quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Um vídeo sobre Spinoza

Passado o carnaval - com a vitória do meu Salgueiro - e a semifinal da Taça Guanabara - com a derrota do meu Flu -, não pude deixar de compartilhar um achado: um vídeo no You Tube sobre Spinoza. É só ir ao You Tube e pesquisar "Espinosa o apóstolo da razão". O vídeo é dividido em seis partes de alguns poucos minutos.
Querem forma mais rápida de travar contato com a vida e o pensamento do luso-holandês? Peguem a pipoca e divirtam-se!
P.S.: Três pequenas correções: 1) o nome que aparece na legenda "Binto", do áudio original em inglês, na verdade, é "Bento" (o mesmo que "Benedito"), que corresponde ao português "abençoado", do hebraico "Baruch"; 2) a "excomunhão" de Spinoza, originalmente ocorrida em 1656, é descrita no vídeo como acontecendo em 1659; e 3) o áudio se engana - apesar da legenda corrigir - ao informar que a Ética foi publicada em 1667, quatro meses após a morte de Spinoza, que, na verdade, ocorre em 1677.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

A identidade pessoal

Outra do livro de Fearn.
A 'nau de Teseu' deixa o porto a fim de realizar uma longa viagem. À medida que a viagem transcorre, algumas tábuas do navio vão apodrecendo, sendo substituídas uma a uma. Ao final da viagem, o encarregado da manutenção faz um relatório da substituição das tábuas, chegando à conclusão de que todas foram trocadas.
Pode-se dizer que esta nau foi a mesma que iniciou a viagem? Fearn diz "Como o processo de mudança foi gradual, tendemos normalmente a dizer que a relação histórica entre as duas embarcações é suficiente para que julguemos que são exatamente a mesma".
A coisa parece resolvida. Entretanto... uma das ferramentas da Filosofia é a chamada "experiência mental" - um experimento que não poderíamos realizar na prática, mas que, apesar das dificuldades imagináveis, seria "pensável".
Fearn sugere, então: "Que diríamos se, por toda a viagem, a nau de Teseu tivesse sido seguida por uma outra, tripulada por carpinteiros, e estes tivessem recolhido uma a uma as pranchas descartadas da primeira nau e as usado para construir uma réplica exata dela? Nesse caso, haveria uma rival aspirante ao título 'nau de Teseu', com mais direitos, já que é composto dos mesmíssimos pedaços que o barco que deixou o porto".
É... a coisa mudou agora!
Se lembrarmos que muito do corpo com que nascemos sofre transformaçõe e que, passados muitos anos, a maior parte da "estrutura" não é mais original, podemos dizer que ainda somos "o mesmo"?

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Uma defesa de Aristóteles

É bem verdade que alguém conhecido como "O Filósofo" - alcunha de Aristóteles - não parece precisar de defensores, ainda mais de pouca qualidade filosófica como eu. Entretanto, já que muitos lhe fizeram oposição, acho justo expor uma defesa em especial, a partir do livro de Nicholas Fearn, que já citei em outros posts.
O livro começa citando Bertrand Russel: "Desde o início do século XVII, quase todo avanço intelectual sério teve de começar como um ataque a alguma doutrina aristotélica". A Física aristotélica realmente foi muito atacada - de maneira muito acertada, diga-se de passagem. Entretanto, no que diz respeito à compreensão da Biologia, até Charles Darwin reconheceu que foi Aristóteles quem deu a maior contribuição de todas.
Essa já seria uma defesa de peso, hein! Mas eu acho que dá para ir além.
Fearn escreve que "lamentavelmente, os métodos que o filósofo expôs não foram empregados por seus herdeiros. Admitindo, em 'Da geração dos animais', que não sabia como as abelhas se desenvolviam até a maturidade, Aristóteles escreveu: 'Os fatos ainda não foram suficientemente estabelecidos. Se jamais vierem a ser, o crédito deverá ser dado não às teorias mas à observação, e às teorias somente na medida em que elas forem confirmadas pelos fatos observados'". E Fearn complementa: "Por quase dois mil anos após a morte de Aristóteles, os filósofos em geral deixaram de observar os fatos". Ou seja, "O Filósofo" não se limitava às especulações "vazias", ele inquiria a realidade. É bem verdade que podia entender mal algumas das respostas dadas pelo mundo, mas não se limitava a dogmatizar esse mal entendido... como pretendem alguns modernos.
Fearn diz que Francis Bacon contava a seguinte estória: "um grupo se encontrou na Idade Média para discutir quantos dentes tinha um cavalo. Não conseguindo encontrar uma resposta nas obras de Aristóteles, um dos mais jovens e ingênuos sugeriu que fossem ao estábulo e contassem. Por isso, foi expulso da reunião". Conclui Fearn: "O episódio diria menos sobre os erros de Aristóteles do que sobre aqueles que, enquanto conservavam suas conclusões, evitavam seus métodos".

