quem não lembra, Descartes, ao introduzir o "cogito, ergo sum" se faz legatário de Agostinho que, talvez com mais propriedade, em vez do "penso, logo sou" cartesiano, propõe algo que seria melhor descrito como "quero, logo sou", privilegiando a vontade e não o conhecimento.

Mas, voltando...

Ghiraldelli Jr. - com a clareza dos grandes comentadores - nos apresenta a ruptura entre a "alma" dos antigos e o "eu" agostiniano. Lá vai um excerto do livro "História da Filosofia - dos pré-socráticos a Santo Agostinho", onde ele faz suas considerações. Antes, porém, seria interessante comentar a metáfora platônica para a composição da alma.

Platão constrói uma imagem da alma - tripartida - como sendo uma biga, conduzida pela "razão", e puxada por dois cavalos: as "paixões" (desejos) e a "coragem" (acho que, para um melhor entendimento, seria mais apropriado referirmo-nos à "ação irrefletida").

Agora, sim, o texto de Ghiraldelli Jr.

"Platão não põe uma instância, no interior da alma, que assista aos três elementos atuando... No entanto, Agostinho teve de levar em conta o preceito cristão da autonomia da vontade. Ele tinha de imaginar uma alma montada... com razão, paixões e coragem ("ação irrefletida"), mas também com vontade livre... A vontade deveria ser consciente, de modo a podermos falar em responsabilidade e culpa.

No caso da biga... de Platão, quando ela atropela alguém, isso tem de ser explicado pelo fato de que, na disputa entre os dois cavalos, um foi mais forte ou ambos criaram uma situação desastrada e o cocheiro não conseguiu a harmonia esperada. Criamos uma teoria da ação em que o resultado é uma soma de vetores. Razão, paixão e coragem seriam os vetores e, no caso do desastre, a alma seguiu um resultado vetorial infeliz... Haveria responsabilidade na condução da biga, é claro. Haveria punição para quem a conduzisse mal. Mas não haveria culpa, no sentido moderno do termo, pois neste sentido, a culpa envolve o querer. O pecado envolve a decisão, o querer e, portanto, a vontade.

O 'eu' que escolhe não era visto por Santo Agostinho como um ato de interseção de forças psíquicas. Ele ganhou o caráter de instância decisória.

Agostinho precisou considerar os atos de uma alma que podia não agir de um determinado modo e, no entanto, intencionalmente agiu daquele modo e trouxe para a cena algo como aquilo que entendemos como 'eu'.

O 'eu' seria não aquele que diz 'penso, e sei que penso', mas aquele que diz 'quero, e sou eu que quero' (ou, talvez, 'quero, e sei que quero'). Aristóteles não considerou em sua concepção de vontade algo além das partes racionais da alma. Mas Agostinho parece ter considerado uma vontade além de tais partes... Ele não viu o 'eu' como o resultado de forças psíquicas, e sim uma alma que tem um núcleo superior, que é a instância decisória. Essa instância é a vontade".

Essa é uma questão bastante interessante. Eu, por exemplo, sempre questiono a possibilidade de falar em "livre arbítrio", por acreditar no "eu" justamente como essa "interseção de forças psíquicas" e não como uma "instância decisória" transcendente ao conjunto razão-paixão-coragem (ou, pelo menos, da dupla "razão-paixão"). Agostinho, colocando a vontade acima do trio razão-paixão-coragem realmente possibilita a concepção do "eu" como totalmente livre e, portanto, com um comportamente plenamente responsabilizável no plano ético . Os antigos, limitando a alma ao trio em questão, possibilitam pensar no comportamento ético correto como uma restrição das paixões pela razão.

Spinoza não se liga nem a um grupo nem a outro... mas depois eu conto isso!

domingo, 25 de janeiro de 2009

"A poesia do encontro", de Rubem Alves

Já havia me referido ao novo livro de Rubem Alves em post anterior. Escrevi que havia encomendado o livro - que, aliás, não chegou. Fui, então, à caça dele. E, para minha sorte, encontrei-o. Como não poderia deixar de fazer, iniciei logo a leitura. As primeiras páginas já revelaram a "cara" do livro e... adorei! Acompanha o livro, um DVD. E aí veio a surpresa. Imaginei que o tal DVD era uma simples repetição do que estava escrito; afinal, originalmente o texto era um diálogo entre Rubem Alves e a atriz/poetisa Elisa Lucinda. Mas o DVD reproduzia apenas trechos da conversa e as poesias declamadas por Elisa - esse "por Elisa" ficou com uma cara beethoveniana, não é? Rssss - e... que show da Elisa Lucinda!
Ali, eu entendi o que é Declamar - com "D" maiúsculo mesmo - uma poesia. Essa ação envolve, além da alma, o corpo também. O ritmo, a entonação diferenciada, mas também a expressão corporal... tudo faz parte da declamação.
Em realidade, eu já tivera um pequeno acesso à verdadeira declamação quando ganhei, de minha amiga Maria, um CD de João Villaret declamando, principalmente Fernando Pessoa. Fiquei "tonto" - acostumado, que estava, a ouvir o nosso bom - mas "ortodoxo" demais - Paulo Autran lendo Pessoa. Ali estava presente o que os gregos chamavam de "estesis" - a sensação -, de onde veio o nosso "estética". Mas ouvir e ver, como agora, com Elisa Lucinda... aí, já é "êxtase" mesmo!
Uma lição de Rubem Alves, no livro: "Uma coisa que acho absolutamente fundamental é que o poema não é para ser lido, mas para ser cantado. Daí a dificuldade que muitas pessoas têm para ler poesia, porque elas sabem ler, sabem juntar as letras, mas desconhecem a música".
Legal! Obrigado pela dica, mestre Rubem!

