Eu sempre digo que os amigos constroem esse espaço junto comigo. Mas isso não é só um papo para "inglês ouvir", não. Os comentários vão dando corpo a possíveis discussões que precisam surgir a partir de um post meu.
Como meu compadre Fernando me ensinou - e eu não aprendi muito bem -, as respostas aos comentários têm que ser registradas rapidamente, para que o "calor" da discussão continue. Tento, tento, mas não consigo fazê-lo.
Mas há uma outra situação: quando o comentário é bem posterior à discussão. Nesse caso, sinto que é interessante "reaquecer" a discussão colocando-a num post... e não num comentário ao comentário que fica lá no passado.
Isso aconteceu recentemente, e nos ajuda a "movimentar" o blog. Falo de um comentário de MRoxy a um post sobre o sentido negativo de "esperança" para Spinoza.
MRoxy comentou o seguinte:
"Diferentemente do que diz Espinosa, que a esperança é uma paixão que se vincula à inércia, um esperar sem agir, considero-a um dos modos de operação do elã vital. Por isso mesmo sua existência independe da vontade do homem, antes, é um recurso da natureza que perpassa o homem, com vistas a cuidar da manutenção da vida humana e fazer aproximar através da força do desejo as realizações desejadas. A esperança não foi inventada pelo homem, ele apenas a utiliza para alcançar seus fins. Logo, não é possível viver sem esperança, pois por mais que se tente rechaçá-la através de racionalizações, sempre se espera algo, sempre se espera chegar a algum lugar, sempre se espera realizar uma conquista. A esperança está a serviço do desejo de avançar, de ir além, o que por si só já é bastante positivo, mesmo que seu resultado seja apenas terapêutico".
Eu diria que parece haver uma certa confusão entre o que entendemos - MRoxy e eu, acompanhando Spinoza - por esperança. No post original, eu até concedia uma alteração desse sentido, a partir de uma contribuição do Mário Sérgio Cortella, aproximando "esperança" ao verbo "esperançar" e não simplesmente a "esperar". Mas sigamos...
A partir do comentário, podemos perceber que não é necessário ter esperança para "cuidar da manutenção da vida humana e fazer aproximar através da força do desejo as realizações desejadas". Para isso, basta o próprio desejo e a vontade - essa faculdade tão complicada de avaliar -, pensando-se nela como tendo uma certa liberdade - o que não é bem o caso de Spinoza.
Mas, continuemos...
A diferença entre o sujeito ativo e o sujeito passivo começa a partir desse desejo. O sujeito ativo utiliza o desejo como impulso inicial para a atuação da sua potência (não no sentido aristotélico, mas no spinozano, como "força de produção de efeitos"); já o sujeito passivo, por não ter potência para agir, limita-se a continuar desejando... com a esperança de que aquilo seja alcançado.
O próprio senso comum percebe essa diferença, quando diz algo como "Tenho esperança de que...", pois o único ato envolvido nessa frase, ou seja, a única atividade é permanecer desejando que a coisa aconteça... sem fazer efetivamente com que aconteça.
A confusão parece estabelecida quando MRoxy indica que a esperança faz aproximarmo-nos através da força do desejo das realizações desejadas. É o contrário. O desejo tenta impelir a vontade a agir para alcançar essas realizações desejadas, e a inércia em partir só permite que se produza um "movimento alternativo" imaginado, que é o de esperar que aconteça, ou seja, de ter esperança.
Como MRoxy bem diz "A esperança não foi inventada pelo homem", no sentido de que não é algo racionalizado e planejado para um tal efeito. Ela é uma espécie de "mecanismo natural", talvez de "regulação" da nossa psyché. Se não posso fazer nada em prol da realização do meu desejo, posso ao menos comprometer-me a "torcer" que ele venha a ser satisfeito.
Na sequência da frase anterior, MRoxy diz "ele [o homem] apenas a utiliza para alcançar seus fins". Discordo totalmente. O torcedor de futebol, com sua esperança de ver o time ganhar, não "utiliza essa esperança para alcançar seus fins". Ele só fará isso - mesmo assim, num grau menor do que se pudesse agir diretamente - gritando e incentivando os jogadores. Esses últimos não precisam ter esperança de ganhar, eles precisam, sim, jogar o suficiente para derrotar a situação adversa e produzir o efeito desejado - ou "alcançar seus fins" -, que é a vitória.
Concordo com o fechamento de MRoxy, quando fala de um "resultado ... apenas terapêutico", mas, mesmo assim, numa terapia apenas "analgésica". Não há cura através da esperança, embora ainda possa haver através da ação.
Acho necessário registrar que, ao contrário do que foi proposto por nosso amigo, a esperança não está a serviço do desejo de avançar. Ela está a serviço do reconhecimento de que não é possível avançar. Neste sentido, realmente "alivia" nossa frustração, causando o tal efeito analgésico que propus acima.
Quem se encontra efetivamente "a serviço do desejo de avançar" é o desejo que se faz ato através da vontade posta em ação.
Obrigado pela contribuição, MRoxy.
E, que tal continuarmos?
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