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Sócrates e Protágoras

O livro "Aprendendo a Filosofar - em 25 lições", de Nicholas Fearn, é um daqueles livrinhos gostosos sobre Filosofia. Fearn usa vinte e quatro pensadores - duas lições tratam de Wittgenstein - para exibir "ferramentas" filosóficas, como o reducionismo, o relativismo, a analogia, etc.

Numa dessas lições, apresenta-se Protágoras e o relativismo. O texto cita o encontro de Sócrates e Protágoras, descrito no "Teeteto", de Platão. Nele, Sócrates pergunta ironicamente se, ao afirmar que o homem é a medida de todas as coisas, Protágoras não estaria cometendo uma injustiça com as opiniões dos porcos. Esse Sócrates não era fácil! Aliás, por perturbar todo mundo é que ganhou o apelido de "a mosca de Atenas". Mas, voltando... Protágoras respondeu que os porcos tinham direito às suas opiniões, contanto que fossem capazes de tê-las. Fearn, nesse ponto, tão ironicamente quanto Sócrates, escreve "Infelizmente, isso significaria que os discípulos de Protágoras estavam pagando um bom dinheiro para aprender opiniões que não eram mais sábias que as de um porco".

Fearn continua interessantemente seu texto, dos quais tiro algumas frases.

"Se todos têm direito à sua opinião, o que o relativista pode dizer quando a opinião de outra pessoa é que a verdade não é relativa? ... A defesa do relativismo não pode ser formulada sem paradoxo...";

"Não nos agradaria dizer que Adolf Hitler tinha direito às suas opiniões, ou que estas não eram menos verdadeiras que as de qualquer outra pessoa";

"As conclusões mais amplas a que Protágoras chegou talvez se contradigam, mas não resta dúvida de que ele tocou num ponto importante. Trata-se da ideia de que toda verdade exige algum tipo de medida. As verdades não são verdadeiras ou falsas em si, mas dentro de um sistema de pensamento";

"A tolerância cultural, como a compreendemos no Ocidente, pode ser algo excelente, mas é logicamente oca caso se aplique apenas a culturas que não se desviam demasiadamente da nossa"; e

"Embora possamos não saber qual deveria ser a medida verdadeira, objetiva das coisas, não a descobrimeemos depreciando as ideias dos demais como verdadeiras apenas para eles. Por mais respeito que essa atitude demonstre para com as crenças dos outros, também demonstrar desrespeito por suas capacidades como seres pensantes".

É... os sofistas não morreram!

sábado, 14 de fevereiro de 2009

O rei-filósofo e Aristóteles

Todos conhecemos a ideia de Platão, exposta na "República", de que o líder ideal do Estado seria o rei-filósofo. É sabido que Aristóteles, inicialmente discípulo de Platão, desenvolveu teorias muito diversas do mestre. Uma delas, por exemplo, diz respeito a esse líder ideal, e aparece num fragmento que restou da obra perdida "Da realeza". Lá está escrito: "Para um rei, não é apenas desnecessário ser um filósofo, é até uma desvantagem. Um rei deveria, antes, ouvir o conselho de verdadeiros filósofos. Assim, cumularia seu reino de boas ações, não de boas palavras".
Eu gosto muito do jeito aristotélico de "ler" a realidade. Muito antes de Marx, para quem a Filosofia se dedicou apenas a interpretar o mundo, em vez de se dedicara modificá-lo, que seria o que importava realmente, Aristóteles, muito mais inteligentemente, já postulava a necessidade de integrar a interpretação e a ação sobre o mundo. Isto é, o rei - representando a ação - precisa do apoio do filósofo - representando a reflexão. Obviamente, "filósofo" aqui diz respeito ao "especialista do pensamento", ao teórico, que, na atualidade, pertenceria a qualquer área do conhecimento - economistas, sociólogos, etc.
Pronto... os partidários do presidente já têm apoio em Aristóteles para validar a ascensão do humilde trabalhador nordestino, desprovido de conhecimento até do nosso idioma, ao cargo executivo mais importante do país. Xiiii, mas cadê os filósofos para o aconselharem? O Leonardo Boff já abandonou o barco! Seriam, então, Dilminha e Dirceu? Nossa Senhora... que aconselhamento filosófico é esse, gente?!