sábado, 24 de janeiro de 2009

Mais outras do Carlos Drummond

- O maior interesse em pagar dívidas consiste em habilitar-se a contrair outras.
- As feridas do casamento são curadas pelo divórcio, cujas feridas se curam por outro casamento.
- Uma eleição é feita para corrigir o erro da eleição anterior, mesmo que o agrave.
- Enganamos aos outros, porém não tanto quanto a nós mesmos.
- No enterro, concilia-se o pesar pela morte com a satisfação de estar vivo.
- Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade.
- A felicidade tem um limite, a loucura.
- Nem a filosofia consegue explicar o mundo, nem este consegue suprimir a filosofia.
- Sejamos francos: todos abominamos a franqueza.
- Somos francos com os outros na medida em que não dependemos deles nem lhes damos importância.
- A partida de futebol é mais disputada por torcedores do que por atletas no campo.
- Até do mau governo podem resultar coisas boas, por equívoco.
Ainda tem mais... Rsss

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Valores líquidos

O título é de uma matéria publicada no Globo, sobre as bebidas mais caras nos restaurantes e bares do Rio de Janeiro.
A primeira que me chamou atenção foi o "cafezinho" a R$ 6. É verdade que não foi tanto pelo preço, mas pela caminho dos grãos de café até a xícara. É o famoso café "Jacu Bird". O tal pássaro Jacu come frutinhos do café, fazendo uma espécie de seleção dos melhores grãos. Após ser expelido em meio às fezes - arght! -, os grãos são catados e levados para o processamento. E... lá está o cafezinho - literalmente "cagado". Rsss.

Mudando para algo mais palatável. Vamos à minha querida cerveja, a "módicos" R$ 75 - Uau! - a garrafa de 750 ml. Não é uma simples Antarctica, mas uma "Falke Triple Monasterium" - que, apesar do nome, é brasileiríssima! O detalhe é que ela é produzida com componentes importados e é fermentada na própria garrafa - que é de champanhe, com rolha, inclusive.

Quase pelo mesmo preço temos a dose do saquê "Hakushica Junmai Dai Ginjo", a R$ 76. Achei curioso, talvez por total falta de intimidade com a bebida, que ela é colocada em decanter, servido em taça e - pela foto - vem gelado para a mesa.

Um pouco mais cara é a dose do uísque "Ballantine's 30 anos", por R$ 110. Aliás, que me perdoem os especialistas em destilados, mas não gosto de uísque.

Mas o fechamento de ouro - quase literalmente - é a dose de 50 ml - aquele copinho de café do escritório - do conhaque "Louis XIII" da Rémy Martin, que custa R$ 1002! (Esses dois reais fazem alguma diferença mesmo? Rsss) Segundo a matéria, "há, claro, razões alegadas para esse preço: a bebida é o resultado da combinação de 1200 conhaques diferentes, envelhecidos por temporadas entre quarenta e cem anos em barris de carvalho limousin. A garrafa propriamente dita é toda trabalhada em cristal baccarat e tem numeração gravada em ouro 24 quilates". Ahhhh, bom! Uma curiosidade é que os 10% do garçom referentes a duas doses pode pagar uma boa refeição de R$ 200 no restaurante onde o tal conhaque é servido.



quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Áudios filosóficos

Algumas boas aulas do professor Mário Ferreira dos Santos estão disponíveis, em áudio, no site http://www.ijigg.com/songs/V2BGF4FPB0
Vale a pena conferir!
Este filósofo paulista foi criador de um sistema a que deu o nome de "Filosofia Concreta". Segundo ele, este sistema seria completamente baseado na lógica, não havendo possibilidade de discordância de seus pressupostos. Diga-se de passagem que esta é uma pretensão de vários filósofos, nem sempre aceita como válida, ou até como possível.
Segue um artigo dele, com o título "Filosofia especulativa e filosofia prática", de 1964, para demonstrar um dos aspectos do seu pensamento.
"Um dos grandes problemas que eu considero hoje em dia no campo da filosofia
que já vem de longe, é a falta da nítida compreensão entre a filosofia especulativa e a
filosofia prática, sobre o que se chama ciência especulativa e o que se chama de
ciência prática. Muitas vezes nos encontramos em face do que é válido no campo do
especulativo e não é válido no campo da praticidade, outras vezes encontramos que
aquilo que é válido no campo da praticidade não o é no campo especulativo.
Encontramo-nos assim em face de dificuldades teóricas que são fáceis de
resolver, porque eu digo sempre que em filosofia não há questões insolúveis, há
apenas questões mal colocadas, desde que se faça uma boa colocação do problema as
questões tornam-se de fácil solução.
Ora o que caracteriza propriamente o ser humano é aquilo que os antigos
chamavam a sua racionalidade, que entrava na sua definição clássica: homem animal
racional. E nesse termo de racionalidade inclui-se dois aspectos que possui o homem e
não possuem os outros animais que conhecemos, é que o homem dispõe de uma
vontade e de um entendimento, uma vontade que lhe permite deliberar e escolher
entre futuros contingentes, em que o homem pode acertar ou errar a sua escolha
porque sempre busca aquilo que é o seu bem, isto é, aquilo que é conveniente a sua
natureza.
A natureza do homem considerado na sua estaticidade, na sua dinamicidade,
isto é, no desenvolvimento das suas possibilidades que vão se atualizando e também
na sua cinematicidade, isto é, nas suas correlações e interatuações com os seus
semelhantes dentro da vida social e o bem é portanto tudo aquilo que é conveniente a
esta natureza.
A vontade tende para o bem, mas nós ao tendermos para o bem podemos
errar, podemos escolher mal o bem, não sabermos escolher entre o bem e o mal,
escolhendo muitas vezes um bem menor por um bem maior ou escolhendo o mal por
um bem legítimo para nós. Este é o nosso pecado original, pecado da espécie humana,
pecado com o qual todos nós nascemos, pecado que na alegoria do Gênese é
apresentado pela desobediência do ato de Adão e Eva.
Porque o ser humano é o único ser que pode dizer não, porque os animais não
dizem não, os animais apenas seguem os seus instintos, ocupam-se daquilo que é
imperioso para sua existência e os seus instintos são suficientes para lhes indicar o
que lhes é conveniente a sua natureza, mas o ser humano não, é um ser desprovido
de instintos, é um ser que precisa analisar, cogitar, escolher, verificar e
consequentemente ele pode errar.
Portanto, ao comer do fruto da árvore da ciência que é esta árvore do saber
que o homem dispõe, ele está sujeito a negações, é possível desobedecer, ele
desobedece, porque desobedece a própria natureza, porque nós mesmos perdemos os
nossos instintos logo que nascemos.
A confusão entre o especulativo e o páthico está aqui, porque o nosso
entendimento tem uma oréxis, tem um desejo, um apetite, ele parte para alguma
coisa, assim como a nossa vontade parte para o bem, o nosso entendimento parte
para a verdade, nós queremos captar a verdade, o homem é um ser anelante de bem
e de verdade, é um ser que se coloca entre estas suas exigências da sua natureza, da
sua natureza humana, não animal.
A verdade e o bem e o entendimento é esta capacidade de buscar a verdade,
quanto à vontade é a capacidade de buscar o bem (do termo grego oréxis que
corresponde mais ou menos ao apetite, o apetite em latim que quer dizer este ad
petere, este pedir para) este pedir para alguma coisa, um pede para o bem e outro
pede a verdade.
Então consequentemente o homem constrói o seu mundo fundado nestas suas
duas grandes realidades: o mundo da vontade é o mundo da sua prática, é o mundo
da sua dramaticidade, é o mundo da sua ação, e o mundo do seu entendimento vai
colimar na obra especulativa, o mundo da criação intelectual. Podemos dizer assim:
que o mundo da prática é uma criação da vontade, enquanto o mundo da especulação
é uma criação do entendimento.
Mas estão os dois separados? Será que o entendimento é algo que funciona
completamente fora da vontade? Não, os dois estão presentes, a vontade precisa do
entendimento para deliberar bem e o entendimento precisa da vontade para por-se em
ação, para alcançar a verdade.
Ora a filosofia surge e tem as suas raízes na ação do homem, neste desejo do
bem, porque aspirando o bem, ele investiga, ele anela este conhecimento e sobretudo
tem as suas raízes nesse anelo, nessa orexis, pela verdade que lhe dá o entendimento.
E a filosofia vai se polarizar, aquela que predomina no entendimento é especulativa e
aquela que predomina a vontade é a filosofia prática.
Temos o seguinte: na filosofia prática o valor principal para o qual tende é o
conveniente, é o certo, toda vida prática humana, o que vale é aquilo que pode
corresponder a natureza humana em todos os aspectos em que ela é considerada, de
todas as formas proteicas em que ela possa se manifestar, enquanto que na
especulação é a verdade.
Ora observamos logo e é fácil observar, que o que se refere a verdade é
indivisível porque a verdade é indivisível, ou é ou não é. Então no mundo especulativo
estamos no mundo do aut aut, no mundo do ou ou. A disciplina que nos pode guiar
como a matemática ou a lógica e a dialética, como a lógica formal que trabalha entre
ou ou, ou verdade ou falsidade, não há o menos falso nem o mais falso, não há o
menos verdadeiro nem o mais verdadeiro, há o verdadeiro ou há o falso.
Mas no mundo da praticidade humana as coisas poderão ser mais ou menos
convenientes, poderão ser melhores ou piores, poderão ser mais certas ou erradas,
então nós temos uma gradatividade, temos uma divisibilidade. Por isso neste mundo
domina a gradação, a intensidade, os graus intensistas. No outro é estático, as idéias
são estáticas, os princípios são estáticos, tudo é incomutável, ou é ou não é."
Não que eu concorde plenamente com tudo... mas está aí para pensarmos e discutirmos.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Ensaio sobre a cegueira

