sexta-feira, 7 de maio de 2010

"Ruminantes" filosóficos

  Longe de qualquer sentido ofensivo, o termo "ruminantes", do título do post, indica pessoas que recebem uma informação filosófica, mas que não se contentam em iniciar seu processo de "digestão" de pronto. Esses tais "ruminantes" fazem questão de receber o "alimento filosófico" e ficar "reprocessando" as informações, tentando extrair o máximo de sua "essência nutricional", mas também acabando por produzir energia para novas reflexões - o famoso processo de "ideação".
  Por favor, paremos essa analogia do processo de assimilação da filosofia, antes que alguém lembre do que se produz ao final da digestão propriamente dita. Rsss.
  O escrito acima serve para explicar por que eu me considero um "ruminante filosófico"... e, se o amigo me permitir, colocaria o nosso "amigo dos amigos" Henrique na mesma categoria. O fato é que Henrique e eu, muitas vezes, ficamos conversando sobre os conceitos que nos foram passados, numa espécie de saudável "revival" filosófico.
  Num desses momentos, reconsideramos as "homeomerias anaxagóricas". Até onde eu lembrava, as homeomerias, a partir das quais o Nous iria organizar a multiplicidade da realidade, não eram um "complexo" de todas as possibilidades, incluindo igualmente todos e cada elemento individual. Também recordava que - e, por incrível que pareça, li isso em um livro sobre os "cientistas" pré-socráticos, que não era de Filosofia - as homeomerias eram distintas entre si... embora realmente houvesse essa ideia de, em alguma medida, conterem "elementos" diversos em si mesmas. Lembrei-me até da ilustração do livro, representando várias "formas" de homeomerias.
  Contei isso ao amigo Henrique. Mas, obviamente, Filosofia não se faz por "ouvir dizer" - primeiro gênero do conhecimento spinozano, aliás. Saí em busca das "provas"... e encontrei.
  Aí vai, Henrique...
  O livro "História da Filosofia - vol. 1", do Reale & Antiseri, registra que as homeomerias, para Anaxágoras, são "... sementes com formas, cores e gostos de todo tipo; vale dizer, infinitamente variadas... pode-se dividir qualquer semente que se queira (qualquer substância-qualidade) em partes sempre menores, que as partes assim obtidas serão sempre da mesma qualidade, ao infinito... Precisamente por essas característica é que ... foram chamadas 'homeomerias'... que quer dizer 'partes semelhantes', 'partes qualitativamente iguais'".
  O Dicionário Houaiss também ajuda, ao informar que a homeomeria "embora contenha necessariamente todas as múltiplas e contraditórias qualidades encontráveis no resto do universo, pode ser definida e caracterizada por uma qualidade preponderante ou hegemônica".
  Fica clara a noção de que há, sim, uma preponderância de certo elemento-qualidade na homeomeria, que acaba por caracterizá-la individualmente. Ainda assim, essa homeomeria "personalizada" conteria em si as diversas outras personalidades qualitativas do mundo.
  Ao longo de nossa "ruminação", apareceu também uma reflexão mais ampla sobre uma "cosmogonia" - enquanto comparávamos diversas visões míticas. Não poderia deixar de surgir uma avaliação sobre o Big Bang - afinal, somos "escravos" do pensamento técnico-científico, afirmaria Heidegger.
  Alguém pode estranhar o andamento do post, perguntando: "E o que Anaxágoras tem a ver com Big Bang?"... e eu explico!
  Acontece que um livro ao qual eu gosto muito de recorrer é "Uma nova História da Filosofia Ocidental", de Anthony Kenny. Logo no início do artigo sobre Anaxágoras, A. Kenny diz: "Anaxágoras é algumas vezes considerado um ancestral intelectual da atualmente popular cosmologia do big bang". E logo depois: "Eis aqui sua explicação para o princípio do universo: 'Todas as coisas estavam juntas, infinitas em quantidade e infinitas em pequenez; pois o pequeno era também infinito. E, estando todas as coisas juntas, nenhuma era reconhecível por sua pequenez'". Isso não tem um "jeitão" de momento "pré-Big Bang"... com algo de "infinito numa cabeça de alfinete"?
  Eu sei... eu sei... no Big Bang não havia exatamente "coisas juntas", mas apenas uma homogeneidade absurda. Mas que há uma aproximação "intuitiva", pelo menos... acho que há!
  Outro dado que também reconheço é que o Big Bang não precisa de nada externo a si, como seria o Nous anaxagórico. O impulso para sua produção do Todo é absolutamente interna.
  Voltando um pouco à discussão sobre a homeomeria - só para confirmar -, Kenny também destaca que "as coisas são nomeadas a partir do item que nelas é dominante" (Aristóteles, Física 1,4, 187a23).
  Outro deslocamento "antecipatório" que Kenny faz de Anaxágoras é quanto a uma espécie de "multiverso"... e eu diria, também, da Teoria da Expansão do Universo. Conta-nos o autor que: "A expansão do universo, Anaxágoras confirmava, continua no presente e irá continuar no futuro (KRS 476). Talvez ela já tenha mesmo gerado outros mundos além do nosso". E faz outra comparação curiosa: "Anaxágoras tem assim o direito de ter sido o originador da ideia, mais tarde proposta por Giordano Bruno, e hoje popular novamente em alguns lugares, de que nosso cosmos é apenas um de muitos que poderiam, como o nosso, ser habitados por criaturas inteligentes".
  Por último, só uma lembrancinha: o sujeito nasceu lá pelos idos de 500 aC!


 

2 comentários:

Unknown disse...

Obrigado amigo, como os gregos que pensavam que quanto mais forte o inimigo melhor, ser colocado ao seu lado como amigo é tambem uma honra. Espero poder dividir muitos outros assuntos filosóficos com voce.

Ricardo disse...

Amigo Henrique:
Já registrei, junto ao seu outro comentário, como é bom tê-lo por aqui. Reforço, apenas, aqui.
Obrigado pelo elogio quanto a mim... e continuemos amigos, deixando essa ideia de que é bom brigar com inimigos fortes para os gregos. Afinal, você é mais alto que eu! Rsss.
Certamente, iremos dividir muitas outras informações filosóficas.
Abração.