quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Por falar em Paulo...

Por falar em "Paulo", ontem, eu encontrei o meu compadre Paulo. Infelizmente, a conversa não pôde ser "regada" a uma cervejinha... ou o foi apenas parcialmente, visto que só eu não ia dirigir depois. Por esse motivo, não podemos falar que foi um "simpósio" - cuja origem remete à parte do encontro onde os participantes bebiam, e não meramente aos debates técnicos, como se entende hoje em dia.
De qualquer forma, foi um ótimo colóquio. Como sempre, começamos com a atualização mútua dos nossos quotidianos. Logo depois, passamos para aquela parte mais "interessante": nossas perspectivas pessoais da realidade que nos cerca. E aparece a Filosofia, a Física, a Religião, a Matemática...
Como meu compadre é um sujeito antenadíssimo, o papo flui sempre bem. Pena que acaba... Mas já há mais um "round" previsto para o feriadão de 12 de outubro. Ele que me aguarde! Rsss

Mais um amigo

Abri o blog e vi mais um amigo. Confesso que, quando li "Paulo", pensei que meu outro compadre tivesse tomado coragem - além de ter "forçado" um espaço na agenda - e "assumido" sua presença por aqui. Não foi o caso, mas ganhamos outro companheiro. E isso é que importa!
Seja bem vindo, botafoguense Paulo - sofredor no Campeonato Brasileiro, quase como esse que escreve, pois ainda estou pior, visto que torço pelo Fluminense. Rsss.
Secando as minhas lágrimas "futebolísticas"... desejo que goste do espaço - que agora também é seu. Sinta-se totalmente à vontade, portanto, para comentar todos os assuntos.
Um brinde à Filosofia, que nos uniu neste blog!

Água na boca do Existenz

Ontem, em mais uma das minhas "andanças" pelas livrarias, encontrei um exemplar que deixará nosso amigo Existenz com "água na boca" - eu até diria que ele ficará com uma "inveja saudável". Rssss.
Caro amigo, adquiri o livro "José Ortega y Gasset: a aventura filosófica da educação", de Margarida Isaura Almeida Amoedo, publicado pela editora portuguesa Imprensa Nacional Casa da Moeda.
A autora é professora na Universidade de Évora. Sua tese de mestrado foi em Filosofia Contemporânea, com dissertação sobre Miguel de Unamuno e Ortega y Gasset.
O livro tem quase setecentas páginas e, segundo a contracapa, "privilegia três grandes aspectos da figura de José Ortega y Gasset: a sua intervenção plurivalente na vida pública, como pensador, professor e publicista; as doutrinas filosóficas, que fazem da sua extensa obra um marco importante, dentro e fora da Espanha; e as direções pedagógicas, que, solidamente fundadas, imprimiram a todo o seu trajeto biográfico uma vitalidade transbordante e admitem ser repensadas, com proveito, noutros contextos".
Dei uma olhada nas seções do livro. A primeira delas mostra o percurso histórico do pensador. A segunda - que me parece ser o núcleo tanto do meu interesse quanto do seu - contempla mais de 230 páginas. São sete capítulos tratando dos temas orteguianos - circunstância, vida, verdade, razão vital. Dois deles têm títulos bastante curiosos: "Homem, o centauro ontológico" e "Filosofia: arte de viver, caçando na selva das ideias".
Obviamente, não é um livro para ser lido com pressa, mas com a dedicação de uma degustação.
Mas que promete.... ah, isso promete!

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Spinoza e o pessimismo

Há alguns dias, registrei uma possível aproximação, mediada por Nietzsche, entre o "conatus" spinozano e a "Vontade" schopenhaueriana. Acho que ainda há muito mais a pensar sobre essa proximidade.
Entretanto, este post não olha essa aproximação do mesmo ponto de vista que o anterior. Aqui, a intenção é demonstrar a perspicácia de Spinoza para fugir ao pessimismo, característico de Schopenhauer, em relação à existência do ser humano.
Ao enxergar o mundo como uma "briga" insana entre as Vontades particulares, Schopenhauer vislumbra um egoísmo irremediável... que o encaminha naturalmente a um pessimismo.
Spinoza, mesmo sem conhecer essa "armadilha individualista", propõe um conatus (imaginando um paralelismo entre este conceito e o de Vontade) que possui duas dimensões: a primeira, individual, e uma outra, "social". Salva-se, então, nosso querido filósofo, e consegue propor uma ética, o que não foi possível para Schopenhauer e, penso, nem mesmo para Nietzsche - embora, no caso deste último, eu deixe o assunto para outro post.
Como Spinoza consegue isso? De modo relativamente simples: ele instaura um "conatus" do ente social - também um "corpo" composto de "corpos", que somos nós, indivíduos -, o que permite que, mesmo abrindo mão momentaneamente de um esforço "egoísta", o indivíduo possa ser beneficiado, visto ter agregado "energia" ao esforço do conjunto social. Isto, em última instância, se reflete num ganho individual "global".
Tanto assim que Spinoza indica, ao contrário de Hobbes - com seu "O homem é o lobo do homem" -, que o homem é o maior amigo do homem, pois é só através do outro, companheiro de sociedade, que se torna possível a obtenção da felicidade.
Esse Spinoza não é fácil!

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Racionalismos (2)

Há alguns posts, pensava sobre o "rótulo" de "racionalista" para Spinoza - rótulo de que não gosto muito, como meus amigos sabem. Aliás, os "rótulos", de maneira geral, são reducionistas demais.
Então, pensando sobre os racionalismos...
Nosso amigo André Comte-Sponville nos diz que há dois sentidos para o termo. O primeiro, mais lato, diz respeito ao entendimento que o real é racional, e que o irracional não existe - aqui, lembramos obviamente de Hegel, com sua afirmação de que "O real é racional...". Neste sentido, o "racionalismo" se opõe ao "irracionalismo", ao obscurantismo e à superstição.
Nesse aspecto, não há como negar que Spinoza é um racionalista. Afinal, um de seus principais embates era contra a superstição.
Mas o que impõe a Spinoza o rótulo de "racionalista", pelo menos historicamente, tem mais a ver com a doutrina oposta ao Empirismo. Nesse sentido, o termo se refere a "uma doutrina para qual a razão é independente da experiência (porque seria inata ou a priori)", ainda segundo Spoville.
Sob este ponto de vista, acho que o rótulo já não lhe cai muito bem, visto que Spinoza não faz propaganda de nenhum inatismo.
Há, entretanto, mais algumas perspectivas sobre o "Racionalismo".
Roland Corbisier - que me parece um pouco menos "considerado" do que deveria - fala sobre três tipos de racionalismos: um racionalismo psicológico (ou intelectualismo); um racionalismo epistemológico/gnoseológico e um racionalismo ontológico/metafísico.
O primeiro tipo, postulando a divisão da alma humana em Vontade, Sensibilidade e Razão, propõe uma posição hierárquica superior da Razão, em relação às outras faculdades. Especificamente quanto a este tipo de Racionalismo, não acho que ele corresponda ao pensamento spinozano. A Vontade - que, para nosso filósofo, não era livre -, se considerada "impulsionada" pelo desejo, não fica em posição "menor" do que a razão, para Spinoza. E mais, tanto o filósofo não vê superioridade da razão, que não soluciona o dilema da felicidade como possível suspensão do desejo através da ação da razão.
O segundo tipo propõe que apenas a razão é a ferramenta adequada para conhecer a realidade. Quanto a este tipo, parece que Spinoza também não mereceria o tal rótulo. Afinal, o próprio filósofo coloca a Razão - como mecanismo de identificação de um "regramento geral" da realidade - apenas como modo secundário de conhecimento. A superior, como sabemos, era a "intuição".
O terceiro tipo propõe que a razão é a essência da realidade, tanto natural quanto histórica. Sob este ponto de vista, a estrutura do pensamento é determinado pela estrutura da realidade. E, à razão humana, é admitida a apreensão da realidade e a possibilidade de sua reprodução no pensamento.
Sob esse ponto de vista, parece-me que o rótulo se encaixa, pelo menos parcialmente, em Spinoza. Haja vista que ele entendia a razão humana como um modo, ou seja, uma moficação particular, de algo mais geral. Ou seja, a razão repetindo a estrutura do atributo Pensamento da Substância. Entretanto, se formos seguir essa linha, não é só a razão que é modo de um atributo da Substância. Teríamos, então, que dar-lhe também, talvez, o rótulo de empirista. Por mais estranho que pareça, caso fixemos nosso olhar apenas nesse aspecto, talvez coubesse-lhe até o rótulo de mero "materialista".
Com isso, insisto, a aplicação do "rótulo" - mais um - de racionalista a Spinoza tem que ser feita com muito cuidado e reflexão, e não de uma forma apressada e absoluta.

domingo, 27 de setembro de 2009

Que aula sobre Schopenhauer

Essa é só para registrar. Que aula sobre o alemão Schopenhauer assisti essa semana. O professor foi José Thomaz Brum, que leciona na PUC-Rio. Ele é mestre pela mesma instituição (com tese sobre Nietzsche) e doutor pela Universidade de Nice, França (com tese sobre Schopenhauer).  
Os títulos devem ser comuns a alguns poucos professores no Brasil, mas o "estilo" de José Thomaz Brum é único. O homem transborda "cultura", cita casos interessantes, que, de início, não parecem diretamente ligados à aula... mas, de repente, o "link" aparece... como mágica!
Adorei a aula... que foi a reapresentação de uma aula magna dada numa universidade de São Paulo.
Depois eu falo especificamente sobre ela... e sobre os momentos curiosos da mesma... e eu já estou em dívida com os amigos, já que nem escrevi sobre a aula de Marcos André Gleizer, falando sobre Spinoza.

