O título do post é o mesmo de um dos capítulos do livro Uma suprema alegria, da fantástica Maria Luísa Ribeiro Ferreira. O texto se refere ao Livro V, da Ética.
Particularmente, tenho muita dificuldade com este livro, principalmente no que se refere ao final do escólio da Proposição 20. Lá está escrito: "É, pois, agora, o momento de passar àquilo que se refere à duração da mente, considerada sem relação com o corpo".
Nossa querida Maria Luísa diz que "O livro V não é um livro qualquer, não é um mero capítulo conclusivo". Mais à frente, ela escreve: "Talvez porque a compreensão deste livro pressuponha um saber que os outros livros trouxeram. Talvez porque ele se destina - nomeadamente a partir do escólio da proposição XX - a um público de iniciados, cuja aprendizagem foi já realizada pela meditação e vivência dos conceitos trabalhados nos livros anteriores".
Fico com receio de que esse "a um público de iniciados" acabe ganhando ares de membros de uma seita spinozana.
Entretanto, é inegável a importância deste livro, em relação ao conjunto. Maria Luísa indica, reforçando essa ideia, que "O Livro V refaz, condensando-os, os grandes trajectos esboçados nos outros livros". No final do texto, nossa mestra lusa reforça essa ideia, mas traz uma triste notícia: "Para a grande maioria, 'a outra parte' da Ética manter-se-á decisivamente impenetrável".
Sabemos, então, que não é fácil entender esse trecho da obra spinozana. Mas não devemos sucumbir à facilidade interpretativa de achar que o "lado cabalístico" de Spinoza aparece inscrito com toda força nesta quinta parte da sua opus maius. A nossa querida mestra indica, um pouco antes, que "A Ética [...] Não é fruto de arroubos místicos nem de uma iluminação sem base. Há nela aspectos intuitivos, decorrentes de uma visão primeira. Mas esta intuição é imediatamente acompanhada pelo raciocínio dedutivo que a explica e justifica".
Não devemos, digo novamente, sucumbir às facilidades hermenêuticas, transgredindo o espírito spinozano. Se não entendemos algo, devemos reconhecer sua dificuldade, sem tentar "forçar" uma solução que não se encaixa no quebra-cabeças geral. Mesmo que o reconhecimento da nossa impossibilidade de resposta continue perdurando por longo tempo.
Esse me parece ser o engano de Margaret Wilson. Entretanto, sua posição é enaltecida por Don Garrett - a quem respeito muito. Este escreve, no seu artigo sobre ética spinozana incluído no Cambridge Companion to Spinoza: "Margaret Wilson convincentemente sugere que a linha final resulta de um simples equívoco da parte de Spinoza, e que deveríamos lê-la: 'É o momento de agora passarmos àquelas questões que dizem respeito à realidade da mente sem relação com a duração do corpo'."
Sinceramente, gostei mais da explicação do próprio Don Garrett, do que daquela de Margaret Wilson. Entender a dificuldade de imaginar que Spinoza possa estar defendendo a "imortalidade da alma" diante do perecimento do corpo é importantíssimo, mas querer solucionar esse "problema" dizendo que o cuidadoso Spinoza, depois de trabalhar diversos anos sobre seu texto, tenha simplesmente "errado" na sua escrita é difícil demais.
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