Vi o filme "Ensaio sobre a cegueira", baseado no livro de José Saramago. Desnecessário dizer que o filme não causa o mesmo impacto que o livro. Embora as imagens tenham muita força, as palavras escritas, se bem "digeridas", vão compondo um cenário mental que tem um apelo à sensibilidade muito maior. Seria o caso de discordar da famosa afirmação de que "uma imagem fala mais do que mil palavras"? Parece que sim!
Talvez, a grande diferença entre o filme e o livro possa ser pensada através de uma analogia: enquanto o filme é fast food, o livro é um alto jantar. E saborear um jantar completo é muito melhor do que "engolir" fast food.
De qualquer forma, o filme é muito bom. O cansaço extremo da única personagem que não fica cega - que não tem um nome, como nenhum dos outros personagens - é otimamente representado por Julianne Moore. O que me parece a questão central da estória - a "animalização" do homem diante de um colapso da sociedade - aparece em cores vívidas no filme... apesar dos personagens só verem o branco... Desculpem o trocadilho! Rsss
Vale a pena ver o filme... e ler o livro, também!

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Mais aforismos de Carlos Drummond de Andrade

- Sempre necessitamos ambicionar alguma coisa que, alcançada, não nos faz desambiciosos.
- Cada um lê na Bíblia o versículo que lhe convém.
- Se na Bíblia há dois testamentos, o antigo e o novo, conviria instituir um terceiro, para acabar com as contradições entre eles.
- Democracia é a forma de governo em que o povo imagina estar no poder.
- Deus está em toda parte, mas tão disfarçado que é como se não estivesse.
- É cada vez mais difícil vender a alma ao Diabo, por excesso de oferta.
- Dialogar é dizer o que pensamos e suportar o que os outros pensam.
- Caim já não mata Abel: coloniza-o.
- Os colégios orgulham-se dos homens ilustres que estudaram neles e que resistiram à massificação escolar.
- O homem que não acredita em nada equipara-se ao que acredita em tudo, com a vantagem de que dificilmente se engana.
- O anonimato combina o prazer da vilania com a virtude da discrição.
- O tempo consumido em aprender coisas que não interessam priva-nos de descobrir as interessantes.
- O ator é metade gente metade personagem, não se distinguindo bem as metades.
Ainda tem mais, hein!

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Outros dois livros

Depois de ter comentado a aquisição do livro do Rubem Alves, quero falar de dois livros recém-adquiridos que são ótimos: "Uma breve história da Europa", de Jacques Le Goff - naquele mesmo modelo conciso de "A Idade Média, explicada aos meus filhos", dele mesmo - e "O avesso das coisas", aforismos do nosso Carlos Drummond de Andrade.
O livro de Jacques Le Goff é interessante para entender muito do que acontece na Europa, e até no mundo, nos dias de hoje, já que traça uma perspectiva histórica, com diversos mapas da região em épocas diferentes.
O livro do Drummond - que já estou quase no final da leitura - é ótimo. Há aforismos muito engraçados e outros que, apesar daquele jeito irônico, transbordam uma incômoda verdade. Por enquanto, dois:
- "O bom ministro se envergonha de pertencer ao mau governo, mas continua nele" e
- "Se o inferno existir, este mundo deve ser o seu vestibular".
Depois eu listo outros.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Rubem Alves

Já encomendei o livro mais novo de Rubem Alves - autor pelo qual me "apaixonei" à primeira leitura e do qual já falei à época do "Globolog" -, "A poesia do encontro", em coautoria com Elisa Lucinda.
Entretanto, este post não é para falar desse livro de Rubem Alves, mas de outro que comprei por esses dias, e que me surpreendeu: "Filosofia da Ciência - introdução ao jogo e suas regras". Nele, Rubem Alves fala sobre ciência com a sua costumeira "fluência", usando as analogias tão bem criadas por ele e com aquela simplicidade que lhe é peculiar.
Na contracapa do livro há uma pequena citação: "o cientista virou um mito. E todo mito é perigoso, porque ele induz o comportamento e inibe o pensamento. Existe uma classe especializada em pensar de maneira correta (os cientistas), os outros indivíduos são liberados da obrigação de pensar e podem simplesmente fazer o que os cientistas mandam. Antes de mais nada é necessário acabar com o mito de que o cientista é uma pessoa que pensa melhor do que as outras". (O grifo é meu)
O pouco que li do livro permite ver que, apesar do jeito descontraído de Rubem, ele foi fundo no assunto, apresentando idéias de Karl Popper, Thomas Khun, David Hume, Einstein; explicando a causalidade, a Relatividade, os modelos científicos; mostrando experimentos físicos através de esquemas... e muito mais.
O livro que adquiri é de 1984, publicado pela Editora Brasiliense... mas descobri que está disponível atualmente em publicação da Loyola.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Filosofia e poesia (2)