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O erro de Descartes

A matéria de capa da última edição da revista "Conhecimento Prático - Filosofia" trata justamente do erro cartesiano, fundamentando-se nas ideias do livro que tem o mesmo título do post, de autoria do neurocientista português António Damásio.
A matéria indica que Damásio, com seus longos anos de experiências científicas, afirma que o famoso "cogito" cartesiano poderia ser melhor expresso através da frase "Penso, sinto, logo existo".
No livro, Damásio conta a estória triste de Phineas Gage, que, em 1848, teve o crânio atravessado por uma barra de ferro. Apesar dos poucos recursos da época, Gage sobrevive e volta a tentar ter uma vida normal. Por conta da área lesionada no cérebro, o lobo pré-frontal, Gage perde a capacidade de emocionar-se. É verdade que seria de se esperar que sua vida social fosse prejudicada, o que realmente aconteceu; mas foi surpresa um outro "efeito colateral": a falta de capacidade de decidir sobre opções do quotidiano... inclusive, decisões técnicas, mesmo com a manutenção de sua "memória tecnológica".
A revista apresenta a conclusão dos estudiosos: "os sentimentos e as emoções roçam a nossa racionalidade, impelindo-nos a determinadas decisões, comportamentos e planejamentos. Nossa necessidade de sobrevivência, nosso corpo e mente estão em contínua relação".
E conclui, sobre o pai do Racionalismo, que "Descartes, sem reduzir sua importância como filósofo, errou duas vezes: uma, ao considerar a razão o princípio motor do humano, desvinculada das emoções e outra, quando exclui o corpo de suas vicissitudes mentais".
Nem vou dizer que, depois desse livro, António Damásio escreveu outro, que poderia ter se chamado "O acerto de Spinoza" (rsss), que dizia respeito à percepção do holandês de que havia uma profunda ligação entre o corpo e a mente, no que diz respeito às emoções, e como o desejo era importante na vida humana - aliás, Freud também "descobre" isso uns duzentos e poucos anos depois -, bem como sua visão de que a razão não pode se assenhorar das emoções - pelo menos, sem prejuízo da saúde psíquica.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Mais Obama

Interessante a postura do, então candidato, Barack Obama lendo o livro "O mundo pós-americano", do jornalista Fareed Zakaria, que discute o papel de várias potências, como Índia e China, no mundo, sob os pontos de vista econômico, cultural e militar.
Será que Obama, que é o representante das ideias do povo americano, está juntamente com esse povo percebendo que os Estados Unidos não estão sozinhos no mundo?
Isso me parece realmente um bom sinal!

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Mário Sérgio Cortella

O simpático filósofo Mário Sérgio Cortella deu uma entrevista à revista "Conhecimento Prático - Filosofia", em sua última edição. Separei algumas citações suas que nos permitem ver o quanto a Filosofia tem a ver com a vida quotidiana, não precisando ficar "encastelada" nos grossos manuais apenas. Aqui estão:
- "A filosofia lida com as questões essenciais da nossa existência";
- "Quem se encanta de fato por um conhecimento que indaga, por um conhecimento que perscruta, por um conhecimento que não se conforma, tem a oportunidade de ser um ser humano mais claro de si mesmo e muito menos dependente de um conhecimento externo a ele"; e
- "Talvez a grande questão no Ocidente seja construir uma civilização que não seja biocida; que não apodreça as esperanças; que não pratique a desigualdade; que não use a tecnologia como ferramenta de humilhação ou morte. A grande questão filosófica de nosso tempo é por que não conseguimos produzir abundância sem que essa abundância não seja privativa".
Acho absolutamente necessário refletir sobre o mundo. Mas para não sermos facilmente enganados por argumentos falaciosos, é necessário saber utilizar algumas ferramentas do pensamento que só a Filosofia pode nos oferecer.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Problemas para Obama (2)

