quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A alegria

  Em um dos últimos comentários que fiz - mais especificamente, sobre um outro comentário do meu querido compadre Mundy -, falava eu sobre um certo sentimento de "mal estar" neste mundo que ele sentia. Disse eu, àquela altura: "Em alguma medida, o 'desconforto' e o sentimento de 'inadequação' são bons, pois são justamente eles que nos fazem sair de onde estamos".
  É certo que, como spinozano, tenho que lembrar que nossa busca é sempre pela "alegria"... mas não uma "alegria passiva", diria Spinoza, e sim pela "atividade, que é alegre". De qualquer forma, o que eu quis sinalizar é que aquele "desconforto" pontual pode permitir que desejemos - e o homem é essencialmente desejo - reforçar nossa capacidade de atividade... e, portanto, de nos alegrarmos.
  Feito esse comentário inicial, queria passar a um texto do Arnaldo Jabor, publicado ontem em O Globo, sob o título de "A alegria é um produto de mercado". O texto contém várias ideias sobre a tal "alegria". Sobre muitas, eu não vou tecer comentários, mas, sobre uma que vai ao encontro do que eu disse antes, gostaria de registrar alguma coisa.
  Diz Jabor:
  "Hoje em dia é proibido sofrer. Temos de 'funcionar', temos de rir, de gozar, de ser belos, magros, chiques, tesudos, em suma, temos de ter 'qualidade total', como os produtos. Para isso, há o Prozac, o Viagra, os uppers, os downers, senão nos encostam como mercadorias".
  Essa é a "lógica de mercado" que Jabor nos apresenta. Em princípio, parece que ele está só indicando que, se fugirmos a essa lógica, estaremos realmente condenados a sermos "encostados". Entretanto, não é bem isso o que o texto desenvolve. Logo a seguir, escreve o polemista:
   "Acho que a depressão tem grande importância para a sabedoria; sem algum desencanto com a vida, sem um ceticismo crítico, ninguém chega a uma reflexão decente. O bobo alegre não filosofa pois, mesmo para louvar a alegria, é preciso incluir o gosto da tragédia. No pós-guerra, tivemos o existencialismo, a literatura com gênios como Beckett e Camus ou o teatro do absurdo, o homem entre o sim e o não, entre a vida e o nada".
   Aí, compadre, quem sabe essa não seja a hora de você se dedicar à Filosofia? 
   Logo em seguida, Jabor conta que lhe chegou às mãos um artigo chamado "Elogio da melancolia", de Eric G. Wilson, de uma universidade americana, e passa a citar trechos desse texto.
   "Estamos aniquilando a melancolia. Inventaram a ciência da felicidade. Livros de autoajuda, pílulas de alegria, tudo cria um 'admirável mundo novo' sem bodes, felicidade sem penas. Isto é perigoso, pois anula uma parte essencial da vida: a tristeza".
   Para quem pensa que eu estou fazendo uma homenagem à tristeza, basta lembrar que sou spinozano, e que este era o filósofo da alegria. Que não pensem, também, que Mr. Wilson pretende fazer um elogio insano à tristeza. Ele mesmo se defende disso, dizendo: "Não sou contra a alegria em geral, claro... Nem romantizo a depressão clínica, que exige tratamento. Mas, sinto que somos inebriados pela moda americana de felicidade". Eu arriscaria complementar "... moda americana de felicidade, mesmo que ela seja artificial e baseada num autoengano".
  E Jabor fecha o artigo da seguinte maneira:
  "A melancolia, longe de ser uma doença [eu não disse que o Jabor era polemista?!], é quase um convite milagroso para transcender a banalidade cotidiana e imaginar inéditas possibilidades de existência. [...] Mas, por que não aceitamos isso? Por que continuamos a desejar o inferno da satisfação total, a felicidade plena? Por medo. Escondemo-nos atrás de sorrisos tensos porque temos medo de encarar a complexidade do mundo, seu mistério impreciso, suas terríveis belezas. Usamos uma máscara falsa, um disfarce para nos proteger deste abismo da existência. Mas, este abismo é nossa salvação. A aceitação do incompleto é uma chamado à vida. A fragmentação é liberdade. É isso aí, bichos - como se dizia em tempos analógicos."
   Logo que li o "sorrisos tensos", no texto, lembrei da personagem do Batman, o Curinga, com seu sorriso falso, expressão mais completa de uma "antifelicidade"... mas que, no nosso caso, seria apenas de uma "felicidade imaginária", autoimposta para garantir um conforto psicológico que, no fundo, é, ele mesmo, o que causa o maior desconforto.
   Longe, portanto, de saudar o "desconforto", penso que ele pode "forçar", por seu antagonismo ao nosso desejo metafísico de felicidade, à busca desta... com toda a nossa energia. E aí, como eu já havia dito no comentário feito, é que se precisa agir, em vez de apenas lamentar.  