Leszek Kolakowski (2)

Conforme a Márcia (Menina Virgem) sugeriu, procurei o texto de Ghiraldelli sobre Kolakowski.
O texto é interessante mesmo. Ghiraldelli conta que "doou" os seus volumes de "Main currents of marxism", de autoria de Kolakowski. O fato dessa ser a obra mais famosa do polonês poderia sugerir que o brasileiro rejeita o ideário de Kolakowski. Entretanto, Ghiraldelli mostra que "há outro Kolakowski, menos conhecido do público. Com este, nunca deixamos de aprender. Trata-se antes do Kolakowski filósofo do que do historiador ou especialista em marxismo".
Ghiraldelli conta que, em determinada reunião, vários filósofos comentavam um texto de Richard Rorty. Habermas brilhou, tanto no conteúdo quanto na forma. Gellner fez observações interessantíssimas. Kolakowski, por sua vez, também teria feito, segundo Ghiraldelli, um bom texto, mas sua melhor contribuição foi "um pequeno escrito, de observação direta à preleção rortyiana. Dispensando erudição excessiva ou rodeios, brindou [o texto de Rorty] com aguçadas questões, dando oportunidade de Rorty deixar claro, na época, alguns tópicos polêmicos do seu pragmatismo".
Parece-me que é "esse" Kolakowski que aparece nos pequenos livros que adquiri.
Obviamente, comecei a ler os livrinhos pelos filósofos de que mais gosto... e dos quais, não por coincidência, conheço um pouco mais - Spinoza, Kant, Schopenhauer. Num primeiro momento, achei que o texto era ótimo, mas que talvez não alcançasse o objetivo de esclarecer a quem não tinha "intimidade" com um determinado filósofo. Engano meu!
Passei para Kierkegaard e Bergson - filósofos mais "afastados" de mim - e percebi que Kolakowski "mira" um ponto central do pensador em questão; "estica a corda" do seu "arco teórico" e lança sua "flecha" de explicações, que acerta a "mosca"!
É espantoso que, em tão poucas páginas, o autor consiga captar a essência de um determinado pensador, e ainda ultrapasse o esperado, comentando teses menos "centrais" dos filósofos e, por fim, ainda proponha perguntas que nos fazem refletir sobre o que lemos e o que não lemos.
Continuo a leitura, bastante empolgado!
Por fim, avancei um pouco em conhecimentos sobre o polonês, utilizando as ferramentas "néticas". Vocês não vão acreditar... a tese de doutorado de Kolakowski foi sobre, ninguém menos que, Spinoza!!!
Ou seja, Kolakowski tinha algo em comum comigo... não o diploma de doutorado, mas o interesse por Spinoza.
Acho que esse senhor vai merecer mais algumas pesquisas, hein!

sábado, 26 de setembro de 2009

O conatus e as Vontades

É normal compararmos o "conatus" spinozano e a "Vontade de Potência/Poder" nietzscheana. Além disso, também conhecemos os paralelos que se traçam entre as "Vontades" de Schopenhauer e Nietzsche. Logo... poderíamos tentar uma aproximação, mediada por Nietzsche, entre o "conatus" e a "Vontade".
Logo de início, temos que destacar que, apesar do sistema monista dos dois filósofos - o monismo "substancial" spinozano e o monismo da "Vontade" schopenhaueriano -, o "princípio único" spinozano não possui "conatus", enquanto o "princípio único" schopenhaueriano É justamente "esforço".
Digo isso, porque só há esforço, em Spinoza, quando um ente se opõe a outro. Como, no caso da Substância, não há oposição possível, já que ela corresponde a toda realidade, não há esforço gerado. Já em relação a Schopenhauer, a "Vontade" é o próprio esforço, energia produtiva... algo como o Uno plotínico, penso.
Há, entretanto, mais aproximações do que diferenças. A principal, parece-me, é que os dois princípios são produtores sem finalidade, sem intencionalidade.
A "Vontade de Potência" é mais parecida com o "conatus", enquanto expressão individual de um princípio metafísico. Mas ela existe ontologicamente, como a "Vontade" de Schopenhauer? Parece-me que não... até porque Nietzsche valoriza exclusivamente o individual, em detrimento desse "Todo".
Dá para pensar mais sobre o assunto...

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Outro amigo

Oba... Eis que temos mais um amigo.
Seja bem vindo, professor Francisco. A palavra está sempre franqueada, neste nosso espaço. Como já escrevi outras vezes, se você achar que algum assunto merece ser discutido fora dos limites dos "comentários", é só dizer, que eu ponho no corpo principal do blog.
Ser professor deve ser maravilhoso, pela possibilidade de apresentar um mundo "novo" - que é este mesmo "velho", visto sob um olhar diferenciado - às pessoas que ainda não têm todos os "vícios", e que, mesmo com as suas espertezas pontuais - e como os adolescentes são espertos! -, ainda têm pouca maturidade. Apesar de imaginar - afinal, não sou professor de nada - que ao lado do prazer, venha também algum sofrimento, em função do descaso que se dá, não só no Brasil, mas aqui principalmente, àqueles que preparam nossas crianças para serem, um dia, o futuro do país. 
Entretanto, mais do que ser professor, ser professor de Filosofia deve dar uma profunda satisfação - voltando a falar sob o aspecto  "apaixonado'... e contando com um certo grau de abnegação. Afinal, como você indica em seu perfil, o professor materializa a possibilidade de um "Projeto de Vida mais humano"... e não basta nascer humano, temos que nos fazer humanos.

Novamente, seja bem vindo e fique à vontade!


Filosofia na seção policial

Na semana anterior, foi publicada no jornal O Globo uma matéria que levou a nossa querida Filosofia para a seção policial.
O famoso professor carioca de Filosofia André Martins foi agredido, dentro da sala de aula da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pelo ex-deputado Pedro Pedrossian Filho, que, com ciúmes da sua jovem esposa, ex-aluna do professor, invadiu a instituição e usou de violência contra o supracitado mestre.
A sorte de André é que os seus alunos paralisaram a ação do agressor. Ainda assim, o mesmo conseguiu momentaneamente fugir. Sendo perseguido pelos alunos, ele acabou sendo pego e entregue à Polícia.
O professor é tão bem quisto, pelo seu modo "gente boa" de ser - aliás, eu o conheço pessoalmente -, que mais de cem alunos se apresentaram na delegacia para testemunhar a agressão.
O filósofo André Martins entrou, então, para as estatísticas infelizes da Filosofia, elevando o número de filósofos que sofreram violência física... se bem que não pela antipatia com suas ideias, mas sim pela simpatia com uma mulher!

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Mais uma amiga

Apesar da absurda desproporção entre pensadores do sexo masculino e feminino na História da Filosofia, nosso blog conta com um número menos desequilibrado de gênero, entre nossos amigos. Mais ainda agora, quando tivemos a entrada de mais uma.
Como sempre escrevo para os amigos que aqui chegam: seja bem vinda e se sinta completamente à vontade para comentar o que quiser, mesmo que sejam comentários "off topic", como diz meu quase irmão Mundy. Inclusive, se quiser lançar algum tema para debate, poderá fazê-lo através de um comentário, que eu coloco no corpo principal do blog.
Grande abraço!

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Ótima modificação no blog

Ufa... Consegui alterar aquele horrível "Seguidores" que acompanhava as fotos dos que vêm ao blog. E modifiquei o título para algo que se harmoniza completamente com o nome do blog... agora temos os "Amigos do blog". Se Spinoza teve seus amigos, passados, contemporâneos e pósteros - e o nome do blog registra isso -, nós nos temos como "Amigos de Spinoza e amigos"!

Repensando um post

Talvez não seja justa e completamente exata a aproximação que fiz entre o Inconsciente - segundo a visão freudiana - e a "consciência infeliz" - de Kierkegaard. Afinal, o Inconsciente não é necessariamente um "lugar" de conteúdos de valor negativo. A bem da verdade, nem "lugar" ele é exatamente.
O fato é que, quando eu carreguei o conceito freudiano de Inconsciente com as cores kierkegaardianas da infelicidade e da angústia, eu desprezei o fato de que o Inconsciente tem conteúdos recalcados da consciência por serem ruins - em termos valorativos - para esta última... mas não necessariamente ruins "em si". Aliás, quando as coisas correm bem na nossa vida psíquica, Inconsciente e Consciente convivem harmonicamente, inclusive, com este último se valendo do anterior para manter a saúde do nosso eu, transferindo conteúdos "problemáticos", segundo sua perspectiva, através do fenômeno do "recalque", para o Inconsciente.
Então, embora estruturalmente devamos reconhecer que Inconsciente e Consciente estão no homem, para Freud, e que também há instâncias estruturais na subjetividade para Kierkegaard, há que se perceber que não cabe um juízo de valores quanto aos elementos estruturais de Freud, enquanto esse juízo é possível nos elementos kierkegaardianos - infelicidade e angústia... ainda que estes possam servir de apoio a um "salto" qualitativo, segundo o pensamento religioso do dinamarquês.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Leszek Kolakowski

"Leszek Kołakowski (nascido em 23 de outubro de 1927 em Radom, Polônia — morreu em 17 de julho 2009 em Oxford, Inglaterra) foi um eminente filósofo e historiador polonês. Ele foi mais conhecido por suas análises críticas do marxismo, particularmente por sua famosa obra histórica em três volumes, As principais correntes do marxismo".
Foi apenas isso que eu encontrei na Wikipedia sobre o filósofo Kolakowski, a respeito do qual eu tenho visto algumas matérias ultimamente. Entretanto, o mais interessante foi que, em mais uma de minhas andanças pelas livrarias, achei a coleção "Sobre o que nos perguntam os grandes filósofos", da Editora Civilização Brasileira. São três pequenos volumes, cuja intenção está registrada na orelha: "O objetivo da obra não é apresentar um resumo da história da Filosofia, tampouco ser um manual, uma enciclopédia ou um dicionário - desses já existem muitos. Com uma prosa elegante e acessível, o filósofo Leszek Kolakowski se propõe a explorar a essência dessas ideias e a permantente relevância enquanto apresenta grandes personagens do pensamento ocidental: Sócrates e Santo Agostinho, Descartes e Nietzsche, Kant, Hegel, Schopenhauer, Kierkegaard, Heidegger. Ao fazer refletir sobre os principais questionamentos que movem nossas vidas, estes livros oferecem uma viagem pela Filosofia do Ocidente, guiada por um dos maiores especialistas no assunto".
Lancei-me logo ao pensamento de Spinoza. O texto, de pouco mais de nove páginas é muitíssimo bem escrito. É verdade que, para quem conhece o pensador, o texto parece um conjunto de lembretes que remetem automaticamente a conteúdos maiores. Não sei se lendo tão poucas páginas de um filósofo "desconhecido" do leitor seria possível ter uma noção perfeita do mesmo. Mas o fato é que primeira impressão foi ótima.
Em breve colocarei alguns posts sobre os livrinhos.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Cleonice Berardinelli