Semana passada, Mauro Santayana escreveu no Jornal do Brasil matéria interessante sobre problemas para o recém-eleito presidente norte-americano. Diz ele que:
"O presidente Obama se reuniu com seu alto comando militar, que lhe mostrou a dificuldade de uma saída rápida do Iraque. 'Não será fácil', confessou o presidente depois da reunião".
Complicado é o fato de que um dos motivos da eleição de Obama foi justamente essa retirada.
Uma das boas observações que Santayana faz é sobre o estadista francês Georges Clemenceau, que conduziu a ofensiva contra os alemães durante a Primeira Guerra Mundial.
Se Obama quiser cumprir suas promessas de campanha, vale à pena ouvir Clemenceau, que afirmou que "a guerra é uma coisa grave demais para ser confiada aos militares".
Entretanto, se não quiser cumprir suas promessas anteriores, Clemenceau também lhe dará "conforto". Afinal, é dele a frase: "Nunca se mente tanto quanto ANTES DAS ELEIÇÕES, durante a guerra e depois da caça (ou 'da pesca', diria eu)".
Pronto, Obama... Clemenceau vai ajudá-lo, qualquer que seja sua opção.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Problemas para Obama

Que a coisa não iria ser fácil para o presidente Obama, todos já sabiam. Mas com algumas dificuldades, ele mesmo não contava. É o caso, por exemplo, da indicação para integrar o seu governo de pessoas que eram sonegadoras de impostos e de uma investigada pela Justiça. O azar de Obama é não ser presidente do Brasil, pois aqui os sonegadores fariam um acordo com a Receita - só depois que o caso viesse à tona, obviamente - e o investigado pela Justiça alegaria que o processo não transitou em julgado e que, por isso, seria ilegal considerá-lo previamente como culpado... e todos assumiriam seus cargos com tranquilidade.
Além disso, Obama diria que essas acusações pertenciam ao passado... e, principalmente, que não sabia de nada antes da publicação nos jornais e que ouvira a explicação dos novos secretários, tendo sido convencido da inocência deles e... tudo bem!
E ainda reclamam sobre o De Gaulle ter dito que o Brasil não seria um país sério!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Os sofistas

Esse post seria apenas uma resposta a um comentário de Maria sobre o post anterior. Entretanto, como ele foi ganhando em tamanho, resolvi registrá-lo na parte principal do blog.

Maria tem razão quanto à origem do termo "sofisma" - como "falácia". Realmente, ele seria um produto da técnica dos sofistas. Mas o termo foi cunhado a partir da definição que Platão deu para os sofistas, e não o contrário. Portanto, há uma circularidade, e não uma comprovação "que cabe como uma luva" na definição platônica, ou seja, "os sofistas o são porque sofismam, e sofismam porque são sofistas".

