Por conta da "dúvida metódica" das "Meditações Metafísicas", alguns comentadores propõem que Descartes seria um "cético disfarçado". Alguns destes até insistem que o resultado das "Meditações", com a comprovação da realidade do mundo a partir da confirmação da existência de Deus, é propositalmente frágil para que o francês pudesse, no final das contas, deixar claro que a posição mais bem fundamentada é mesmo a do Ceticismo.
É verdade que Descartes "meteu-se em uma enrascada" da qual, posteriormente não deu conta de se livrar. Afinal, a passagem do "cogito", que seria o "fulcro arquimediano" para provar todo o resto, até a chegada na realidade do "mundo", se deu de maneira apressada demais... e com um conceito de Deus que é tudo, menos livre dos preconceitos - conforme seu próprio método postula. Portanto, a fuga do solipsismo surgido após o aparecimento do "cogito" foi muito pouco "neutra" e desinteressada.
Mas se Descartes radicalizou tão bem a sua "dúvida" - que, por isso mesmo, foi chamada "dúvida hiperbólica" (hyperbolé = exagerado, em grego) -, a ponto de não conseguir escapar dela, não me parece que o fato seja por desejo de viabilizar e reforçar a posição cética.
Os defensores dessa linha de pensamento argumentam que o próprio Descartes fala em "suspensão de juízo" (a famosa epoché do Ceticismo Antigo). A expressão está realmente nas "Meditações Metafísicas", mas há que se ter cuidado em assimilá-la conforme as pretensões de Descartes, que não são, de modo algum, semelhantes àquelas dos céticos.
Quando Descartes fala em "suspensão de juízo", ele indica que esse procedimento levará imediatamente a uma rejeição de todas as opiniões tidas como válidas... o que não corresponde à epoché cética, que, identificando a "equivalência" de todas as teses apresentadas, e reconhecendo a falta de critério para decidir entre elas, simplesmente paralisa o julgamento sobre a mais "correta", em hipótese alguma negando qualquer delas.
Se não bastasse essa enorme diferença, faz-se mister lembrar que tanto o Ceticismo Acadêmico - que negava qualquer possibilidade de conhecimento -, quanto o Pirronismo - que insistia num contínuo duvidar - apresentam antagonismo total à concepção epistemológica cartesiana, que crê na possibilidade de um conhecimento verdadeiro, o qual será alcançado através de uma dúvida temporária.
Parece-me, portanto, que Descartes não teve "fôlego" para se livrar da força da radicalização dos argumentos céticos de que ele lançou mão... e acabou tendo que se valer da "velha e boa" tradição escolástica para obter uma ponte entre o seu "eu" pensante solipsista e o mundo extenso, que foi o Deus onipotente e puramente bondoso... portanto, não enganador.
Ainda bem que nosso Spinoza conduziu as coisas de outro modo... se bem que há quem o veja como "o último escolástico"... mas isso é assunto para outro post!
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