4 comentários:

mundy disse...

Muito bem colocado no final do seu texto, realmente é melhor agir do que lamentar, perfeito, em sintonia com seu argumento me encontro,mas de uns tempos para cá , tenho agido, procurado ,em conjunto, procurando novos caminhos e tenho dado com os burros na agua, ou seja a força vai se esvaindo, no me caso o lamento se dá, nao que nao tenha a percepçao que deve perseverar , insistir, mas nada que tenho colocado em pratica para me tornar menos comabildo financeiramente falando frutifica, procurar o caminho da filosofia, pode ser ótimo para entender meu ser e acalmar minha angustia, mas no presente nao paga minhas contas, eu preciso é de arrumar meios de pagar minhas contas, de nada adiantara entrar num curso de filosofia neste momento e nao ter como pagar por livros, minha angustia se dá no sentido que se minha vida estivesse razoavelmente dando certo, ou melhor que estivesse paganmdo os compromissos, estaria mais calmo, agora meu fraterno se nao tenho nem como ir a sua casa visita-lo, como nao ficar com uma sensaçao péssima de fracasso na vida.

Alan B. Buchard disse...

Durante muito anos em que fui fanático religioso, punha em Deus o sentido da minha existência! Ao tornar-me cético, um mal-estar tomou conta de mim pois agora, não crendo mais na divindade metafísica, a existência não seria mais possível. Contudo, para sanar esse sentimento, cogitei ver na filosofia esse "redentor": através dela minha vida teria novamente sentido, e eu poderia transcender minhas mazelas. Erro grave!

Se o homem, seja vontade de superação ou por comodismo, colocar na filosofia o seu ideal de "redenção" terminará iludido. Pois a filosofia existe por si, não para a salvação de ninguém. É claro que ela é vista por muito como uma forma de "instrumento" para melhorar a vida; mas salvação através dela ninguém encontrará... pode-se encontrar "bem-estar", mas não salvação. Por isso, no caso do amigo Mundy, e aqui digo amigo por ser este amigo de meu amigo Ricardo - logo meu amigo -, não adiantaria a filosofia, pois o "bem-estar" que ela nos provoca não é suficiente para, por exemplo, pagar nossas dívidas.

O que eu vejo é que o ser humano é um agente que fixa sentido nas coisas. Ao ser humano é permitido colocar o sentido de sua existência em qualquer coisa externa à si. Contudo, ao fazer isso, ele tem que estar ciente que, uma vez deixando de existir isso a que ele põe o sentido de sua existência, sua vida não terá mais sentido, restando-lhe apenas a tão tranquila morte. Mas se este mesmo homem, decidi por o sentido de sua existência em si mesmo, não haverá de se decepcionar: pois uma vez existindo, seu sentimento de existência estará completo. O homem que almeja apenas a si mesmo consegue se manter firme mesmo nas tragédias.

Mas agora, se o homem considera ser essencial existir algo superior que confere sentido as coisas, melhor que procure uma religião! Caso contrário, sendo autárquico, sempre estará de bem consigo mesmo: mesmo com milhões de dívidas a pagar...

