Umberto Eco - autor do superespetacular "O nome da rosa" -, filósofo, escritor e semiólogo, nos seus estudos linguísticos, disse: "Todo texto é uma máquina preguiçosa, pedindo ao leitor que faça uma parte do seu trabalho"... e complementa de modo bastante acertado: "Que problema seria se um texto tivesse de dizer tudo que o receptor deve compreender - não terminaria nunca".
Um problema que Eco destaca, entretanto, é que "nem sempre o leitor sabe colaborar com... o texto".
A partir dessa observação, Eco se utiliza de dois conceitos interessantes: o leitor-empírico e o leitor-modelo. E desdobrará esses conceitos, criando outro par que se oporá ao anterior: o autor-empírico e o autor-modelo.
Explicando rapidamente, o autor e o leitor empíricos são aqueles que "têm nome e endereço" - como disse o professor Fernando Muniz. Ou seja, são os sujeitos "concretos", que efetivamente escrevem e leem os textos.
Por outro lado, o autor e o leitor modelos são entes "imateriais". O autor-modelo é o "conjunto de estratégias estabelecidas para que o leitor se posicione diante do texto"; enquanto, o leitor-modelo seria aquele sujeito que se relaciona adequadamente com as "instruções" emitidas pelo autor-modelo. A respeito desse leitor ideal, Umberto Eco explica: "chamo de leitor-modelo uma espécie de tipo ideal, que o texto não só prevê como colaborador, mas ainda procura criar".
Quebrando de vez o paradigma de um autor personificado concretamente que escreve um texto para um leitor, também personificado concretamente, Eco pergunta: "Quem determina as regras do jogo e as limitações? Em outras palavras, quem constroi o leitor-modelo? O 'autor', dirão... Mas, depois de estabelecer... a distinção entre leitor-modelo e leitor-empírico, cabe-nos ver o autor como uma entidade empírica que escreve a história e decide que leitor-modelo lhe compete construir...?". E responde, de modo enfático: "Deixem-me dizer-lhes que não tenho o menor interesse pelo autor empírico". Em suma, quem pretende orientar as escolhas do leitor-modelo não é o autor-empírico, mas o autor-modelo.
Outro fato importante é que o leitor-empírico efetua a leitura do texto carregando consigo apenas as suas expectativas e desejos... enquanto se esperaria dele, enquanto leitor-modelo, que entrasse no texto pleno das ferramentas interpretativas que admitiriam sua participação no jogo, conforme as regras "sugeridas" pelo autor-modelo.
Uma primeira dúvida que surgiu, a partir desses conceitos trabalhados por Eco, foi a da possibilidade de efetuar uma leitura deixando de lado, de modo absoluto, esse conjunto de experiências, desejos e emoções que somos nós. Ou seja, até que ponto esse leitor-empírico pode dar lugar efetivamente a um leitor-modelo - que, aliás, só se utilizaria das suas vivências "empíricas" caso o autor-modelo solicitasse esse "comportamento"?
Logo a seguir, pensei na dificuldade - ou até impossibilidade - de efetuar uma leitura de um texto sagrado como leitor-modelo, caso não tenhamos aderido à crença apresentada. O excesso de "neutralidade" diante de um texto desse tipo, ou, ainda mais, a "oposição" racional a ele, ainda admitiria que participássemos do "jogo" proposto pelo autor-modelo?
A mim parece que é impossível ser leitor-modelo da Bíblia, caso se seja ateu, por exemplo. A recepção do texto, enquanto meramente histórico ou estético, por outro lado, embora possa ser altamente técnico, sério e bem feito, não me parece "encaixar-se" com a estratégia proposta pelo autor-modelo - que, neste caso específico, corresponde inclusive a vários autores-empíricos. Ou seja, parece-me fazer parte das regras do jogo impostas pelo autor-modelo, no caso da Bíblia, estar disposto a aceitar como verdades certos fatos, que, se são coerentes para quem adotou a fé cristã, de modo algum representa questões sem problemas para quem não aderiu a ela.
Eis que Alan, um "filosofante", como eu - embora vários anos mais jovem -, propôs-me uma questão sobre se a falta de adesão, ou de concordância prévia, mesmo a textos estritamente filosóficos, também não limitaria a nossa atuação como "leitores-modelo" desses textos.