No primeiro post de "Filosofia e poesia", registrei uma opinião que constava no prefácio de um livro de Tomás Melendo, emitida por Antônio Livi, que dizia: “Entre poesia e metafísica existem – desde os tempos do poema de Parmênides – relações estreitíssimas”.
Naquele instante comecei a pensar um pouco mais sobre estas "relações estreitíssimas". Não sei se elas são necessariamente tão estreitas assim. A verdade é que o pensar filosófico pode ser expresso sob diversas formas, inclusive não escritas. Dentro do âmbito da escrita, podem-se ver romances filosóficos, contos filosóficos, diálogos filosóficos ou, como é mais comum, tratados técnicos de Filosofia. E por que não poesia filosófica? Sim, ela também é possível.
Mas há que se lembrar que Parmênides não criou o estilo poético para apresentar sua filosofia. Os grandes textos eram poéticos, como em Homero e Hesíodo. Aliás, vê-se com isso que a poesia serviu, inclusive, ao mito, que era uma espécie de contraponto à própria Filosofia - embora haja discussões pertinentes sobre a validade dessa dicotomia "mito versus logos". Parmênides, então, se vale de uma forma de escrever típica para registrar a sua filosofia. Ao longo da história, outros fizeram isso bem, como Voltaire, Sartre, entre vários pensadores.
Um dos problemas com o uso de gêneros literários diversos para apresentar a Filosofia é a extensão dos textos para obter um aprofundamento suficiente. Normalmente, o que se apresenta são "intuições filosóficas", mais do que Filosofia. É bem verdade que isso aproxima o leitor do pensar filosófico - o que, por si só, já é ótimo -, mas me parece que continua faltando "algo mais", que só se produz através de um método mais "rigoroso", que é o da Filosofia em si. Apesar da ênfase na "intuição" como método apropriado para obtenção de conhecimento, em alguns filósofos, como Bergson.
A propósito disso, aliás, há ainda uma afirmação de Antônio Livi, no prefácio à obra de Melendo de que “as citações dos poetas [no livro] não servem só para expressar de maneira sugestiva o que a metafísica expressa... com a frieza da lógica e da terminologia técnica... A experiência artística capta (às vezes melhor do que qualquer outra experiência) a verdade das coisas”. Parece-me que uma coisa é alcançar a intuição de uma "verdade" - estado eminentemente subjetivo - e outra, totalmente diferente, é usar de elementos discursivos para "organizar" essa intuição e torná-la "compartilhável", isto é, transformá-la em algo "tendendo à" objetividade - pelo menos pelo alcance de uma "intersubjetividade". Em relação ao primeiro item - alcançar a intuição da "verdade" -, penso que a poesia permite isso de modo muito eficiente. Mas o "complemento" - que a mim parece necessário -, que é o desenvolvimento dessa intuição em termos discursivos, não me parece pertencer ao âmbito de possibilidades da poesia.
Mal comparando, seria como se observássemos a foto de uma mãe africana esquelética, com seu filho faminto nos braços, e intuíssemos a "desigualdade social do mundo". Isso serviria para nos tirar da inércia do "nada fazer a respeito", mas não indicaria que ações tomar. Para esse último passo, seria necessário um estudo sobre o lugar onde aquilo acontece; sobre as circunstâncias em que se insere aquela situação; sobre as organizações que já trabalham pelo fim daquela injustiça social e etc. Neste caso, obviamente, a Filosofia também não se equipararia ao fim do caso, pois ela apenas funcionaria no nível teorético, havendo necessidade de um nível prático. Mas como mera comparação, acho que atinge o objetivo desejado.
Por último, algo que me parece ocorrer com os recursos estéticos de auxílio ao filosofar - aqueles que atingem diretamente o âmago da nossa alma sem passar pelo intelecto - é que eles nos dão uma imagem meio "impressionista" da realidade. Nas telas de Renoir ou Monet, vemos o que foi pintado... de longe. Mas se nos fixarmos naquela árvore, ou naquele nariz, por exemplo, eles não têm a forma "exata", que tiveram na época do Barroco. Isso, obviamente, não tira a beleza das obras de Renoir e Monet - dos quais eu, particularmente, sou admirador -, mas força-nos a dar-lhes o valor segundo o que querem nos passar: a intuição sensível, que abraça o conteúdo do todo, sem se preocupar com a necessária composição das partes. Eles não pretendem um registro "fidedigno" da realidade que pintaram. Esse registro teria que ser buscado através de outro método de acesso àquela "realidade".
Algo assim, parece-me, aconteceria com a intuição advinda da poesia, que precisaria ser completada por um discurso amparado por um método.
Acho que haverá mais capítulos da novela "Filosofia e poesia"... Alguém se arrisca a "rabiscar" mais algumas linhas?