Eu estava lendo o jornal "O Globo", por esses dias, e me deparei com a informação de que a professora Cleonice Berardinelli é forte candidata a ocupar cadeira na Associação Brasileira de Letras.
Para quem não lembra, já citei a professora no blog duas vezes.
Na primeira, quando conheci sua "fama", registrei que Berardinelli é uma das maiores autoridades mundiais na poesia de Fernando Pessoa. Passei a saber disso quando assisti ao documentário que vinha em DVD anexado ao livro "O poeta fingidor", em que os estudiosos portugueses do "Baú de Pessoa" reconhecem essa alta expertise da nossa professora Cleonice.
Na segunda, li texto da própria professora Cleonice, no "inesperado" livro - até então - "Fernando Pessoa-Martin Heidegger, o Poetar Pensante", em coautoria com Leda Hühne e Olinto Pegoraro.
Aliás, sobre esse livro, eu fiquei de escrever mais... e não o fiz. Quem sabe não seja um bom momento?
Como eu não voto, na ABL, ficam apenas meus "votos" de boa sorte, professora Cleonice!

sábado, 19 de setembro de 2009

Racionalismos

Esta semana que passou, tive aula sobre Spinoza, na Casa do Saber. O professor é um velho "conhecido", pois, no começo do ano, ele ministrou uma aula sobre Descartes, a qual assisti. Além disso, um dos livros que chamo de "figurinha carimbada" - aqueles com o autógrafo do autor - foi ele quem "carimbou". Lembro que até citei aqui no blog: "Verdade e certeza em Spinoza". Trata-se do professor Marcos André Gleizer, de quem eu já lera "Espinosa & a afetividade humana", inclusive citado no post de ontem.
A aula foi interessante, porque refez o caminho da "Ética", começando com a parte metafísica do tratado; fazendo a passagem para o âmbito humano e, finalmente, tratando do que seria a ética spinozana, propriamente dita, com seus dilemas sobre o comportamento humano e a possibilidade de se alcançar a felicidade.
Em breve, postarei algo mais específico sobre a aula. Por ora, só queria registrar uma coisa, a conceitualização de "racionalismo".
Num dos momentos da aula, o professor Gleizer disse "Spinoza era um racionalista absoluto!". Surpresa, de minha parte. Afinal, como já registrei em post anterior, o professor Danilo Marcondes havia afirmado, conforme meu entendimento, que não era correto tomar Spinoza como um racionalista puro - opinião que destaquei ser a mesma que a do autor Alcantara Nogueira. Enquanto eu já pensava numa pergunta para esclarecer o "rótulo" dado ao nosso querido filósofo, o professor explicou "Isto, porque ele não admitia nenhum mistério, nenhuma área 'nebulosa' na realidade. Tudo poderia ser esclarecido pela razão".
Peraí... um momento... mas essa ideia de "racionalismo" não se opõe a de "empirismo", que classicamente é tomada como os pólos opostos da modernidade. Voltamos simplesmente à oposição entre "racionalismo" e "irracionalismo"... ou, em um caso extremo, à oposição entre "racionalismo" e "misticismo". Num caso, acredita-se que a "luz natural" pode iluminar todos os recantos da natureza, esclarecendo o ser humano sobre o funcionamento da ordem natural; enquanto, em outro, admitem-se "mistérios" - quer seja por que são de uma ordem além da natural, quer seja por que estão além da capacidade de entendimento, necessariamente finito, do ser humano.
Quantos "racionalismos" existirão, afinal?

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Spinoza, Kierkegaard e Pascal

Kierkegaard e Pascal achavam que o homem é intrinsecamente infeliz, fraco e está constantemente em conflito interno, sendo sua saída o "estágio religioso", que ele alcança por uma decisão, a qual é reflexo de um ato de liberdade.
Enquanto isso, Spinoza, ao meditar sobre o homem, no seu "Tratado da Reforma do Entendimento", indica que a busca da beatitude - que corresponde a uma felicidade eterna... incompatível com a infelicidade estruturante dos "teofilósofos" anteriores - "não significa a adoção de uma vida ascética, dedicada à mortificação dos desejos, à erradicação das paixões, à denúncia de sua origem em algum vício da natureza humana e à adoração temerosa de um Deus transcendente, que nos recompensará no além por nossos sacrifícios" (conforme "Espinosa & a afetividade humana", de Marcos André Gleizer). Nada mais distante do que as concepções dos pensadores anteriores.
E quem pensa que Spinoza simplesmente faz digladiarem paixão e razão, na busca dessa felicidade, está completamente enganado. Conforme diz Gleizer, no mesmo livro: "O desejo, a alegria, a tristeza, o amor, o ódio e TODA A GAMA DE AFETOS que colorem nossa existência TÊM CAUSAS determinadas e efeitos necessários tão DIGNOS DE CONHECIMENTO quanto qualquer outra coisa natural. Este CONHECIMENTO, no entanto, NÃO É APENAS uma ATIVIDADE INTELECTUAL... EXISTENCIALMENTE NEUTRA.... Segundo o projeto de liberação proposto na 'Ética', só o conhecimento verdadeiro das causas dos mecanismos afetivos aos quais estamos submetidos permite... reduzir os efeitos obssessivos [das paixões]... Só a POTÊNCIA DO CONHECIMENTO RACIONAL - enraizada no mesmo princípio desejante que se manifesta na vida passional, e, por isso, DOTADA DE UMA DIMENSÃO AFETIVA - permite transformar gradualmente a vida do indivíduo e conduzi-lo a gozar dos AFETOS ATIVOS que constituem o núcleo afetivo da experiência da beatitude: o contentamento interior e o amor intelectual a Deus". (OS GRIFOS SÃO MEUS)
Perceba-se, portanto, que há uma "racionalidade afetiva" conduzindo o processo de "esclarecimento" das paixões, que acabam por tornar-se "afetos ativos". Nada de mero "voluntarismo", nem de mero "racionalismo", portanto... mas muito longe, também, de um "irracionalismo" - ao qual alguns opositores do Racionalismo opõem saídas "estranhas", fundamentadas em "paradoxos" e "mistérios".
Não acho, então, que Pascal ou Kierkegaard conseguissem derrubar o pensamento spinozano, a não ser opondo-lhe a acusação de pensador sistematizante. Mas esse sistema, de pontas bem amarradas, se não é totalmente "flexível", também não é terminantemente "dogmático".

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Sören Kierkegaard e Freud

No capítulo "A existência individual", do livro de Benedito Nunes que venho citando nos últimos posts, o autor descreve a vida subjetiva segundo a visão do dinamarquês Kierkegaard.
Embora eu não goste de quem filosofa a partir de um ponto de vista que impede uma reflexão totalmente livre, como é o caso dos filósofos envolvidos pela teologia - especificamente de Kierkegaard e Pascal, que aparecem citados no texto -, não pude deixar de admirar o que me parece ser uma antecipação kierkegaardiana do Inconsciente freudiano.
Entretanto, da mesma maneira que sempre observo em relação a outro filósofo da Existência, Heidegger, acho que os efeitos desse Inconsciente psicológico foram isolados e tomados como "entidades" ontológicas. Parece-me, concordando mais com Freud, portanto, que o que é estruturante no ser humano é o próprio Inconsciente, e não seus efeitos sobre a consciência.
De qualquer forma, vamos ao texto. Dividi-lo-ei em duas partes. Na primeira, um certo "desconforto". Na segunda, uma certa "concordância".
O começo "incomoda" muito... e acho que, naturalmente, tendemos a discordar dele.
"As características essenciais da vida subjetiva, segundo Kierkegaard, cabem numa expressão: consciência infeliz. O homem é desejo, inquietude e sofrimento. Tudo isso faz parte da condição humana, fraca e mortal, que Pascal descreveu em seus Pensamentos. Do ponto de vista pascalino, a infelicidade não é um estado passageiro. Trata-se de um desequilíbrio que é intrínseco e constitutivo da natureza humana". Causa um arrepio a um spinozano ler que a "infelicidade é [um estado] intrínseco e constitutivo da natureza humana".
Mas fica difícil de não concordar com a parte seguinte, ainda mais quando se pensa o desejo e o Inconsciente conforme Freud.
"Dividido, em conflito consigo mesmo, movido pela inquietação que o devora, entregue à ação, disperso nos objetos exteriores, ele [o ser humano] vive mais do desejo do que da satisfação; e esse movimento, que deveria satisfazê-lo, e completá-lo, e que só faz intensificar a inquietude e o desejo, é o conteúdo do desespero, categoria da existência humana, para Kierkegaard".
Além disso, como se vê na parte seguinte, a impossibilidade de "extinção" dessa instância - quer pela razão, como pretenderam racionalistas, quer pela vontade, como pretenderam voluntaristas - é muito bem intuída pelo dinamarquês, o que ficaria ainda mais claro depois das teorizações freudianas sobre o assunto.
"O desespero humano (1849) exemplifica bem que a consciência infeliz não pode ser ultrapassada, isto é, ela não pode, por si mesma, sintetizar - dialeticamente falando - as suas contradições, porque o homem, 'síntese do infinito e do finito, do temporal e do eterno, de liberdade e de necessidade, é, em suma, uma síntese'".
O que me parece curioso, entretanto, é o reconhecimento, por parte de Kierkegaard, de uma instância que não pode ser "ultrapassada", e que é "estruturante", ao lado de uma "decisão" - conforme coloquei em post anterior - que permite a passagem entre os diversos estágios da existência.
Depois pretendo discutir esse conteúdo psicológico, que se pretende ontológico para os filósofos da Existência, no que diz respeito ao "desespero" e à "angústia".

