Se eu acreditasse em reencarnação, diria que já fui uma mulher e que fui estuprado, ou melhor, estuprada, em alguma vida anterior. Digo isto por conta dos afetos que surgem em mim diante de casos de violência sexual contra mulheres.
Como não acredito em reencarnação, limitar-me-ei a fazer uma reflexão filosófica sobre a questão.
Pensei logo na Poética, de Aristóteles, que analisa as tragédias.
Lá, o Estagirita fala das emoções/paixões que surgem na plateia diante da representação do enredo. E essas emoções são as de piedade e medo.
Percebendo o sofrimento não merecido de alguém, apiedamo-nos desta pessoa, e, ao nos identificarmos com sua condição humana, tememos pela possibilidade daquilo também acontecer conosco.
No caso que me faz escrever - o do casal de turistas submetido a violência física e psicológica, durante seis horas, tendo sido a moça estuprada durante várias horas por três "coisas" -, o problema é que sentimos isso, mas não se trata de um enredo - ou mythos, como escreve o macedônio -, e sim de um fato. Ficamos, portanto, privados daquela "barreira de irrealidade" que nos possibilita fazer uma experiência psicagógica saudável, que gerará efeitos positivos, transformando-nos eticamente, depois da katharsis, produzindo mesmo um prazer, segundo nosso filósofo.
Sem essa "barreira", não estamos diante daquela universalidade do que "poderia ser", mas sim efetivamente do que é. Parece-me, então, que toda a teoria peripatética "vai por água abaixo" - embora tenhamos que fazer justiça a Aristóteles de que sua teoria não foi postulada para estas condições reais. Neste choque de realidade, ficamos com heleos (piedade) e phobos (medo) remoendo nossa alma/psyché, sem conseguir aquela salutar katharsis.
O que fazer agora? Esse é um momento de cuidado, para que não cedamos àquela proposta simplória e pobre de "Tem que matar! Tem que castrar! Tem que estuprar, também!".
Mas também temos que evitar a crença de que estes homens foram simplesmente moldados pelas circunstâncias - certamente violentas - que envolveram a constituição de suas subjetividades.
Difícil, hein!
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