Eu acho que não. Penso que os textos estritamente filosóficos nos "arrastam" necessariamente, através de um desenvolvimento discursivo bem encadeado, a jogar segundo as estratégias do autor-modelo - um filósofo, nesse caso. Mesmo a falta de concordância com o "jogo" como um todo, não impede que se sigam as regras propostas e que "funcionemos" bem, enquanto jogadores/leitores.
E vocês, o que acham?
Um problema que Eco destaca, entretanto, é que "nem sempre o leitor sabe colaborar com... o texto".
A partir dessa observação, Eco se utiliza de dois conceitos interessantes: o leitor-empírico e o leitor-modelo. E desdobrará esses conceitos, criando outro par que se oporá ao anterior: o autor-empírico e o autor-modelo.
Explicando rapidamente, o autor e o leitor empíricos são aqueles que "têm nome e endereço" - como disse o professor Fernando Muniz. Ou seja, são os sujeitos "concretos", que efetivamente escrevem e leem os textos.
Por outro lado, o autor e o leitor modelos são entes "imateriais". O autor-modelo é o "conjunto de estratégias estabelecidas para que o leitor se posicione diante do texto"; enquanto, o leitor-modelo seria aquele sujeito que se relaciona adequadamente com as "instruções" emitidas pelo autor-modelo. A respeito desse leitor ideal, Umberto Eco explica: "chamo de leitor-modelo uma espécie de tipo ideal, que o texto não só prevê como colaborador, mas ainda procura criar".
Quebrando de vez o paradigma de um autor personificado concretamente que escreve um texto para um leitor, também personificado concretamente, Eco pergunta: "Quem determina as regras do jogo e as limitações? Em outras palavras, quem constroi o leitor-modelo? O 'autor', dirão... Mas, depois de estabelecer... a distinção entre leitor-modelo e leitor-empírico, cabe-nos ver o autor como uma entidade empírica que escreve a história e decide que leitor-modelo lhe compete construir...?". E responde, de modo enfático: "Deixem-me dizer-lhes que não tenho o menor interesse pelo autor empírico". Em suma, quem pretende orientar as escolhas do leitor-modelo não é o autor-empírico, mas o autor-modelo.
Outro fato importante é que o leitor-empírico efetua a leitura do texto carregando consigo apenas as suas expectativas e desejos... enquanto se esperaria dele, enquanto leitor-modelo, que entrasse no texto pleno das ferramentas interpretativas que admitiriam sua participação no jogo, conforme as regras "sugeridas" pelo autor-modelo.
Uma primeira dúvida que surgiu, a partir desses conceitos trabalhados por Eco, foi a da possibilidade de efetuar uma leitura deixando de lado, de modo absoluto, esse conjunto de experiências, desejos e emoções que somos nós. Ou seja, até que ponto esse leitor-empírico pode dar lugar efetivamente a um leitor-modelo - que, aliás, só se utilizaria das suas vivências "empíricas" caso o autor-modelo solicitasse esse "comportamento"?
Logo a seguir, pensei na dificuldade - ou até impossibilidade - de efetuar uma leitura de um texto sagrado como leitor-modelo, caso não tenhamos aderido à crença apresentada. O excesso de "neutralidade" diante de um texto desse tipo, ou, ainda mais, a "oposição" racional a ele, ainda admitiria que participássemos do "jogo" proposto pelo autor-modelo?
A mim parece que é impossível ser leitor-modelo da Bíblia, caso se seja ateu, por exemplo. A recepção do texto, enquanto meramente histórico ou estético, por outro lado, embora possa ser altamente técnico, sério e bem feito, não me parece "encaixar-se" com a estratégia proposta pelo autor-modelo - que, neste caso específico, corresponde inclusive a vários autores-empíricos. Ou seja, parece-me fazer parte das regras do jogo impostas pelo autor-modelo, no caso da Bíblia, estar disposto a aceitar como verdades certos fatos, que, se são coerentes para quem adotou a fé cristã, de modo algum representa questões sem problemas para quem não aderiu a ela.
Eis que Alan, um "filosofante", como eu - embora vários anos mais jovem -, propôs-me uma questão sobre se a falta de adesão, ou de concordância prévia, mesmo a textos estritamente filosóficos, também não limitaria a nossa atuação como "leitores-modelo" desses textos.