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Sobre a Educação

O Editorial do Jornal do Brasil de 3 de janeiro de 2009, falava sobre a Educação. Inicialmente citava entrevista dada pelo ex-ministro Rubem Ricupero, onde este dizia que “O problema hoje [da Educação] não é mais a quantidade; é qualitativo”. Não basta, portanto, o governante dizer que prioriza os investimentos na Educação e que, por isso, irá construir mais um sem número de escolas. Há que se pensar a qualidade do ensino, também.
O texto continua com um bom recado para nós, pais, quando registra que “A educação doméstica, anterior à curricular, é como a alimentação: se o ser humano não é nutrido adequadamente nos primeiros dois anos de idade, adquire sequelas para o resto da vida. Sem um ambiente cultural, que inclui livros nas estantes, dificilmente conhecerá o gosto pela leitura. Sem limites – alguns pais desconhecem a palavra ‘não’ – [o ser humano] será egoísta, individualista, autocentrado, sem noção de vida em comunidade e de como repartir direitos e deveres”.
Aproveito, aqui, para fazer uma ponte com uma coisa que me chama atenção na Teoria de Contrato Social de Rousseau. Embora haja vários filósofos “contratualistas”, parece-me que a visão de Rousseau apresenta uma vantagem por conta da sua preocupação com a educação. Para Rousseau, o contrato social não era a simples cessão dos direitos individuais para um representante que garantiria a paz e a administração da justiça entre os homens – originalmente em “estado de natureza”. Explica-nos Danilo Marcondes a visão de Rousseau: “a soberania política pertence ao conjunto dos membros da sociedade. O fundamento dessa soberania é a ‘vontade geral’, que não resulta apenas da soma da vontade de cada um. A vontade particular e individual de cada um diz respeito a seus interesses específicos, porém, enquanto cidadão e membro de uma comunidade, o indivíduo deve possuir também uma vontade que se caracteriza pela defesa do interesse coletivo, do bem comum. É papel da educação, a formação dessa ‘vontade geral’, transformando assim o indivíduo em cidadão, em membro de uma comunidade”.
Ou seja, a “vontade geral” não é uma simples soma de “vontades particulares”. Ela pode, inclusive, ser oposta a uma determinada vontade particular num indivíduo. Mas, mesmo assim, é preciso que o indivíduo reconheça a necessidade de submeter sua vontade particular a uma vontade geral, que não está apenas em outrem, mas também nele mesmo. Só assim a sociedade poderá ser uma comunidade... ou seja, um lugar onde o “bem comum” tenha destaque e o indivíduo poderá ser um cidadão.
Voltando ao editorial.
A última parte do texto se inicia da seguinte forma: “Talvez o símbolo máximo dessa incapacidade de viver em sociedade seja...”, e enfileiram-se os exemplos de maus comportamentos no trânsito – avanço de sinal; não baixar o farol ao cruzar com outro veículo; forçar a passagem em cruzamentos; etc. Particularmente, não sei se esse é o “símbolo máximo”, mas reconheço que é um forte sinal da falta de qualidade de nossa educação. Outros exemplos seriam a violência no futebol, que não reconhece o direito do outro simplesmente ter um gosto diferente; o desrespeito aos professores, que são até agredidos; os “furadores” de fila em qualquer aglomeração de pessoas... e por aí vai.
Que falta faz a educação! É por essas e outras que somos um país de Terceiro Mundo. Poderemos até fazer parte do G-8, do G-4 ou sermos o “Number One” na Economia Mundial, mas sem educação, ficará difícil ser verdadeiramente humano, aqui no Brasil.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A Reforma Ortográfica

Já estamos em tempo de vigência do uso da "nova ortografia". Apesar da mudança total só ser exigida a partir de janeiro de 2013, acho melhor irmos nos acostumando com a nova forma. De minha parte, procurarei escrever segundo as normas vigentes. Se eu escorregar, conto com a sinalização dos amigos do blog.
Apesar da polêmica envolvendo as mudanças, diz-nos o imortal Evanildo Bechara que só há vantagens. Bechara reconhece que a mudança pode não agradar ao homem erudito, mas indica que facilitará a vida do "homem comum". Além disso, usa um argumento forte, ao indicar que, apesar da existência de regionalismos nos diversos locais onde o francês, o italiano e o espanhol são falados, esses idiomas só têm uma ortografia. Por que seria diferente com o nosso idioma Português?
Sobre o trema, que me causava muita espécie existir no Brasil - um Português "derivado" - e não em Portugal, eu soube que ele já existiu por lá também, tendo sido abolido na reforma da década de 40.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Ainda sobre o conflito na Faixa de Gaza

Acho que ninguém discute a necessidade de suspensão imediata dos ataques de Israel à Faixa de Gaza... a não ser, talvez, os israelenses que moram nas cidades que recebem mísseis Qassam "em domicílio". De qualquer forma, mesmo esses, devem pensar na possibilidade de ter uma paz duradoura em algum momento, o que certamente implica a parada da máquina de guerra israelense.
Portanto, que é preciso que Israel pare de bombardear a Faixa de Gaza, isso é quase um "ponto pacífico" - sem trocadilho.
Num segundo momento, entretanto, é preciso convencer o Hamas a parar de jogar seus "estalinhos" no quintal do vizinho. Isso foi o que deu a justificativa a Israel para a deflagração desse último conflito; quando o Hamas, em pleno cessar-fogo lançou mais alguns dos seus "buscapés". É bem verdade que, na guerra da propaganda, o Hamas afirma que fez isso em retaliação à morte de onze integrantes de seu grupo, assassinados pelos israelenses. Se bem que, como disse o radialista americano Boake Carter, nos anos 40, "numa guerra, a primeira vítima é a verdade".
Isso foi só uma introdução para falar de uma matéria publicada no Jornal do Brasil, de autoria do professor de Direito da PUC-RS, Wremyr Scliar, onde este narra o descumprimento das Convenções de Genebra por ambas as partes envolvidas no conflito. Como as de Israel são já sabidas, principalmente no que diz respeito ao ataque à população civil, enfatizo aquelas concernentes ao Hamas. O professor escreve: "Nós testemunhamos o lançamento sistemático de mísseis pelo Hamas de dentro de áreas densamente povoadas na Faixa de Gaza, incluindo áreas civis protegidas como escolas e mesquitas... e ambulâncias para transportar armas e terroristas... Nos últimos dias em Gaza, houve notícias de soldados armados do Hamas pegando crianças palestinas e carregano-as como escudos humanos". Desta forma, fica fácil entender por que bombas israelenses explodem em templos e em unidades educacionais, sem que isso incomode ao governo de Israel.
Mudando um pouco a perspectiva da reflexão.
Eu não sei se poderíamos invocar a Convenção de Genebra, que estabelece normas para todos os envolvidos em um conflito, no caso de grupos terroristas. Mas a verdade é que o Hamas, como líder administrativo de uma região - ainda que não um país reconhecido - tem responsabilidades de um governo regulamentar. E, para facilitar o reconhecimento de um Estado Palestino, seria interessante que cumprisse normas internacionais de comportamento.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O lema de Sócrates