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Sören Kierkegaard

Todos nós sabemos o quanto o Existencialismo deve a Kierkegaard. Entretanto, há uma passagem no livro "A Filosofia Contemporânea", de Benedito Nunes, falando do dinamarquês, que quase nos remete a uma explicação direta sobre Sartre.
Vejamos o trecho, que fala da passagem da "etapa estética" para a "etapa ética", segundo a teoria kierkegaardiana:
"O estágio ético resulta da escolha do indivíduo, afirmando-se como universal humano. Seus atos já não apresentam a oscilação indiferente do estético. São ATOS que encontram NA EXISTÊNCIA INDIVIDUAL seu objeto de interesse máximo, INFUNDINDO-LHE UM SENTIDO GERAL. O QUE É GERAL na ética não absorve a individualidade, nem se lhe impõe do exterior: ORIGINA-SE DE UMA DECISÃO; decisão PELA QUAL O HOMEM ASSUME LIVREMENTE, COMO SEU PRÓPRIO DESTINO, O DESTINO COMUM DA HUMANIDADE... A individualidade subsiste no estágio ético. É dela que provém a decisão sobre o que é valioso. DECIDINDO PARA AGIR E AGINDO PARA SER, SÓ ENTÃO O INDIVÍDUO CONQUISTA A PLENA REALIDADE que lha faltava no estágio estético".
Os grifos são meus, e pretendem destacar as passagens com maior aproximação entre o dinamarquês e o francês.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Escola de Marburgo

Não, não. Não falarei de Heidegger.
O título, desta vez, não se refere apenas à Universidade de Marburgo, onde Heidegger lecionou, mas da Escola fundada por Hermann Cohen e Paul Natorp, com seu núcleo na universidade de mesmo nome, e que teve como expoente Ernst Cassirer.
A Escola de Marburgo foi um dos "produtos" derivados da filosofia kantiana, ou seja, uma das filosofias neokantianas - como a Escola de Baden, dos filósofos Wildelband e Rickert. Mais interessante, segundo minha opinião, do que a Escola de Baden, que enfatizava a parte do pensamento kantiano referente à "Crítica da Razão Prática", é a Escola de Marburgo, que tenta expurgar da filosofia kantiana o que é alvo do maior número de adversários da "Crítica da Razão Pura": a "estranha" relação entre o númeno e o fenômeno. Afinal, como escreve o professor Benedito Nunes, no seu "A Filosofia Contemporânea": "Kant, que insistira tanto, em muitas passagens de sua Crítica, no fato de que os conceitos puros ou categorias deveriam aplicar-se, como princípios delimitativos da experiência, aos objetos empíricos, acabou admitindo, na retaguarda dos fenômenos, a existência da coisa-em-si, exterior ao pensamento, aparição obsedante do ser absoluto buscado pela Metafísica".
O que fará, então, a Escola de Marburgo? Ela tentará "eliminar o fantasma da coisa-em-si", nas palavras de Benedito Nunes.
Entretanto, enquanto Cohen remete a filosofia transcendental de Kant à análise do conhecimento científico, Cassirer reivindica, também, preocupações da Escola de Baden, relativamente às ciências humanas. Uma das novidades deste, aliás, é incluir, ao lado da ciência natural, a linguagem, o mito e a arte, no domínio da experiência do homem.
São informações muito preliminares, ainda, mas tenho lido sobre o assunto. Quem sabe, isso possa render alguns posts mais completos ,em breve?
Só para aguçar a curiosidade dos amigos, Foucault - um filósofo muito em voga, hoje em dia -, que escreveu uma introdução à antropoligia kantiana, declarou uma vez: "Nós somos todos neokantianos".

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Mais um amigo

Fiquei muito surpreso e alegre, hoje, ao abrir o blog. Lá estava, no cantinho dos amigos que passam os olhos por aqui, uma nova presença... o amigo "Existenz". Novo colaborador apenas no blog, visto que ele é um dos que já me faziam ir aprofundando certas reflexões, no passado, fora do ambiente blogueiro. Esse amigo é o "culpado", aliás, por eu gostar tanto de Kant, já que me fez ir lendo mais e mais sobre o prussiano, para me "defender" das ótimas argumentações do amigo.
Considere-se bem vindo. Colabore à exaustão... pois eu sei que conteúdo você tem para isso. E, por favor, vá "arredondando" meus possíveis enganos sobre Heidegger e a fenomenologia.
Se quiser dar-nos uma "canja" sobre Merleau-Ponty, fique totalmente à vontade.
Antes de fechar, agradecendo a participação no blog, não poderia deixar de fazer uma provocação: por que "Existenz" e não "Dasein"? Rsss

Mais uma "figurinha carimbada"

É com imensa satisfação que registro a presença, em minha biblioteca, de mais um livro autografado. O livro, em si, não é novidade, mas a dedicatória posta nele é.
O livro "Iniciação à História da Filosofia", do professor Danilo Marcondes, que já está na 12ª edição, acompanha minha caminhada filosófica há algum tempo. Apesar de básico, ele aborda com bastante qualidade os diversos períodos da Filosofia. Salvo pequenos enganos, é um livro que vale como introdução... ou "iniciação" - como diz o próprio título - a qualquer curioso, como eu.
E foi neste exemplar, lido, relido, rabiscado e rerrabiscado, que o professor Danilo - figura muito simpática, diga-se de passagem - registrou sua dedicatória. Para meu deleite, ainda tive oportunidade de trocar umas "palavrinhas" com o dileto professor.
O momento era o intervalo da aula sobre Descartes, ocorrida na Casa do Saber. Após o primeiro "bando" de alunos ávidos por respostas, apresentei-me, junto com meu "surrado" exemplar. Depois do registro da dedicatória, na primeira página, junto com uns rabiscos meus, lancei minha pergunta sobre uma afirmação feita pelo professor, durante a primeira parte de sua apresentação, de que "Como todo bom racionalista, Descartes é inatista!". Ponderei que não percebia esse apelo tão forte ao inatismo na filosofia spinozana. E lá veio a observação que eu não esperava ouvir - apesar de sempre pensar dessa forma: "Spinoza não pode ser considerado exatamente um racionalista!". Alonguei a conversa citando o livro do professor Alcantara Nogueira, que fala sobre o método racionalista-histórico de Spinoza, onde está dito claramente que o filósofo luso-holandês não é um racionalista puro. O professor Danilo disse conhecer e concordar com a abordagem de A. Nogueira.
Só isso já valeu o questionamento. Mas eu fui um pouco além, perguntando se Descartes não percebera que, ao lançar-se na reflexão do sujeito - que, obviamente, é feita pelo próprio sujeito - não haveria uma objetualização do sujeito, retirando-o da condição de sujeito em si, ou sujeito mesmo, o que faria com que já não fosse uma análise reflexiva - do sujeito pelo sujeito -, mas outra análise da exterioridade - de um objeto (ainda que sujeito-objetivado) pelo sujeito. O professor concordou com a impossibilidade da análise sujeito-sujeito, mas afirmou a crença de Descartes nessa possibilidade. Desta feita, o filósofo francês cria fortemente que, apesar de ser o sujeito que intenciona o próprio sujeito, haveria a possibilidade desta manutenção do sujeito intencionado continuar sendo sujeito, pois o homem seria o único gênero capaz de ser sujeito , mesmo enquanto é objeto de análise.
Adorei!

domingo, 13 de setembro de 2009

Pensar vs. Desejar

Ainda no último número da revista "Filosofia - Conhecimento Prático" - e eu nem ganhei nada para fazer merchandising da publicação! Rsss - apareceu um texto inspirador, cujo título era "O homem pensante vs. o homem desejante", de autoria de José Valmir Dantas de Andrade.
O texto, como não poderia deixar de ocorrer num tema dessa natureza, acaba por falar muito de Freud, o pai da Psicanálise. Mas obviamente o faz através de um paralelo com o campo filosófico.
O texto se inicia com diversas demonstrações emotivas diante de fatos do nosso quotidiano. Diz, então: "Esta força 'dominadora e incontrolável' que impulsiona ações, sensações, comportamentos e sintomas e que toma de assalto a humanidade, cotidianamente, possui um determinismo para além de qualquer racionalização possível. Foi investigando essa força que Sigmund Freud chocou o mundo ao declarar que o homem não era senhor da sua própria consciência". Mas o autor da matéria adverte: "Se formos pesquisar as origens do conceito de inconsciente, veremos que ele é muito anterior à psicanálise. Filósofos, há muito, já o haviam descrito. Mas foi Freud que forjou 'O Inconsciente' - com I maiúsculo - e deu a ele lugar específico e privilegiado no psiquismo humano".
Já comentei em outra oportunidade que uma diferença marcante entre a maior parte das filosofias e a psicanálise freudiana é que, enquanto as primeiras admitem a possibilidade de uma vitória sobre as paixões-inconsciente, através da ação da razão-consciente; a Psicanálise não vislumbra essa possibilidade.
O texto diz que "Schopenhauer já havia defendido a supremacia do instinto sobre a razão humana. O filósofo desenvolveu o conceito com base em reflexões teóricas; Freud, a partir da observação empírica de seus pacientes".
Eu até acho que Spinoza já apresentava uma certa independência das paixões (de certa forma, uma instância inconsciente) em relação à razão (mais aproximada ao consciente); mas é inegável que ainda há, na sua filosofia, uma possibilidade de "transformação" desse estado "passivo" em uma forma de "atividade" - no qual o papel da razão é importante.
É verdade, entretanto, que essa "transformação" não se reduz a um mero controle das paixões pela razão, como no pensamento, menos elaborado, de outros filósofos.
Mas, voltando à matéria.
"Nenhum homem, por mais genial que seja, desenvolve seu pensamento à margem do saber coletivo... Com Freud, certamente não foi diferente. Antes dele, filósofos, pensadores, escritores e poetas intuíram ideias para conceitos que o pai da Psicanálise interpretou com genialidade visionária e abordou sob perpectivas inéditas".
Apesar dessa afirmação, consta no texto a negativa, sempre repetida por Freud, a influência da Filosofia, principalmente a de Schopenhauer: "Em seu estudo autobiográfico, Freud procura esclarecer que o pensamento filosófico não teria tido influência direta na formulação da teoria psicanalítica. 'O alto grau em que a Psicanálise coincide com a filosofia de Schopenhauer não deve ser remetido à minha familiaridade com seus ensinamentos. Li Schopenhauer muito tarde em minha vida'". Até para confirmar esse conhecimento tardio do filósofo alemão, é explicado no texto que "Em suas últimas obras, Freud fez diversas referências à ênfase que Schopenhauer dava à sexualidade, apesar de não nominá-lo diretamente".
Mas, realmente, não dá para deixar de fazer uma comparação automática entre a "Vontade Cega" de Schopenhauer e o "Inconsciente" de Freud. Além disso, o fato de a "Vontade" procurar a perpetuação, valendo-se dos indivíduos, através, por exemplo, da procriação - ou seja, do sexo -, remete-nos claramente à "pulsão de vida" freudiana.
Além disso, sabemos que Freud fora companheiro de Husserl nas aulas de Filosofia de Franz Brentano. E se essas aulas possibilitaram a Husserl criar uma filosofia totalmente nova, por que não fariam o mesmo com Freud (que, particularmente, também considero um teórico da Filosofia)?
Uma coisa interessante, aliás, no que se refere a sexo, que vi - segundo lembro, em Sponville - é que dificilmente se deseja simplesmente um "corpo"... normalmente, o que se deseja é o "desejo dos outros". Por exemplo, não se quer apenas o corpo de "qualquer mulher", mas, em especial, o corpo daquela mulher que é objeto de desejo de outros "desejantes"... a mulher que sai na Playboy, ou a mulher "exuberante " da boite, etc. Desta forma, Freud estaria mais perto da "verdade" do sexo, que deseja uma "representação", do que Schopenhauer, para quem bastaria que a "Vontade" se lançasse à reprodução... e, com isso, à sua própria perpetuação.
Uma observação interessante feita pelo autor, que lembra um pouco as críticas de Marx à Filosofia, é a de que: "O sofrimente humano, o inconsciente, a sexualidade, as pulsões, todos já haviam sido tema de preocupação e de investigação filosófica. Mas Freud cruzou a fronteira do 'pensar o sofrimento' para 'tratar o sofrimento' . Os filósofos se limitaram a formular conceitos".
A matéria se encerra assim:
"A Psicanálise tirou do homem o centro de sua consciência e colocou-o como coadjuvante de uma cena em que o irracional (desejo) prepondera... Freud falou da existência de um 'estranho' que habita em todos nós. A partir desse momento, o inconsciente deixa de ser somente uma pequena porção indecifrável da consciência, deixa de ser uma descrição filosófica e assume o comando de uma realidade psíquica em que o homem não é mais o dono de si mesmo".
Por último, eu gostaria de ponderar sobre essa exclusão total da instância inconsciente. A mim parece que ela faz parte de um "conjunto", a psiquê ou o psiquismo, que trabalha "relacionalmente". Se é verdade, por exemplo, que não se deseja apenas "qualquer coisa", mas sim o "objeto de desejo de outros desejantes", há uma parte consciente nesse desejo, que é o que se volta intencionalmente, após um juízo de valores, para o tal "objeto do desejo dos outros".
O que vários filósofos e Freud disseram é que o inconsciente "motiva" o consciente, mas será que essa relação não é ainda mais complexa, havendo uma "mão dupla" nessa motivação? Eu acho que sim!