Como Maria questiona a questão do "rosto" dos sofistas, única e exclusivamente a partir do retrato de Platão, eu registro algo que li: "uma interpretação comum atualmente é que esses pensadores foram vítimas de uma condenação injusta, que só começou a ser reparada no século XIX".
Parece que a única fonte que temos sobre os sofistas, ao lado de Platão, é a do doxógrafo Filostrato (séc. II-III dC) - bem posterior ao primeiro, portanto. Há, entretanto, um sofista listado por Filostrato, de nome Isócrates, que era contemporâneo e rival de Platão, o qual designava seu próprio programa educacional de Filosofia, reservando para Parmênides, Heráclito, Protágoras, Górgias, Platão e Sócrates a alcunha de "sofistas".
É interessante perceber que, como o termo "sophistés" queria dizer, inicialmente, algo como "especialista", o historiador Heródoto chamava "sofistas" a Sólon e Pitágoras, talvez, especialistas nos seus ofícios de político e matemático, respectivamente.
Outro contemporâneo de Sócrates que não parece ter o mesmo ponto de vista de Platão é Aristófanes, que escreveu "As nuvens", onde não faz distinção entre filósofo e sofista, nem entre aqueles filósofos "físicos" ou "fisicalistas" - que só se preocupavam com o fundamento da "physis" -, que viriam posteriormente a ser chamados de "pré-socráticos", e aqueles que seriam os "proto-humanistas", como Sócrates. "O Sócrates-sofista de Aristófanes seria tanto um pesquisador da natureza quanto um manipulador de discursos, com vistas a obter sucesso nos negócios pessoais".
É importante perceber que Platão tinha a concepção da existência real das "Ideias", como conceitos puros, imutáveis e eternos, que tinham participação na "realidade meramente aparente" em que vivemos. Neste caso, ele teria que defender a existência da Ideia "Justiça", absolutamente verdadeira, que "participaria" das ações justas necessariamente, aqui no nosso mundo das aparências. Mas é interessante fazer uma crítica sobre uma possível "objetividade pura" dos valores humanos - conforme fizeram os sofistas. Há, por exemplo, um texto chamado "Discursos duplos", de autoria desconhecida, que, em determinado trecho, "pensa" sobre o "Justo e o injusto". Está escrito: "Dir-se-ia que é perverso e vergonhoso mentir aos amigos... Mas se o pai ou a mãe precisarem ingerir um medicamento e não quiserem, não é justo dar-lho na comida ou na bebida e não dizermos que se encontra aí?", e continua avaliando se "é justo roubar o que pertence aos amigos e exercer violência sobre os mais amados. Por exemplo, se um dos familiares, transtornado por qualquer motivo, estiver prestes a matar-se com um punhal... é justo roubar-lhe esse utensílio, se possível; ou, se se chegar demasiado tarde e já tiver o instrumento na mão, não é justo arrancar-lho à força?". Essas são questões éticas discutidas até hoje.
Diógenes Laércio diz que Protágoras "foi o primeiro a afirmar que, sobre cada coisa, havia dois discursos possíveis, contraditórios". É justamente o que fazem os "Discursos duplos", que exploram a indeterminação relativa das circunstâncias e dos costumes das diferentes comunidades políticas. "As coisas humanas - valores, opiniões, costumes, etc. - são múltiplas e instáveis, e é isso o que propicia a ação da persuasão pela palavra".
Parece-me, portanto, que qualquer avaliação de valores humanos acolhe uma certa subjetividade, em contraposição a uma "verdade absoluta".
OBS.: As citações não indicadas são de "Os sofistas: o saber em questão", de autoria do professor Marcelo P. Marques.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

"O homem é a medida de todas as coisas"

Por esses dias estive dedicado ao pensamento humanista e relativista do sofista Protágoras. De maneira geral, invocamos sua citação "O homem é a medida de todas as coisas" para mostrar, segundo um relativismo moral, a necessidade da tolerância com as opiniões que desejamos validar. A verdade, entretanto, é que dificilmente usaríamos o mesmo expediente para "deixar para lá" o apedrejamento de uma mulher por traição dentro da relação do casamento. Aliás, houve uma comoção mundial quando um caso como esse estava prestes a acontecer na África - se não me engano -, e para sorte do "nosso" ponto de vista - que é nada mais que "uma vista de um ponto" -, a moça foi dispensada da pena capital.
O fato, entretanto, que eu queria registrar diz respeito ao filósofo cético Montaigne, presente em Rouen, em 1562, quando o jovem rei Carlos IX recebeu índios americanos em seu palácio. Após a entrevista com o rei, os índios estranharam o fato da guarda do rei obedecer a um frágil rapaz, ao contrário de escolher um líder que fosse um guerreiro forte e destemido, entre os seus. Além disso, ter-se-iam espantado com a existência de mendigos nas ruas da França, convivendo com o luxo da corte, sem que se rebelassem.
Montaigne, então, nos seus famosos "Ensaios", mostra que os europeus pareciam, aos indígenas, tão bárbaros e de hábitos tão primitivos quanto eles aos próprios europeus. Montaigne reforça a ideia de que não há como julgar uma cultura - eu ampliaria a questão, para "não há como julgar seguramente uma situação particular qualquer" -, senão da perspectiva de outra. Então, a única postura razoável é a tolerância... talvez, ainda que diante de posições meio "esquisitas".
Para fechar, cito Montaigne: "Chamamos bárbaro aquilo que não faz parte de nossos costumes".