Há algum tempo já sabia que o romancista Irvin D. Yalom escreveria um livro que incluiria Spinoza como personagem principal. Isso já nos tinha sido comunicado por um dos "amigos dos amigos", nosso querido Guilherme Fauque.
Também há algum tempo, vi o livro em Inglês. Só pensava assim: "Terá que ficar para mais tarde, pois há muito o que ler agora!".
Na semana retrasada, entretanto, vi que o livro já estava traduzido para nosso bom Português. Pensei, então: "Compro, e vou lendo aos pouquinhos, nos intervalos das leituras obrigatórias!". "Risível" essa frase, visto que não existem "intervalos" entre leituras obrigatórias. Há, sim, falta de espaço para tantas delas.
Mas eis que, de repente, num ato de rebeldia, propus-me um sabath de leituras obrigatórias, e me lancei de modo sério ao romance.
Que delícia... Ah... Revisitar a vida de nosso querido Spinoza é tão agradável. E o Yalom escreve de modo tão interessante. Até hoje tenho boas recordações do Quando Nietzsche chorou. A cura de Schopenhauer já não foi tão arrebatador assim, mas este O enigma de Espinosa, apesar da estrutura semelhante àquele sobre Schopenhauer, é muito legal.
Ao final do livro, ainda fiquei sabendo de fatos sobre a relação atual dos judeus - ou, pelo menos, de parte deles - com o excomungado Spinoza que desconhecia totalmente. O filósofo tem até uma rua com seu nome em Tel Aviv!?!?
Repetindo a especialista nietzscheana Scarlet Marton, que considerou o livro sobre Nietzsche bastante bem escrito, com ideias do bigodudo melhor esclarecidas, inclusive, do que em livros introdutórios de Filosofia, gostei dos diálogos imaginados por Yalom, em que apareciam as ideias do holandês.
No entanto... há umas passagens que achei meio problemáticas.
Por exemplo, na página 9, está escrito "o entendimento leva à transcendência". Esse "transcendência" fica bem esquisito, visto que Spinoza é justamente o filósofo da imanência. Aparentemente, o "transcendência", aí, não está colocado de modo técnico. Trata-se de algo como dizer que o entendimento possibilitaria uma superação do estado atual de determinado homem. Mas fica um tanto descabido seu uso. Aliás, essa foi a única palavra que verifiquei no original, e não se trata apenas de um "engano" do tradutor.
Na página 128, existe a afirmação de que "A Natureza, que é infinita, eterna e engloba todas as substâncias do universo...". Ora, embora não seja um texto primordialmente técnico, poder-se-ia evitar essa confusão - meio aristotélica - com uma multiplicidade de substâncias.
Na página 182, um detalhe histórico. Até onde sei, o texto da excomunhão foi produzido em "ladino" - uma espécie de dialeto que misturava Português e Espanhol -, e não em hebraico, sendo traduzido para o Português oralmente.
Na página 214, "... foi Espinosa que introduziu a era moderna; o Iluminismo e o surgimento das ciências naturais haviam começado com ele". Não sei quem sugeriu essa ideia de "introduzir a era moderna" ao Yalom. Vale lembrar que o autor agradece ao Steven Nadler e à Rebecca Goldstein. É certo que há discussões sobre isso, mas geralmente o nome de Spinoza não participa delas. Há defensores de Bacon, de Pascal e outros... menos de Spinoza - embora a tradição mais forte se refira normalmente a René Descartes mesmo. Além disso, falar do "surgimento das ciências naturais" vinculada a Spinoza é muito esquisito.
Na mesma página, outra esquisitice: "... John Locke, que, por sua vez, se inspirou em Espinosa". Alto lá, Yalom. Locke se inspirando em Spinoza?!?! Apesar do mais contemporâneo dos contemporâneos de Spinoza, visto que nasceram no mesmo ano de 1632, as publicações filosóficas de ambos foram tardias, fazendo com que Spinoza não lesse Locke e que, provavelmente, fosse por demais avançada a publicação póstuma dos textos do holandês para influenciar o inglês. Vale lembrar, inclusive, que a tão propagandeada "tolerância" lockeana não alcançaria o "ateísmo" de Spinoza - conforme rótulo dado por Bayle.
A página 243 narra o atentado a Spinoza. Até onde lembro - vale pesquisar - o evento se deu à saída da sinagoga, e não de um teatro, como mostra o romance.
Na página 253 há a seguinte fala de Spinoza: "... levar em conta pensamentos não tão conscientes, tanto os que me ocorrem à noite quanto os que ocorrem durante o dia". É lógico que Yalom tenta mostrar uma filiação da Psicanálise a Spinoza. Eu até acho muito interessante admitir essa possibilidade. Mas acho que o autor carregou muito nas tintas, colocando esse "não tão conscientes" e evocando os sonhos.
Por último, uma curiosidade apenas, para alguém que assumidamente não conhece o idioma hebraico: a palavra herem (excomunhão) sempre é escrita cherem, por Yalom. Em todos os livros que já li, sempre vi a primeira forma. Quem souber de onde vem a segunda, que mais lembra a localidade de Xerém, onde são formados os brilhantes atletas futebolistas do meu querido Fluzão, por favor, ajude esse pobre spinozano que escreve.
São pequenos detalhes de um ótimo livro.
3 comentários:
Seus comentários são pertinentes e mesmo esclarecedores. Mas lembremos que se trata de uma obra de ficção. Eu coloco Espinosa no patamar de meus filósofos de cabeceira. Nietzsche e Schopenhauer entre eles. Adorei o "Quando Nietzsche chorou", mesmo o filme, e achei "A cura de Schopenhauer" clínico demais. Já este Espinosa foi muito mais humilde, e colocou o bom Baruch como um homem a procura de uma solução para sua vida e seus pensamentos. Para quem nunca leu Espinosa acho que vai ser uma boa iniciação, e eu estou indicando a todos os conhecidos que merecem essa indicação.
Ricardo, estou apaixonado pela leitura do livro. E agradeço ao Google por ter me trazido para teu blog. Faço um esclarecimentozinho sobre o hebraico: cherem se pronuncia não como xerem, e sim como "jerem" em espanhol. Na tradução do "j" se usa o "ch" em inglês, e também geralmente em português.
Um abraço
Amigos, boa tarde. Preciso da ajuda de vcs. Perdi meu livro( excelente o livro) faltando poucas paginas para terminar. Vcs sabem onde posso baixar em PDF?
Grato
Antenor Lins
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