Final de ano chegando... festas em profusão, mas, pelo menos, os compromissos acadêmicos diminuem. Aí então, é possível arriscar umas leituras "a mais" - se bem que há aquelas que ficaram por serem feitas e não o foram. Mas... empurramos o dever, mais um pouquinho, com a barriga e vamos ao prazer.
Embora Deus e a Filosofia, de Étienne Gilson, e Filhos do Céu, de Edgar Morin com Michel Cassé, tenham tido partes que serviram a propósitos técnicos, agora entraram no rol das leituras hedonistas, e serão concluídos dessa forma.
Entretanto, o que desejo registrar aqui - conforme o título do post indica - é uma "discussão" - no mais leve sentido da palavra - sobre o nazismo de Heidegger. Logo eu, um anti-heideggeriano, acabei virando advogado de defesa do alemão.
Como todo bom advogado, tive que buscar provas para inocentar meu "cliente". E fui procurá-las em duas fontes: na famosa entrevista do próprio Heidegger, em 1966, para a Der Spiegel e no ótimo livro Hitler e o nazismo, de Dick Geary - segundo o próprio livro, "um dos maiores especialistas na história da Alemanha do século XX" -, publicado, aqui no Brasil, pela Editora Paz e Terra, em 2010. É verdade que este último livro não trata diretamente do "erro de Heidegger" - como dizia Hannah Arendt -, mas ilustra bem o cenário da época da ascensão do nazismo na Alemanha.
Sobre a entrevista à Der Spiegel, eu já falei aqui no blog antes. Por isso, concentrar-me-ei no livro de Dick Geary.
Em que pese a total certeza sobre o entusiasmo de Heidegger com o nazismo, no final do ano de 1933, quando foi guindado ao cargo de reitor da Universidade de Freiburg, seu ânimo parece ter arrefecido logo em meados do ano seguinte, quando ele se desligou do cargo.
Mas vejamos se Heidegger estava "desalinhado" com os desejos populares - lembrando que ele não era um estudioso de Filosofia Política. Quando o NSDAP - o Partido Nacional Socialista de Trabalhadores da Alemanha - saiu da ilegalidade, sua primeira participação em eleições, em 1928, rendeu-lhe míseros 2,6% de votos. Ainda sem Hitler ter ocupado nenhum cargo administrativo - o que só ocorreria com a Chancelaria, em 1933 -, algumas eleições depois, em 1932, esse percentual tinha subido para pouco mais de 37%. Havia empolgação com a propaganda nazista - não tanto ligada ao antissemitismo -, que prometia desenvolvimento interno e abandono do jugo estrangeiro, bem como afastamento da "ameça" comunista e retomada dos valores tradicionais germânicos.
O livro narra bem o começo dos campos de concentração, que recebiam basicamente comunistas e social-democratas - os quais formariam o primeiro "time" de pessoas submetidas à violência e à morte. Os judeus teriam direitos civis cassados, bens expropriados, trânsito limitado, mas ainda não estavam na lista dos assassinados de modo contumaz. Isso aconteceria com mais brutalidade a partir de 1935, com os SA - que depois perderiam autoridade para a SS -, e, enquanto política de Estado, o isolamento em campos de concentração dos grupos "indesejáveis" passou a ocorrer, em grande quantidade, a partir de 1936, mas o pogrom mesmo é de novembro de 1938.
Aos poucos, poderei colocar alguns posts que mostram como se deu essa ocupação de todo o governo pelos nazistas que, mesmo quando Hitler assumiu a Chancelaria, só contava com dois ministros, sendo, portanto, um partido ainda médio, que precisou fazer composições com outro partido para ter maioria no Reichstag - o Parlamento Alemão.
Entretanto, o que eu pretendo mostrar, por enquanto, é que o fenômeno nazista é muito complexo para que se possa julgar qualquer pessoa por ter aderido "superficialmente" a ele. No caso de Heidegger, muito mais difícil é realizar esse julgamento; afinal, ele não deixou marcas pessoais no processo de nazicificação da Alemanha... e, em tese - ainda que se possa acusá-lo de omissão -, não sujou suas mãos de sangue. Para pensarmos na dificuldade que era ser ativamente oposição ao nazismo, quando o partido efetivamente tomou conta de "tudo", basta perceber que as próprias Igreja Católica e Luterana não "socorreram" abertamente as vítimas do morticídio, fossem eles judeus ou comunistas - que ainda faziam parte da lista dos que não agradavam às duas instituições -, mas também alemães "associais", doentes, aleijados, etc.
Há ainda que se reconhecer que não era muito "saudável" ser oposição - nem mesmo velada -, num lugar em que filhos entregavam pais; alunos entregavam professores e vizinhos se vigiavam mutuamente.
Deixo claro, obviamente, que o ideário nazista é indefensável... mas há que se avaliar com cuidado a crítica que se faz aos alemães como um todo - e, especialmente, neste caso, a Heidegger - sobre sua "participação" e "adesão" voluntária a esta sórdida ideologia.
Depois escrevo mais!
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