Já nos acostumamos a ler que o lema socrático "Uma vida não analisada não vale a pena ser vivida" tem como origem a inscrição na entrada do Templo de Apolo, o famoso Oráculo de Delfos.
O que imagino que poucos saibam é que havia mais inscrições, e que elas teriam como autores os Sete Sábios da Grécia - e não custa lembrar que Tales é o único filósofo que consta da lista. Segundo conta Paulo Ghiraldelli Jr., "elas [as inscrições] dariam o 'espírito de moralidade' a ser seguido pelos gregos".
Para matar a curiosidade dos amigos, seguem as inscrições: "Conhece-te a ti mesmo" - a fonte do lema socrático -; "Nada em excesso"; "Observa os limites"; "Curva-te ante o divino"; "Teme a autoridade" e "Glória não é força".
Sobre o fato de os ditames serem corretos, ou até mesmo sobre serem ou não universais, não opinarei. Mas que é uma lista interessante, isso é!

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Spinoza




Eis o querido Spinoza, pensando "em ordem geométrica"!
(Estátua em "The Hague"... Haia)

Na Faixa de Gaza

O noticiário a respeito dos ataques de Israel à Faixa de Gaza tem mostrado o lado sórdido de todas as guerras: a morte de inocentes.
Para quem não lembra da História, ela começa há muito tempo, quando o “Deus da Guerra”, Jeová, determina que os hebreus saiam de seu “cantinho”, lá em Ur, na Mesopotâmia, em direção à Canaã, a “Terra Prometida” – originalmente, a Palestina -, sob o comando de Abraão. Lá chegando e percebendo a dificuldade de morar no local, os hebreus migram para o Egito. Tornam-se escravos e depois, sob a orientação de Moisés, migram de volta para Canaã, encontrando os filisteus – donos originais da Palestina. O “Deus beligerante” dá orientações... e “apoio” às conquistas dos hebreus. E estes conquistam a sua “Terra Prometida”, que, recorde-se, não lhes pertencia originalmente.
Essa é a parte antiga da História. O que as pessoas mais recordam, entretanto, é a compra de terras na Palestina, a partir de 1897, por judeus do mundo todo, a fim de possibilitar a fundação do Estado de Israel; também do apoio da Inglaterra a essa idéia, depois do fim da Primeira Guerra e da derrota do Império Otomano, que controlava a Palestina, e, por fim, do transbordamento de novos judeus, chegados na época das perseguições geradas pelo nazismo.
Talvez com pena do holocausto, ocorrido na Segunda Grande Guerra, o mundo se reúne para dar uma pátria aos judeus, em 1947. O problema, a meu ver, é que isso deveria ter sido acordado com os palestinos, bem como deveria ter sido contemplada a criação do Estado Palestino, junto com o Estado de Israel.
O pior, entretanto, a respeito da criação do Estado de Israel, é que a divisão privilegiou a minoria judaica – 700 mil pessoas –, que recebeu 57% do território, em detrimento de 1,3 milhão de árabes-palestinos, que ficaram com apenas 43%.
A questão não é fácil de ser resolvida. Afinal, ao contrário do Fatah, que controla a Cisjordânia, o Hamas não cede em reconhecer o Estado de Israel, e insiste em mandar os seus “risíveis” – diante do poderio israelense – foguetes Qassam, que acabam por gerar uma resposta desproporcionalmente superior por parte de Israel. Ou seja, os Qassam destroem mais lares na Faixa de Gaza do que em Israel.
Destroçados pela incrível diferença de força, aos palestinos só resta o “golpe baixo”, traduzido nas ações terroristas contra a população civil israelense, com seus “homens-bomba”.
E aí temos o ódio alimentado pelo ódio... e alimentando mais ódio!
O pior é pensar que ambos – palestinos e israelenses – são povos de origem semita, cuja maior diferença é a ligação aos deuses Alá e Jeová - mas “eles” não são um só?! Aliás, pior mesmo não é a origem comum das raças, mas é verificar que são comuns no gênero – o humano... demasiado humano, talvez, como diria Nietzsche.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Relembrando a história da Filosofia