sábado, 12 de setembro de 2009

Cadernos de Saramago

Depois de ter postado algo sobre os cadernos de Gramsci, faço o mesmo em relação aos de Saramago.
Numa de minhas recentes andanças pelas livrarias, esbarrei com o livro "O Caderno", de Saramago. Até então, não o conhecia. Dei uma folheada e vi que se trata de uma reunião dos textos postados no blog do autor português, entre setembro de 2008 e março de 2009. Segundo a sinopse da Livraria Saraiva, "é mais do que uma coletânea de crônicas jornalísticas. É um relato de vida, um diário intelectual e sentimental do único prêmio Nobel de literatura em língua portuguesa".
Segue, como aperitivo, o post "Ateus", desse fantástico escritor - que no blog é completamente "ortodoxo", em relação à pontuação.

"Enfrentemos os factos. Há anos (muitos já), o famoso teólogo suíço Hans Küng escreveu esta verdade: “As religiões nunca serviram para aproximar os seres humanos uns dos outros”. Jamais se disse nada tão verdadeiro. Aqui não se nega (seria absurdo pensá-lo) o direito a adoptar cada um a religião que mais lhe apeteça, desde as mais conhecidas às menos frequentadas, a seguir os seus preceitos ou dogmas (quando os haja), nem sequer se questiona o recurso à fé enquanto justificação suprema e, por definição (como por demais sabemos), cerrada ao raciocínio mais elementar. É mesmo possível que a fé remova montanhas, não há informação de que tal tenha acontecido alguma vez, mas isso nada prova, dado que Deus nunca se dispôs a experimentar os seus poderes nesse tipo de operação geológica. O que, sim, sabemos é que as religiões, não só não aproximam os seres humanos, como vivem, elas, em estado de permanente inimizade mútua, apesar de todas as arengas pseudo-ecuménicas que as conveniências de uns e outros considerem proveitosas por ocasionais e passageiras razões de ordem táctica. As coisas são assim desde que o mundo é mundo e não se vê nenhum caminho por onde possam vir a mudar. Salvo a óbvia ideia de que o planeta seria muito mais pacífico se todos fôssemos ateus. Claro que, sendo a natureza humana isto que é, não nos faltariam outros motivos para todos os desacordos possíveis e imagináveis, mas ficaríamos livres dessa ideia infantil e ridícula de crer que o nosso deus é o melhor de quantos deuses andam por aí e de que o paraíso que nos espera é um hotel de cinco estrelas. E mais, creio que reinventaríamos a filosofia."

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Maquiavel e Nietzsche

Há questões que poderiam ser melhor elaboradas por especialistas. Quando me surge uma dessas, procuro recorrer a um. Desta vez, imaginei um paralelo entre uma parte específica dos pensamentos de Maquiavel (por coerência com o modo como registro Spinoza, deveria ser Machiavelli, mas neste caso vou me render ao uso comum) e Nietzsche. Apelei a meu amigo, especialista no alemão, Guilherme. Infelizmente, ele está envolvido com outros projetos. De qualquer forma, registro no blog, para, no futuro, poder voltar ao assunto.
A ideia é a possibilidade de concepção da "virtu", do italiano, como sendo uma efetiva materialização da "Vontade de Potência", do alemão. E da "amoralidade" no âmbito da política, de Maquiavel, podendo ser estendida, sem o cunho de "negatividade" dado pelo pensar cristão, à vida social como um todo, como pretendia a "transvaloração dos valores", de Nietzsche.
Principalmente nesse segundo aspecto, haveria que se tomar cuidado com a proposta de aproximação. A "amoralidade" a que me refiro seria um abandono das "tábuas de valores" previamente estabelecidas pela moral judaico-cristã, e não uma "imoralidade", no sentido de um poder fazer o "mal", segundo o entendimento de que "os fins justificam os meios". Estaríamos, nietzscheanamente, "além do bem e do mal".
Se alguém quiser, opine. Do contrário, o tempo amadurecerá a ideia.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Sorte dos spinozanos

Dia 08, conforme informação do nosso companheiro Guilherme, houve o lançamento do livro "Aprendizado Ético-Afetivo: Uma leitura Spinozana da Educação", de autoria de Juliana Merçon.
Com esse, nós, os sortudos spinozanos, podemos contabilizar cinco lançamentos referentes ao pensamento do filósofo luso-holandês este ano.
Uau!!! Spinoza está mais vivo que nunca! Passemos à nossa contabilidade, já listado este último.
Tivemos, primeiro, o "Cinefilô", do Olivier Pourriol, embora este seja dividido em duas partes, uma referente a Descartes e outra, a Spinoza. Depois, tivemos "Corpo, um modo de ser divino", de Márcia Patrizio dos Santos. Logo em seguida: "Introdução à filosofia de Spinoza", de Amauri Ferreira. E, nesses últimos dias, "Deus ou seja a natureza: Spinoza e os novos paradigmas da física", de Roberto Leon Ponczek.
Eita, ano spinozano!

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Gramsci

Outra matéria bem interessante da revista "Filosofia - Conhecimento Prático" deste mês, número 19, diz respeito ao pensador italiano Antonio Gramsci (1891-1937), de autoria de Daniel Rodrigues Aurélio.
O texto mostra a feliz história do jovem Gramsci indo estudar na Universidade de Turim; filiando-se ao Partido Socialista Italiano (PSI); aliando-se à dissidência do partido PSI, que viria a fundar o Partido Comunista Italiano (PCI), até a sua eleição como deputado pelo Veneto. Nesse meio tempo, o encontro, durante uma reunião da Internacional Comunista, no país de Lênin, com sua futura esposa e mãe de seus dois filhos, a violinista Giulia Schucht.
A partir de então, a fase mais triste. Após a sua eleição, em 1924, a presença do partido comunista no poder legislativo começou a afrontar o governo fascista de Benito Mussolini. Em 1926, Gamsci é preso e o PCI enviado à clandestinidade. Recebendo uma pena inicial de cinco anos, esta é estendida para vinte anos. Infelizmente, após diversos anos de reclusão, a saúde do pensador foi se debilitando acentuadamente. Em função disso, as autoridades lhe concederam a liberdade. Entretanto, não lhe restava muito tempo mais de vida.
Ao longo dos anos de prisão, Gramsci escreveu seus famosos "Cadernos do Cárcere" - que, originalmente, eram em número de 33 manuscritos, que foram publicados em seis volumes temáticos.
O texto explica que "Sua teoria... emergiu da necessidade de se buscar respostas, dentro da perspectiva marxista-leninista, para uma série de eventos da época". Esclarece, também, que "A obra de Gramsci se insere em duas tradições do pensamento político: a dos teóricos políticos de raízes italianas, cujo patriarca é Nicolau Maquiavel e a do nominado 'marxismo ocidental' - contraponto, nas palavras de Marcuse, ao 'marxismo soviético'".
Sobre este último aspecto, Daniel Aurélio, escreve: "Embora mais próximo de Lênin do que dos frankfurtianos, o pensamento gramsciano teve um efeito libertador para os intérpretes 'heterodoxos' de Marx". Aliás, este parece ser o grande trunfo de Gramsci: permitir-se libertar de uma doutrina dogmática, conforme a dos marxistas ortodoxos. Um exemplo dessa "heterodoxia" é dada pelo autor da matéria, que diz: "Na leitura proposta por Gramsci, a sociedade é um organismo complexo e relacional, que não pode ser totalmente explicado em termos de um determinismo econômico mecanicista, como propugnado pelo marxismo ortodoxo".
Entretanto, como sempre, Gramsci não é unanimidade. O autor expõe o fato que "Antonio Gramsci foi e é criticado à direita e à esquerda".
Por fim, o autor leva-nos a ponderar sobre a inserção do pensamento do italiano na atualidade. O último parágrafo diz: "A queda do muro de Berlim e a derrocada da URSS foram decretados os atestados de óbito do socialismo/comunismo pelos adeptos da democracia liberal. Mas será que a obra de Gramsci ficou soterrada nos escombros do 'socialismo real'? Para muitos, não. Seu pensamento continua a compor uma teorização marxista que, na tensão de divergências e aproximações, sobrevive nas ideias de Slavoj Zizek, István Mészáros e outros tantos marxistas contemporâneos".
Quem sabe uma boa sugestão de leitura para quem não concorda plenamente com o que se vê no capitalismo, mas também não crê no modelo marxista de socialismo.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

O que é o tempo?

