terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Por que a Estética de Hume?

   Pode parecer estranha a minha "fixação" na Estética humeana. Afinal, alguém poderia ponderar que são poucos os ensaios do escocês  que tratam do assunto. Desta feita, por que não falar de Kant ou de Hegel, que são mais "produtivos" em relação a esta questão?
   Eu responderia, inicialmente, que não tenho tanta intimidade com a Estética quanto precisaria, faltando-me elementos mais específicos sobre esses dois "monstros sagrados" citados - o que pretendo corrigir, ainda. Além disso, Hume escreve de maneira bem menos "intrincada" do que os dois alemães, o que facilita sobremaneira o entendimento.
   Mas a melhor resposta seria, talvez, porque, no fundo, o meu maior interesse esteja na moral de Hume, e sua Estética, em alguma medida, guarda ecos daquela outra área de estudo.
    Antes, entretanto, de falar sobre a perspectiva moral de Hume, seria interessante explicar que o escocês não trata "bem" e "mal" como realidades em si, o que se aproxima - guardadas todas as outras diferenças imagináveis - com nosso querido Spinoza. Há ainda outra semelhança - esta, mais sutil, em função da terminologia adotada pelos dois filósofos: para Hume, a razão não tem poder de determinar a paixão. Em certa medida, é o que pensa Spinoza, mas seria melhor aproximar os dois utilizando termos mediadores como "o Entendimento não tem ação direta sobre os afetos". Mas, depois eu explico melhor essa parte. 
  Voltemos à moral humeana.
 Vejamos o que nos diz Hume, no seu Tratado da Natureza Humana, no Livro III, Parte 1 (Da virtude e do vício em geral), Seção 1 (As distinções morais não são derivadas da razão) [Excertos]:
    "Considerem uma ação reconhecida como viciosa: um assassínio premeditado, por exemplo. Examinem-na sob todos os aspectos e vejam se conseguem descobrir essa questão de facto, essa existência real a que chamam vício. [...] Não o [o vício] podemos descobrir até ao momento em que dirigimos a nossa reflexão para o nosso próprio coração e descobrimos um sentimento de desaprovação que em nós nasce a propósito dessa acção. [...] [O vício] Encontra-se em vós e não no objecto. De tal modo que, quando afirmam que uma acção ou uma pessoa são viciosas, querem simplesmente dizer que, sob o efeito da vossa constituição natural, experimentam, ao considerá-las, um SENTIMENTO de desaprovação. Pode, pois, comparar-se o vício e a virtude aos sons, às cores, ao calor e ao frio, que, segundo a filosofia moderna, não são qualidades dos objectos, mas percepções do espírito. [...] A MORAL É MAIS PROPRIAMENTE SENTIDA DO QUE JULGADA. [...] Ter o sentido da virtude nada mais é do que experimentar uma satisfação de um género particular face à contemplação de um carácter. É mesmo este sentimento que constitui o nosso elogio ou a nossa admiração. Não vamos mais longe; não buscamos a causa dessa satisfação. Não inferimos que um caráter é virtuoso por ele agradar; mas, ao sentirmos que agrada dessa forma particular, sentimos efectivamente que é virtuoso. É algo de IDÊNTICO AOS NOSSOS JUÍZOS ACERCA DE TODA ESPÉCIE DE BELEZAS, GOSTOS E SENSAÇÕES. A nossa aprovação está compreendida no prazer imediato que estes nos fornecem". [grifos meus]
   Pode-se perceber claramente que Hume rejeita virtudes e vícios ontologicamente dados. Eles só existem na nossa relação com os atos nomeados como virtuosos ou viciosos. Hume faz essa consideração apelando à Filosofia Moderna - empirista, obviamente -, que aceita "propriedades DO objeto" apenas na sua relação com o espírito/mente. O escocês traça, então, um paralelo entre propriedades morais (vício e virtude), propriedades sensíveis (cor, som, calor) e propriedades estéticas (beleza ou feiura).
   Se não há um "padrão" moral - e estético -, o que efetivamente há? O que existe é um juízo a respeito do prazer ou desprazer que aquele "objeto" moral - ou estético - nos causa. Os que causam prazer são virtuosos - ou belos, no campo estético - e os que causam desprazer são viciosos - ou feios, esteticamente.
   O que pode haver é, a posteriori, o estabelecimento de que, a partir de uma natureza humana comum, estabelecer-se-ão, através de leis, os atos que nos causam prazer como corretos e virtuosos, e aqueles que nos causam desprazer como errados e viciosos. A partir dessa consideração de uma padronização da natureza humana é que será estabelecido o que é "médio" - e, portanto, "normal" - no homem, correspondendo ao que se espera nas relações intersubjetivas.
   
     

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