Eu acho que não. Penso que os textos estritamente filosóficos nos "arrastam" necessariamente, através de um desenvolvimento discursivo bem encadeado, a jogar segundo as estratégias do autor-modelo - um filósofo, nesse caso. Mesmo a falta de concordância com o "jogo" como um todo, não impede que se sigam as regras propostas e que "funcionemos" bem, enquanto jogadores/leitores.
E vocês, o que acham?
Um comentário:
Não tem para onde correr querido amigo Ricardo, estamos diante de um grande problema. E, como creio, alguns poucos comentários não dariam para tratarmos a questão profundamente. Contudo, nos propomos à essa tarefa... que cumpramos então.
De fato, o leitor-modelo seria aquele que joga com as regras "pré-estabelecidas" pelo escritor-modelo. E conquanto haja limitações para esse "jogo", procuramos ao máximo sermos fiéis ao que o autor-modelo nos induz.
Com relação aos textos sagrados, devemos ter um cuidado ao separar as várias peculiaridades que existem. Tomando como exemplo a Bíblia, ela possui textos, sim, de cunho que pretende a conversão de quem a lê, mas também existe nela textos de reflexão como o livro de provérbios, ecleasiaste, eclesiastico, além de livros biográficos como os evangelhos Sinódicos: Mateus, Marcos e Lucas.
Fácil para nós, que concordamos nesse aspecto, é reconhecer que nos textos ditos "sagrados" e que são filosóficos existe a total possibilidade de nos tornamos leitores-modelo. Afinal, a filosofia trataria de um aspecto humano, terreno, que não precisa da fé, como se pensa no senso comum, para comprovar as reflexões proposta pelo autor.
Contudo, creio que a problemática nossa está em separarmos e defirnirmos a intenção do autor do texto sagrado. Até onde meus conhecimentos teológicos vão, posso afirmar-lhe que os textos bíblicos,em certas partes, foram escritos como um fundamento para quem já possuia uma fé correspondente à que o autor está sistematizando. À exemplo: o Pentateuco (Torá, para o judeu, ou os cincos primeiros livros da Bíblia), cujo objetivo é fundamentar uma estória onde YAHWEH é um deus acima de todos os deuses, além de lapidar algumas doutrinas que já existiam na época, ou até mesmo, confrontar uma outra crença. Nesses textos, existe a possibilidade de sermos leitores-modelos se entendermos o que o autor está retratando, sem para isso precisarmos aderir a essa fé.
Em sua maioria, o velho testamento é um momenumento que retrata (mesmo que não historicamente) a histórica do povo judeu, e de como eles foram escolhidos. Ao passo que o novo testamento já trata de uma apologética da fé cristã. Neste último, concordo com você ao dizer que seria impossível para um ateu ser um leitor-modelo. Ademais, existe essa problemática porque quando falamos de textos sagrados já pressupomos que eles se auto consideram "máquinas de conversão". Mas na realidade, a história diz que determinado povo fez o uso desses textos com fins políticos, econômicos e até mesmo espirituais. É fácil observar que na igreja católica, a bíblia é um objeto de conversão, ao passo que no judeu, a torá só serve para ser cumprida... mas não por todos, só por eles.
Por fim, creio que ficará mais claro dizermos se é possível ser ou não leitor-modelo dos textos sagrados se pararmos de nos comportar como pessoas que possuem a pretensão de estudarmos a bíblia, ou qualquer outra texto sagrado, confessionalmente. Portanto, se estudarmos os textos sagrados fenomenológicamente creio que existe total possibilidade de sermos leitores-modelo.
Por isso, grande amigo, quando me referi que a fé que temos em um texto filosófico que conseguimos ser leitores-modelo é a mesma fé que podemos - e devemos - usar no estudo do sagrado. Pois, a teologia, ao contrário dos que creem os sistemáticos, ela não é um estudo de Deus - até porque nossa racionalidade é limitada pelos sentidos - mas um estudo daquilo que os seres humanos pensam, acreditam, ser deus. Se consideramos assim, sim, existe toda a possibilidade de termos êxito em nossa leitura.
Desculpo-me pelo texto prolongado, e espero que tenha feito-me entender. O que vier dessa discussão, continuamos em sala, ou no blog mesmo. Saudações.
PS: tenho um blog de discussão teológica com amigos que fizeram teologia comigo: cristianismolivre.blogspot.com
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