A dificuldade da pergunta acima já fora sentida há muito tempo... com Agostinho. Sempre revisitada, e nunca respondida, a pergunta foi analisada na revista "Filosofia - Conhecimento Prático" deste mês.
O professor Guerreiro Parmezam, autor da matéria, reconhece que a pergunta o deixa em pânico, tamanha a simplicidade em vivenciar o tempo e a dificuldade em compreendê-lo.
O texto mostra a "evolução" do entendimento do tempo ao longo da História. O autor principia dizendo: "Nas sociedades primitivas, mais comumente ligadas à pré-história, o tempo não correspondia a essa relação de instantes sobrepostos, de começo, meio e fim". A ideia, então, era mais próxima a de "ciclos temporais", do que a de uma "linha com início e fim". Depois, o texto explica a mudança: "Além das cidades, da escrita e do Estado, certamente outro marco fundador do advento da civilização seria a noção de um tempo linear".
Uma outra explicação do autor foi a de que "o tempo, desde as primeiras civilizações da história até o período medieval, era o habitat natural dos deuses". Com o Cristianismo, e a substituição dos vários deuses por um único, o tempo ficou referido apenas a este. Ao lado dessa atemporalidade divina, tem-se o "tempo do mundo", que começa na Gênese e termina no Apocalipse.
O texto avança mostrando que com "o Racionalismo do século XVII... o tempo começou a se livrar dos grilhões de um ente superior, mas ainda assim não deixou de ser escatológico, pois o próprio Newton previu o fim do mundo". Aliás, no caso específico de Newton, nem os tais "grilhões de um ente superior" estavam totalmente rompidos; afinal, Newton também acreditava em uma interferência divina, de tempos em tempos, para corrigir algumas distorções que iam ocorrendo paulatinamente.
As modificações continuam. "Foi somente no século XVIII, durante o Iluminismo, que a ideia de Apocalipse pareceu dar seus primeiros sinais de erosão". Afinal, devemos lembrar que o Iluminismo parte para uma visão de uma "espiral", em que o tempo futuro sempre trará mais "evolução"... e não um "termo final".
Achei, entretanto, que o ponto alto do texto foram os dois últimos parágrafos. Lá está uma certa consideração "social" sobre o tempo.
No penúltimo, está escrito: "Ao considerarmos deselegante questionarmos alguém sobre sua idade, teríamos hoje uma relação conflitante com o tempo? Não há dúvidas que tentamos repeli-lo, principalmente no desenrolar da vida adulta, por meio de academias, maquiagens, arsenais sintéticos e intervenções cirúrgicas. Tornamos nossas crianças miniadultos precoces por meio de agendas massacrantes e erotizações doentias e nossos adultos travestidos, ridiculamente, de adolescentes mimados e narcisistas. Tentamos, em vão, pela via estética, usurparmos o tempo do tempo".
E, no último, é lançado um desafio interessante: "Que tal, por alguns dias (só dá para ser nas férias), de preferência longe de algum grande centro urbano, guardamos os relógios nas gavetas e novamente revivermos a perspectiva de deixarmos o ciclo da vida ditar nosso ritmo? A fome ditar nosso apetite? O sono ditar nossa noite? A libido ditar o contato do amor? Pois é, talvez sermos atemporais seja a melhor forma de curtirmos o tempo e, como nossos antepassados faziam há séculos e séculos, vivermos em paz com ele".
Chega a ser difícil ao menos pensar na possibilidade de "abandonar" um controle tão rígido do tempo, sendo simplesmente levados pela natureza. Mas, que é uma ideia interessante, isso é.

Algumas citações, apenas

De Publio Terêncio, poeta romano: "Nada do que é humano me é estranho".
Dentre os sete pensamentos de Pitágoras:"Educai as crianças e não será preciso punir os homens"; "Aquele que fala semeia; aquele que escuta colhe"; "Não é livre quem não consegue ter domínio sobre si" e "Ajuda teus semelhantes a levantar a carga, mas não a carregues".

domingo, 6 de setembro de 2009

A árvore cartesiana vista por Heidegger

No livro "Marcas do Caminho", há um texto de Heidegger, que é "Introdução a 'O que é a metafísica?'", onde ele começa registrando um trecho dos "Princípios da Filosofia", de Descartes, e lança um estimulante conjunto de perguntas.
O trecho citado é "Assim, toda a Filosofia é como uma árvore, cujas raízes são a Metafísica, o tronco é a Física e os galhos que saem deste tronco são todas as outras ciências". E Heidegger pergunta: "Em que solo as raízes da árvore da Filosofia encontram o seu apoio? De que solo recebem as raízes e, através delas, toda a árvore as suas seivas e forças nutrientes? Qual o elemento que percorre e vigora, oculto no solo e no chão, as raízes que dão apoio e alimento à árvore? Em que repousa e se movimenta a essência da Metafísica?"... isso, para chegar à pergunta que conduzirá seu famoso texto, do qual esse seria uma introdução escrita após vinte anos, que é "O que, em última análise, é a Metafísica?".
Não se pode negar que o Heidegger era sagaz. A comparação da árvore com a Filosofia, embora questionável, é muito bem bolada. Mas o alemão consegue problematizar de maneira tão interessante a "árvore" cartesiana, que os problemas do "solo" e da "seiva" passam a ter mais importância do que a própria "árvore".
Heidegger responde suas perguntas iniciais da seguinte forma : "A verdade do ser pode chamar-se o solo no qual a Metafísica, mantida como a raiz da árvore da Filosofia, se apoia e do qual retira seu alimento". Eu me arriscaria em dizer que o "solo" e a "seiva" seriam a realidade. Como há comentadores que dizem que "realidade" e "Ser" seriam a mesma coisa, eu não estaria tão longe assim da resposta de Heidegger.
Quem quiser que arrisque outra!

sábado, 5 de setembro de 2009

Voltanto à poesia

Minha querida amiga Maria fez o seguinte comentário em um dos posts: "Não sei até que ponto é que a poesia é uma 'linguagem vaga'. A não ser que, para o senhor, subjetivo e vaga tenham a mesma conotação. É possível falar de Pessoa como se fala de Spinoza. A poesia de Pessoa é reflexo do seu pensar, das suas vivências, das suas circunstâncias, certamente que sim, embora ele extravase até isso... até onde sei, há muitos poetas/escritores a usar heterônimos, mas até agora não há comparação possível com Pessoa. Pessoa leva-nos ao nosso interior, mexendo com ele; é como se ele estivesse vivo e conseguisse penetrar em nós. Depois tem heterônimos (obviamente falo dos principais) que se adaptam a todas as pessoas /personalidades. Ele , por vezes, é objetivo, e muitas mais outras vezes a subjetividade sai por todos os poros da sua poesia... mas aí a arte fala mais alto e aí rendo-me... como em todas as artes, depende da forma como o sujeito se posiciona perante o objeto. Será a linguagem dele vaga? Ela não é para os teóricos , ela não é quando fala de mitos, quando fala de grandes portugueses ,ela não o é para os amantes dele, ela não é para mim. A linguagem de Pessoa não é vaga, o que sinto quando o leio é que se pode tornar vago".
Como os comentários ficam mais "escondidos", resolvi trazer esse para o "corpo principal" do blog, a fim de possibilitar alguma discussão sobre o assunto.
Penso que podemos dizer a mesma coisa apelando a diversos tipos de linguagem. Entretanto, parece-me que algumas "áreas" da realidade se adequam melhor a determinados tipos que a outros. O filósofo Rudolf Carnap, famoso participante do Círculo de Viena, por exemplo, disse "o que carece de sentido cognitivo é mais bem expresso na linguagem da poesia, assumindo-se a mensagem como meramente emocional".
Outra citação interessante que eu gostaria de fazer seria uma do livro "O cinema pensa", de Julio Cabrera, que é a seguinte: "... é conveniente observar que a razão filosófica tradicional não é tão 'fria' como pretende ser, não está totalmente despojada de emoção, nem entregue ao puramente objetivo".
Juntando essas duas afirmações - que apresentam uma certa oposição -, eu diria que determinadas "áreas da realidade" têm um sentido mais cognitivo - embora não "puramente cognitivo" - que outras. Para essas áreas, o tipo de discurso tradicionalmente usado pela filosofia pode ser mais adequado. Para outras áreas, entretanto, "menos cognitivas", onde o aspecto "emocional" se destaca sobre o "racional", a poesia cria melhores "conceitos-imagem" - utilizando a ideia de Julio Cabrera - que o tipo discursivo de linguagem.
Quando se fala da nossa "vida" - sob o ponto de vista do Existencialismo -, acho que a Filosofia, por exemplo, acaba parecendo Psicologia. Talvez, aí, Pessoa consiga uma abordagem melhor que os filósofos existencialistas... ou psicólogos.
De qualquer forma, acho que a linguagem "simbólica" - que a poesia usa bastante - leva alguma vantagem sobre a linguagem filosófica - pelo menos a clássica - quando aborda a "totalidade"; perdendo, entretanto, quando se começa a "esmiuçar"/analisar essa totalidade. A força do símbolo vai se esvanecendo quando se olha com uma "lupa". Aliás, eu já falei disso quando comentei sobre o par "simbólico" vs. "diabólico".
Apesar de meio confuso, espero que o post suscite novas apreciações do assunto.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

"Amor em liberdade"

