sábado, 9 de junho de 2012

Ditadura e tirania - males menores?

   A fantástica Hannah Arendt (1906-1975) entendia que o totalitarismo não poderia ser comparado a outras formas de dominação, como a ditadura ou a tirania. A questão não dizia respeito apenas ao grau de violência envolvido em cada um desses tipos de dominação, mas principalmente em que o totalitarismo se valia, para eliminar a liberdade, submetendo a população aos seus imperativos ideológicos, de um aparato "legal" - obviamente, estabelecido por ele mesmo. Além disso, consideravam que essa legislação positiva era manifestação de uma lei natural - de evolução e depuração da raça, no caso do nazismo, e de progresso e supressão das classes sociais, no caso do stalinismo.
  Sendo pior que os demais tipos de dominação, seria de se esperar que todas as atenções humanas se voltassem para evitar, novamente, esse tipo de evento no mundo em que vivemos.
   Parece que, em certa medida, desde quando Arendt registrou os principais mecanismos desse fenômeno - o totalitarismo -, ele deixou de se "manifestar". 
   Mas isso é suficiente? Penso que não. Se o ser humano não se mostra um ente bestial por completo ao não reincidir nessa forma de dominação, as outras - teoricamente, menos graves - também deixam um rastro de dor por onde passam.
   Queria reproduzir um artigo publicado no jornal O Globo de hoje que trata do governo da Síria. Sua leitura provoca uma certa angústia - pelo menos, foi assim que o recebi -, em função da percepção de quão difícil é eliminar algo que tem como principal característica a violência brutal e inexplicável.
   O texto é do escritor, e Prêmio Nobel da Paz, Eli Wiesel, e tem como título "Bashar al-Assad, de Damasco ao Tribunal de Haia".
   "A História da Síria é, agora, tanto uma tragédia como um escândalo. Dia após dia, sua política e seu Exército humilham, aterrorizam e matam hordas de cidadãos. Velhos e jovens, instruídos e ignorantes, ricos e pobres: todos viraram alvos. Em apenas um dia, duas semanas atrás, jovens foram chacinados um a um - com tiros na cabeça.
   E o chamado mundo civilizado não está sequer tentando impedir o massacre. Seus líderes emitem comunicados, mas o banho de sangue continua. Uma situação que se arrasta por 13 estranhos meses e que não está perto do fim.
   Quando questionados, nossos líderes simplesmente dão de ombros: 'O que neste mundo pode ser vislumbrado quando um líder pseudodemocraticamente eleito prende, atormenta, tortura, desfigura e mata sem parar, em larga escala, centenas de seus cidadãos? O que poderia detê-lo?'
   Intervenção militar? Não. Por que não? Porque os americanos estão cansados de bancar guerras distantes. Porque as famílias americanas perderam muitos filhos e filhas em conflitos longínguos. as famílias sírias devem sofrer por conta da ajuda que demos a outros? Pelos sacrifícios que já fizemos?
   Resoluções da ONU? Rússia e China vergonhosamente transformam-nas em inúteis.
   Sanções econômicas? De alguma maneira, o presidente Bashar al-Assad não tem medo delas. Expulsões diplomáticas? Produzem manchetes nos jornais, nada mais.
   Que manobra estratégica, então, é operacionalmente recomendada, capaz de trazer possíveis resultados políticos?
   Não estou seguro de que a assistência armada seja a única solução. Sanções econômicas se provaram relativamente fúteis em outros locais. Mas por que não imaginar uma outra opção, capaz de produzir um efeito dramático?
   Por que não advertir Assad de que, se não interromper a política assassina na qual está engajado, será preso e levado ao Tribunal Penal Internacional, em Haia, e indiciado por crimes contra a Humanidade?
   Tal acusação teria aspectos de desencorajamento. Ele perderia qualquer apoio, qualquer simpatia no mundo em geral. Nenhuma pessoa honrada sairia em sua defesa. Nenhuma nação lhe ofereceria abrigo. Nenhum documento com limitações se aplicaria a seu caso.
   Se e quando perceber que, como o ditador egípcio Hosni Mubarak, vai terminar em desgraça, trancado numa cela de cadeia, ele poderia pôr fim à luta criminosa e sem sentido pela sua sobrevivência.
   Por que não tentar?"
   E minha angústia não termina após a sugestão do autor, visto que eu não tenho a mínima esperança de que a proposta seja suficiente para paralisar Bashar al-Assad.


3 comentários:

Marcelo Moreira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marcelo Moreira disse...

Saudações Amigo!

Perdoe a ausência! Tempos corridos!
Em respeito à riqueza reflexiva que se produz neste espaço, comprometo-me a ler todo o material produzido durante minha ausência!

Sobre esta postagem, em particular, devo dizer que é angustiante a sensação de impotência! Difícil oferecer proposta! Impossível levar a cabo uma eventual proposta! E enquanto isto, vidas reais se extinguem! "Extremamente Triste" não exprime adequadamente o sentimento!

Ricardo disse...

Que bom relê-lo, caro amigo. Eu também devo desculpas a você, já que não consigo visitar seu blog há algum tempo, apesar das boas discussões que acontecem por lá.
Agradeço à elogiosa expressão "riqueza reflexiva" com que adjetivou a produção desse nosso blog. E certamente ela ganha nesse aspecto quando os amigos aqui escrevem.
Sobre o post, especificamente, o pior é que a situação continua... e continua... e continua. Isso é incompreensível... aliás, até compreendemos a lógica covarde de um poder que não quer abrir espaço para outros, talvez por conta do que foi "arrecadado" irregularmente ao longo desses anos. Mas a apatia mundial é difícil de aceitar.
Grande abraço.