Seguindo nas minhas leituras sobre História da Filosofia, para tirar a poeira da memória, estou no finalzinho de "Iniciação à História da Filosofia", de Danilo Marcondes. O livro é muito bom. Entretanto, não posso deixar de registrar minha impressão de que ele é melhor na parte até Kant, perdendo em valor no conteúdo a partir de Hegel. Schopenhauer, por exemplo, é contemplado com pouco mais de uma página. Melhor um pouco é Nietzsche, que ganha três.
De qualquer forma, até Kant o material dá uma boa visão da Filosofia; valendo a pena ser lido.
Como sempre, meu olhar crítico se volta com maior acuidade para a parte sobre Spinoza. E, nesse aspecto, o livro merece os parabéns. Eu faria apenas três observações.
1) o texto registra, por engano, que o Tratado Teológico-político foi publicado em 1665, quando ele é de 1670;
2) uma passagem do texto indica que Spinoza tem uma "concepção de Deus não pessoal, nem mesmo religiosa, mas metafísica, e de Deus ser compreendido não como transcendente, mas como imanente à realidade natural", afirma logo depois que esta "posição filosófica será conhecida no pensamento moderno como teísmo, ou seja, uma concepção essencialmente filosófica e não teológica ou religiosa de Deus, segundo a qual Deus é essencialmente um princípio metafísico".
O termo "teísmo" deve ter sido colocado enganadamente no lugar de "deísmo". Além disso, realmente o deísmo remete a um Deus metafísico - ou "Deus dos filósofos" - em vez de a um Deus religioso, mas a percepção de Spinoza de um Deus imanente parece superar o conteúdo do sistema deísta em muito. Eu diria até que é uma das contribuições mais interessantes de Spinoza à Filosofia; e, por último,
3) o texto registra, conforme a ortodoxia, o chamado "panteísmo" de Spinoza - apesar de curiosamente ter indicado, como eu disse no item anterior, a proximidade com o "teísmo" (sic). Logo depois, inclui o escólio da Proposição 29, do Livro I, da Ética, onde Spinoza explica a diferença entre a "natureza naturante" e a "natureza naturada".
A observação que faço aqui não é contra Danilo Marcondes, mas contra a ortodoxia, que normalmente registra o lema spinozano "Deus sive Natura" igualando Deus unicamente à natureza material. Como pode ser visto na proposição transcrita por Marcondes, Spinoza iguala Deus à natureza naturante, que ele indica ser "o que existe em si e é concebido por si", que é justamente a definição da substância única spinozana. A natureza naturada, que Spinoza indica ser "aquilo que resulta da necessidade da natureza de Deus... coisas que existem em Deus...", é que corresponde à natureza material. Aliás, "coisas que existem EM Deus" pode sugerir o chamado "panenteísmo", em vez de "panteísmo". Mas isso é outra estória.
Um comentário final sobre Spinoza, ainda pertencente ao livro, é o que diz respeito à citação de que "tanto os cartesianos quanto os racionalistas, como Leibniz, criticaram Spinoza, não vendo nele um representante típico do racionalismo moderno". Eu acharia isso mais um elogio do que uma censura. Rsss.

sábado, 3 de janeiro de 2009

A "impostura" de Alexandre Dumas, pai

Puxa... eu que gostava tanto de "O conde de Monte Cristo" me sinto enganado com a informação - só descoberta agora por mim - de que Alexandre Dumas, o pai, tinha dezenas de "colaboradores". Ao que parece ele não tinha boas idéias, mas era bom em desenvolver de idéias alheias. Com isso, os tais "colaboradores" apresentavam o argumento e Dumas ia "desenrolando o carretel" até formar-se a estória. Ao final, o cara "tascava" a assinatura e mandava aos editores.
Mas, peraí! Isso não é um pouco de enganação? É verdade que se discute se Homero não teria sido, ele mesmo, uma ficção. Aliás, a análise dos textos, através da filologia, parece sugerir isso. Mas esse estava distante demais no tempo... e os outros é que tê-lo-iam criado como uma forma de "síntese" da tradição oral da época. Mas o sujeito fazer isso propositalmente, para "agilizar" seu processo criativo?! Aí, é demais! Que decepção, Dumas!

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Poesia: tem quem não goste

O título, desta vez, é de uma matéria do filósofo Leandro Konder, escrita no Jornal do Brasil.
O primeiro parágrafo diz: "A poesia corresponde a uma profunda necessidade humana. Sempre podem ser encontradas pessoas que, em nome do bom senso e do saudável espírito pragmático, declaram que não têm interesse algum pela poesia. Devemos respeitar-lhes o mau gosto, a falta de sensibilidade. Com paciência, entretanto, talvez seja possível dar-lhes uma leve idéia do que estão perdendo".
A primeira coisa a destacar é a identificação da poesia com uma "profunda necessidade humana"... bonito!
Depois, faço uma espécie de "mea culpa", ao reconhecer que o texto fala do meu passado, quando diz "podem ser encontradas pessoas que, em nome... do... espírito pragmático, declaram não ter interesse... pela poesia". Hoje reconheço a verdade da afirmação de Konder, quando diz "Devemos respeitar-lhes o mau gosto, a falta de sensibilidade".
Por último, tenho que agradecer à minha amiga Maria, que, mesmo sem ter lido o texto, exercitou sua benevolência mostrando-me o engano em que eu incorria, que poderia ter sido apoiada pelo trecho "Com paciência, entretanto, talvez seja possível dar-lhes uma leve idéia do que estão perdendo".
E, através do exercício de paciência dela, conheci Fernando Pessoa. Obrigado, Maria!