O título do post é o mesmo do décimo capítulo do livro "Os filósofos e o amor", e trata do relacionamento entre Sartre e Simone de Beauvoir.
O texto começa assim: "Eles teriam encontrado a saída para as mentiras nojentas, os divórcios atrozes, o cotidiano de chinelos degradando lentamente a luz rosada dos beijos do começo. Duas mentes brilhantes teriam conjurado o malefício imemorial que envenenava o amor. A armadilha do ciúme finalmente desmontada. Um laço amoroso intenso e, apesar disso, não exclusivo.
Sabemos que a realidade foi um pouco menos gloriosa, depois que correspondências privadas e revelações escabrosas sucederam-se. Seria amor, aliás, essa associação? ".
Na minha cabeça, ainda existia uma certa idealização desse "amor" como possibilidade de escapar ao ciúme... embora não seja esse o tipo de amor que eu gostaria de fruir. Mas, ao longo da leitura, essa "ilusão" foi se desfazendo.
A própria Beauvoir, respondendo a uma admiradora que lhe perguntava sobre a natureza da relação do casal, disse: "Um casal de palavras e de trocas de ideias"... o que, segundo as autoras do livro, "não carecia de uma imensa ternura".
O livro explica algo sobre o "pacto" entre os dois: "Desde o início reinou entre os dois o famoso pacto de liberdade sexual e sentimental... nas palavras de Beauvoir: 'Entre nós, ele [Sartre] me explicava, trata-se de um amor necessário; convém conhecermos amores contingentes'". As autoras comentam: "Obviamente, o achado é de Sartre", talvez fazendo uma ponte com uma informação anterior de que o filósofo teria, em tempos idos, sofrido uma desilusão amorosa com uma tal Simone Jollivet, após o que teria registrado que não desejava mais viver a emoção do ciúme. A saída, então, seria, na cabeça de Sartre, uma relação como a que propunha à outra Simone... a de Beauvoir, que a aceitou.
Parece, entretanto, que essa emoção chamada ciúme não deixou Beauvoir totalmente em paz. E, disso, ela dá mostras no seu romance "A convidada", dedicado à jovem russa Olga, por quem Sartre se fascinara. No final do tal livro, a personagem Françoise - que seria a própria Simone de Beauvoir - mata sua rival de relacionamento - aquela que seria Olga. Perguntam as autoras "Então, por que a transparência a todo custo, uma vez que se verifica tão dolorosa?". Aliás, em passagem anterior, as autoras citam algo bastante interessante, sobre um sentimento de Sartre em relação à mesma Olga. Em carta escrita à Simone, Sartre diz que, estando envolvido com Olga, tomado por uma espécie de "medo", "contracristalizou-se". Algo como, "fechou-se para as emoções". E, numa ótima observação, as autoras escrevem "Matar a vida para melhor sobreviver".
Agora, vem uma pergunta: Se o amor liberta e a rotina aprisiona, justifica-se abrir mão do casamento - segundo os padrões "usuais"? Eu, pessoalmente, penso que não.
O que será que faz minha mãe, por exemplo, que sempre foi uma mulher bastante independente, tanto social quanto intelectualmente, permanecer chorando a ausência do cônjuge com quem conviveu quase quarenta anos, já há mais de nove? Será que é por todo o aprisionamento da rotina? Certamente que não! O amor, mesmo quando "esmaecido" pela "mesmice", penso, vale a pena! E, quem sabe, é justamente aí que ele prova sua "força"? A ausência do outro agudiza a dor, que é tanto maior quanto maior é o amor.
Entretanto, a pergunta mais importante é: se as autoras têm razão, na interpretação que fizeram do sentimento de Sartre e de sua "contracristalização", é realmente melhor "matar a vida para melhor sobreviver"? Será que no caso de uma doença - e parece que, em certa medida, era assim que Sartre via o "amor" -, vale a pena tirar a vida do doente para liquidar a doença? Eu daria meu palpite, novamente, que não.
Outro comentário interessante do livro é o registro da opinião sobre o casamento, no diário particular da jovem Beauvoir, então com dezenove anos, que "O horror da escolha definitiva é que comprometemos não apenas o eu de hoje, mas o de amanhã". As autoras registram que "No entanto, é possível pensar que é em nome de uma escolha igualmente definitiva... - o pacto com Sartre -, que ela se recusou obstinadamente a viver com aquele que foi a grande paixão carnal de sua vida" - o escritor americano Nelson Algren.
Surge outra pergunta: Essa opinião de Beauvoir não "cheira" a medo, também? A tal ideia de "liberdade" plena não estaria meio "capenga"? Uma decisão... ou um "projeto" - segundo os termos sartreanos - assumido, não poderia nunca ser substituído por outro? Que tipo de liberdade é essa? Para alguém tão "libertária", um divórcio seria motivo para tanta preocupação; afinal, ela fala em "escolha definitiva"?
To be continued... Rsss

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Professor soltando pipa

Ontem, assisti a mais uma aula na Casa do Saber. O assunto, novamente, Platão. Desta vez, ministrava o curso a professora Irley Fernandes Franco, diretora do Departamento de Filosofia da PUC-RJ.
Uma breve biografia do pensador, para reaquecer as "turbinas mentais", e o início da apresentação da professora, indicando ser Platão o criador da Filosofia como a entendemos hoje, visto ser o primeiro a deixar "sua" doutrina por escrito... sem um aspecto apenas fragmentário.
O combinado seria - como usual - que as perguntas ocorressem ao final da aula, num tempo exclusivamente reservado para isso. Entretanto, uma aluna interrompeu a apresentação, em dado momento, lançando sua pergunta. A solícita professora Irley respondeu. Pouco depois, outra pergunta. E assim se foi a aula preestabelecida embora.
Até onde pude perceber, essa era a primeira vez que a professora participava de cursos na Casa do Saber. Imagino que devam ter contado a ela que, apesar de não estar lidando com filósofos "profissionais", o nível da turma era bom... ou seja, são "amadores" bem aplicados no seu hobby.
Porém, para infelicidade dela, e minha também, havia uma das alunas que estava aprendendo Filosofia por "O mundo de Sofia". O livro é ótimo. Mas não é o nível que se espera para alguém que esteja frequentando esse tipo de curso. Pelo menos, é o que acho. E, para piorar, a tal moça nem havia lido todo o capítulo referente a Platão.
Nossa zelosa professora, então, decidiu partir do zero... e a aula ficou chata. A explicação da distinção entre o Mundo do Sensível e o Mundo das Formas foi se alongaaaaaando. Depois, veio o Mito da Caverna... até se chegar ao assunto "Amor Platônico". Esse tal amor, que tem diversas interpretações, segundo cada um que o aborda, valeu uma looooonga explicação.
De bom, aprender que "tirano", no grego, não tem o mesmo significado de "déspota", como hoje. Afinal, uma das minhas maiores decepções era saber que Platão tentava ajudar o tirano Díon em Siracusa. Agora, não mais... já que aprendi que "tirano" é simplesmente um monarca que não tem poderes sacerdotais, conjunção comum na Antiguidade.
Além disso, aprender que uma das classificações mais difíceis para os estudiosos de Platão é a da "alma", no que tange à sua colocação na "Linha Dividida" - estaria ela no "topos noetos" ou no "topos horatos"? Explicou-nos a professora Irley, que levou até uma assistente, que a "alma" seria um "intermediário", estando ao lado, e não dentro, da "Linha Dividida".
Por tudo isso, fiquei com a nítida imagem de que um professor é alguém que vai para uma aula como um garoto vai soltar pipa. O garoto tem lá sua pipa, que pode ser de alta qualidade - como o professor tem seus conhecimentos, também de qualidade -; o garoto "puxa" e "dá" linha, tentando conduzir sua pipa para o alto - como o professor coloca os temas que organizou previamente em questão, tentando estimular o "espanto" dos alunos -; mas se o vento não soprar, a pipa vai balançar e não vai subir - como, se os alunos não estiverem atentos e propuserem perguntas de alto nível, que façam uma "sinergia" com os conhecimentos do professor, a aula ficará somente "morna", um mero "passar de informações" medíocre.
Alunos-vento, informem-se antes das aulas!

"Os limites da razão..."

Nosso amigo Cleiton, aqui do blog, participou do I Congresso Nietzsche & Spinoza, que ocorreu no Rio, em 2006. Eu nem sabia disso, mas ele apresentou um texto seu. Como havia vários colóquios ao mesmo tempo, e era necessário escolher de quais palestras se iria participar, não tive oportunidade de assiti-lo. E, apesar de haver indicação de horários para cada uma delas, nem sempre era possível - por atrasos naturais - sair de uma apresentação para assistir a outra.
Para nossa satisfação, seu trabalho foi publicado na "Revista Conatus", havendo, no seu blog, direcionamento para o artigo, cujo título é "Os limites da razão: sobre o inacabamento do Tractatus Intellectus Emendatione".
Li o trabalho com bastante interesse, pois conheço a capacidade de nosso companheiro, através do seu blog. O texto é bem feito, contemplando vários comentadores de renome - não só brasileiros, como Lívio Teixeira e Marilena Chauí, mas também do internacional Ferdinand Alquié. Traçam-se paralelos entre o TIE e a Ética, principalmente no que diz respeito aos "modos de percepção", no primeiro, e "gêneros de conhecimento", no segundo. Ótima foi a percepção, aliás, da não correspondência plena do terceiro modo de percepção do TIE com o segundo gênero de conhecimento da Ética - o que muitos simplesmente deixam passar. Afinal, enquanto o terceiro modo do TIE é verdadeiro, mas não adequado; o segundo gênero da Ética já é adequado, embora não ainda o mais perfeito.
Só posso dar-lhe os parabéns, quanto a isso.
Entretanto, há algumas passagens que percebi como problemáticas. E gostaria de citá-las aqui, até para possibilitar um debate, caso o próprio autor venha a desejar isso.
Vamos lá, então.
Discordei de uma coisa fundamental, a tese de que "por ser um discurso da razão, o TIE não pode alcançar o sumo bem" - que seria "conhecer pela causa" - e, por isso mesmo, o inacabamento seria da própria natureza do tratado. A pensar desta forma, a própria Ética teria que ser inacabada, visto que ela também utiliza a Razão (enquanto segundo gênero) para falar do "conhecimento da união da mente com o Todo", do "amor intelectual a Deus", conhecimento que, na verdade, seria do terceiro gênero. Ou seja, em nenhum momento - e através de nenhuma obra - seria possível fazer com que alcançássemos a "ciência intuitiva", visto que só temos como meio o texto discursivo.
Outro ponto onde penso haver problema no texto é quanto à afirmação de que "o TIE não é uma obra filosófica", baseando essa opinião no fato de que "em várias notas... no TIE, podemos ler que determinados problemas serão resolvidos... em sua filosofia". E a chave para minha divergência é posta no próprio trabalho do Cleiton, na nota 17, quando está dito "A expressão utilizada por ele é 'mea Philosophia'". Seguindo comentador - que já não lembro qual... afinal, foram tantos livros lidos -, penso que "Philosophia" - com maiúscula, ao contrário da tradução que o Cleiton utiliza - era o título provisório da Ética.
Então, penso que o TIE é, sim, uma "obra filosófica", mas que está longe de ser a "obra filosófica definitiva"... como, aliás, também não seria o "Breve Tratado", a se julgar por alguns comentadores, que afirmam que essa obra já existia, então.
De qualquer forma, o TIE acaba por "esgotar-se" em seu próprio projeto, quando Spinoza já preconiza, como bem mostra o Cleiton, o aprofundamento de sua filosofia em outro livro. Eu diria que, conforme o "modismo" da criação de métodos, vigente à época, partindo, inclusive, do "eu" - como também destaca Cleiton, Spinoza sendo similar a Descartes -, poderíamos pensar apenas numa obra propedêutica ao sistema spinozano, que viria a seguir.
Convém reforçar, entretanto, que o texto é muito bom e que as minhas opiniões são apenas pontos de vista, que podem até ser aproximados, através de determinados esclarecimentos do autor.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Meio-honesto