PS: Contudo, como eu sei que cada ser humano é um, e os demais não conseguem se aprofundar nele - e somente ele consegue seus verdadeiros desafios, virtudes e falhas - esqueçam tudo o que disse anteriormente. Não lhe valem os conselhos, os padrões e os discursos!

;)

PPS: Saudações amigo Ricardo. Animado para o novo semestre? Espero cursar alguma disciplina em que você também esteja, e dessa forma, ter aquelas conversas que tanto me agradam!

Alan B. Buchard

Ricardo disse...

Meu querido amigo Alan:
Inicialmente, quero contar-lhe da minha saudade dos nossos papos e do que sempre aprendo com eles.
Concordo com sua posição sobre a Filosofia não se prestar bem a uma "redenção"... e eu diria que, talvez, nem a um "bem-estar", pelo menos por vias diretas. Talvez, indiretamente, por colocar de forma nua e crua os problemas da existência e as falsas "saídas" que pensamos existirem é que ela nos posicione mais autenticamente na vida... e essa "des-ilusão" com o mundo é que vá nos permitir viver melhor com nossas possibilidades.
Sobre o "colocar sentido em algo externo", você não poderia ter sido mais spinozano. Rsss. Como disse o luso-holandês, a alegria sentida na presença de algo é o amor. Entretanto, esse "algo", estando fora de nós, sempre gera um "amor passivo", ou seja, estamos sempre "submetidos" ao objeto e passivos diante dele. O amor ativo é aquele que não depende mais do objeto externo. Você até poderia dizer que o amor é sempre relacional e que, portanto, depende fundamentalmente de um "eu" e um "outro". Mas a grande sacada de Spinoza é quando se percebe que esse outro também faz parte daquilo de que também fazemos parte: a unicidade (a Substância única).
"O 'amor concreto', esse que sentimos aqui, nesse mundão, pela esposa, pelo marido, pelos filhos, pelo carro, pela casa de praia, etc. e tal, faz parte disso que Spinoza falou?", é algo que você pode questionar.
A minha resposta seria: eu acho que os sentidos imaginários que damos às coisas é que atrapalham a vivência efetiva do que as coisas são - se é que elas "realmente" são algo, sem a participação humana. Rsss.
Senão vejamos. Se eu estou apaixonado pela Nádia e, em dado momento, ela quer me trocar por outro, deve ser sinal de que aquele meu sentido não está de acordo com o que ela representa da relação - "Esse Ricardo é um chato!", por exemplo - e, por isso mesmo, deixemos de ser um "bom encontro". Nesse caso, a alegria já não está mais na relação... antes mesmo da Nádia me trocar pelo outro, ainda que meu "eu" não tenha percebido isso.
Acho que isso tem que ficar para um papo maior. Então, até lá... depois do carnaval!

Ricardo disse...

Ops... faltou algo no comentário anterior, dizendo respeito ao seu PS.
Concordo com sua avaliação de que cada um é cada um e que, portanto, é difícil fugir da sua afirmação: "esqueçam tudo o que disse anteriormente. Não lhe valem os conselhos, os padrões e os discursos!". Entretanto, você já pensou como cada um quer ouvir aquilo que lhe convém... o que só ocorre com os colóquios? O problema é que, no meio das conversas, também aparecem as críticas ao nosso "modus vivendi". Aí, o mais cômodo a dizer é "Você fala isso porque não está na minha pele". Retórica brilhante. Na verdade, nunca será possível estar... mas se isso não é possível, só poderemos viver uma espécie de solipsismo, onde eu sei da minha vida e não falo nada para você, que nunca saberá. A verdade, entretanto, não é bem essa. Imagino que a "simpatia" - o "sentir com" - toma conta de um amigo quando este lhe narra suas aventuras - e desventuras -, obviamente, as "cores das paisagens" não serão as mesmas, mas há um fundo de experiência comum sobre a qual é possível opinar... pelo menos, penso assim.
Valeu pela participação, Alan!
Abração!