Na revista "Filosofia - Ciência & Vida" deste mês há, na coluna "Cinema & Filosofia", de Flávio Paranhos, uma discussão sobre vícios e virtudes.
O último parágrafo do texto apresenta uma curiosa tese: a possibilidade de exsitência do "meio-honesto" (que, a essas alturas da Nova Ortografia, já não deve ter hífen... que mantenho, entretanto, para não perder a "precisão" da ideia).
Está escrito: "Já honestidade, ao contrário do que assume o senso comum, tem, sim, meio termo. Existe meio-honesto? Existe, claro. Existe um terço de honesto, um doze avos e assim por diante. Pode-se ser honesto para, por exemplo, não roubar nunca, mas, ao mesmo tempo, falsificar 'inocentemente' uma carteira de estudante ou sonegar impostos (e continuar a ter um alto conceito de si mesmo, pois 'os preços do ingresso dos cinemas e o mau uso do dinheiro público' justificam a 'pequena' transgressão)".
Flávio Paranhos indica, em nota de rodapé, que já registrou essa posição em seu blog, e fui lá conferir. Compartilho, a seguir, o texto com os amigos, para que reflitam e opinem.
EXISTE MEIO-HONESTO?
“Honestidade, meu amigo, é uma variável binária. Ou se é, ou não se é honesto.” Esta piadinha pode ser ouvida entre uma mordida no pão de queijo e um gole de café, durante o intervalo de uma palestra interessantíssima sobre as conquistas das neurociências. Os nobres cientistas darão gargalhadas imaginando, claro, que eles são a variável honesta e o chefe de seu laboratório, a quem detestam, a não-honesta. Sairão dali, ainda rindo, em direção aos estandes de laboratórios e aparelhos, onde comprarão um microscópio novo por um preço mais barato… sem recibo.
Sim, existe 1/2 honesto. Também 1/3 de honesto, 3/4, 5/8, 1/12 e assim por diante. As possibilidades são infinitas. E mais: hoje posso ser exemplarmente 4/5 honesto, o que não me impede de amanhã, num arroubo egoísta, tornar-me 1/12, para em seguida, arrependido ou não, voltar pro meu exemplar 4/5 (ou 5/6, ou 7/8…).
Honesto, assim como normal, depende da referência. Para saber o que é ou não normal eu preciso de parâmetros. Estes, por sua vez, são dinâmicos. Por exemplo, o que é uma taxa de colesterol normal (desejável)? Menor do que 240. Até um espírito de porco estabelecer outro padrão, menor do que 200 (como se 240 já não fosse difícil o bastante).
No caso da honestidade, os padrões são estabelecidos por diferentes referências. As leis, a moral, a religião, são muitos os candidatos. O candidato escolhido por quem bate no próprio peito e arrota grosso “não existe 1/2 honesto!” é o mais indulgente deles: a própria consciência. O que permite a esse zeloso cidadão acabar de dizer esta frase e furar o próximo sinal, parar em fila dupla pra buscar o filho no colégio, prestar um serviço pelo qual cobrará mais barato sem recibo, dar uma carteirada (se for “otoridade”) e ouvir um sonzinho pra relaxar... um CD pirata. Confronte esse sujeito (um sujeito normal, batalhador, por que não?) com suas pequenas e médias ilicitudes e ouvirá dele toda sorte de racionalização de sua culpa, com a franqueza de quem está convicto da própria honestidade.
Já no terreno das grandes ilicitudes, infelizmente, a era delubiana por que passamos tem-nos brindado com vários tristes exemplos da relatividade da honestidade. E não estou me referindo ao cinismo da novíssima gramática petista pela qual, por exemplo, “caixa 2” vira “recurso não contabilizado”. Refiro-me às inúmeras possibilidades de se sair do mar de lama efetivamente sem manchas. A lei (grotesca) que permite a quem renuncia antes de ser cassado se candidatar na próxima eleição, por exemplo. Ou a que diz que se o dinheiro sujo foi usado pra pagar a gráfica que imprimiu milhares de cartazes com o sorriso hipócrita do canalha, então está tudo bem. Como se fizesse diferença o cafajeste meter a grana no próprio bolso ou no bolso do dono da gráfica, em seu proveito. Ou escapar da punição porque era deputado-ministro, e não deputado-deputado.
“Estou cada vez mais convencido de minha inocência.” Anos de trabalho árduo num laboratório de psicologia comportamental não produziriam um tal tesouro, chave para a compreensão da mente humana, em exercício explícito da racionalização da culpa. Esta pérola expelida pelo deputado José Dirceu recentemente ajuda a compreender outra de sua autoria: “Este governo não rouba nem deixa roubar”. Ora, a referência do “este governo” é a ele próprio. Por seus próprios padrões ele de fato não rouba nem deixa roubar. E está absolutamente convencido disso (ou pelo menos, como Dirceu, “cada vez mais convencido”). Pode até ser que não roube. Mas não é ele quem deve decidir isso.
O perigo de se admitir o óbvio (que a honestidade permite relativizações) é também óbvio. Se todos são, em maior ou menor grau, (des)honestos, então ninguém deve ser punido, cerrrto (sotaque gersoniano)? Errado. Da constatação de que existe, sim, o 1/2 honesto não se segue que não deva haver punição justa. Senão não existirá 1/2 honesto. Não existirá honesto algum.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Filosofia para crianças

Descobri um ótimo livro para aqueles que têm, como eu, filhos pequenos. O livro se chama "O que é a pergunta?", e pertence à coleção "Tá sabendo?". Ele é publicado pela Editora Cortez, e tem como autores o filósofo Mário Sérgio Cortella e a educadora Silmara Rascalha Casadei.
O livro, autoexplicando-se, informa o seguinte: "O encontro entre um menino e um filósofo, em uma escola, será o ponto de partida para uma viagem rumo ao Reino das Indagações, um lugar em que conheceremos muitas personalidades e muitas perguntas feitas ao longo da história da humanidade e da Filosofia. No percurso, as perguntas do menino surpreenderão o filósofo, que, aos poucos, as responde e também lhe ensina a elaborar suas próprias respostas. Afinal, todos somos filósofos".
O livro é muito "atraente" para as crianças. Há pequenas caricaturas dos filósofos, com um minirresumo de seu pensamento, ao longo do livro. Diógenes de Sínope, no texto, por exemplo, é indicado como aquele que procurava pelo "Homem", com sua lamparina, e que sustentava que deveríamos ter uma vida o mais simples possível. O filósofo que encontra o menino, na estória, explica a este que Diógenes levava tão a sério sua ideia que até vivia dentro de um barril... como o Chaves (aquele personagem da TV mexicana). Ou seja, faz-se uma ponte com o mundo da criança.
No segundo capítulo ("Vamos fazer uma viagem rumo ao mundo da Filosofia?"), há uma apresentação cronológica dos filósofos e de suas ideias, sempre com as pequenas caricaturas e breves descrições abaixo, além de frases ligadas ao pensamento de cada filósofo.
Obviamente, fui procurar nosso querido Spinoza. Ao achá-lo mostrei à minha filha, dizendo: "Olha quem está aqui!". E ela "Baruch Spinoza, pai!". Caracas... "Spinoza", tudo bem... mas "Baruch"!!! Essa menina mata o pai-babão de orgulho. Rsss.
E ainda acrescentou "Ele era bem simpático, né, pai!". Parei para pensar sobre a gênese desse comentário... e percebi que, dentre as figuras dos três grandes "racionalistas", Spinoza era a única caricaturinha que sorria. Descartes estava com uma cara de poucos amigos e Leibniz "nem lá, nem cá", o que se chama de "cara de paisagem", hoje em dia. Até nisso o desenhista acertou... captou a alma spinozana. Rsss
No penúltimo capítulo, há algumas respostas dadas à pergunta - dificílima, aliás - "O que é um ser humano?". Dentre estas respostas, não sei se por acaso ou se por uma franca vontade de fazer a criança refletir sobre o tema, aparece muito a ideia de "morte". Nosso querido pensador-poeta Fernando Pessoa contribui com "O homem é um cadáver adiado"; enquanto o sábio Spinoza traz a visão de que "Aquilo em que o homem livre menos pensa é na morte, e a sua sensatez leva-o a meditar, não na morte, mas na vida"... e por aí vai.
Ótimo texto! Recomendo entusiasticamente! Façamos as crianças entrarem no mundo da Filosofia... e assim, quem sabe, produziremos homens e mulheres melhores!