A pergunta não é feita por mim – pelo menos nesse momento -, mas pela “Revista da Semana” (acessível pelo site www.revistadasemana.com.br), logo na capa. O título da matéria é “A crença dos ateus”. Aliás, percepção correta, já que os ateus também crêem em algo: a inexistência do Deus concebido pelas “mitologias” monoteístas... quero dizer, pelas religiões monoteístas. Rsss. A matéria é bem superficial – afinal, a proposta da revista é ser uma espécie de “resumo” das notícias de outros meios de comunicação – e começa com a informação sobre a divulgação, em outdoors, de uma campanha patrocinada por ateus, com dizeres como “Provavelmente Deus não existe. Agora pare de se preocupar e aproveite a vida”. Descrevem-se algumas idéias dos líderes desse “novo ateísmo” mundial, como Richard Dawkins, Christopher Hitchens, Sam Harris e Daniel Dennett. Passa-se por um breve relato histórico da questão sobre a existência, ou não de Deus; destacando tanto o aumento da dúvida depois das atrocidades da Segunda Grande Guerra, quanto a perspectiva da evolução científica em poder explicar tudo; até a constatação de que as religiões continuam fortemente presentes, citando a radicalização de movimentos islâmicos e o crescimento das igrejas evangélicas – que exemplos “valorosos” para a favor da religião, hein!
A revista fala das tentativas de interferência da Igreja no plano secular; passa por uma estatística sobre o ateísmo, onde é apresentada a estimativa de que apenas 2% dos brasileiros são ateus – com fé! Rsss -, embora o número dos “sem religião”, no Brasil, pelo censo de 2000, chegue a 7,3%; e conclui dizendo que “Os argumentos dos novos ateus podem ser usados contra sua própria causa. Não é possível provar a existência de Deus, é certo. Da mesma maneira, a ciência, por trabalhar com probabilidades, jamais conseguiu provar que Deus não existe. A imensa maioria das pessoas jamais viu um átomo. Elas simplesmente acreditam nas representações e nos textos dos livros didáticos. Tudo é questão de crença, alimento para um debate intelectual fascinante”.
A conclusão da matéria não é ruim, mas contém um engano: os “novos ateus” não pretendem provar cientificamente a inexistência de Deus – isso é impossível! Aliás, provar a inexistência normalmente é mais difícil que provar a existência. É como declarar morto alguém desaparecido: fica-se sempre com a impressão que o suposto morto poderá aparecer a qualquer dia. Ao contrário da facilidade de provar a existência, para o que basta apresentar o “ente” em questão e dizer: “Ei-lo!”. O que se pretende é demonstrar que, como dizia Lavoisier, Deus passou a ser uma hipótese não necessária para explicar a natureza. Da mesma forma que se deixou de acreditar nas mitologias greco-romanas – e em tantas outras pelo mundo -, entendendo que não passavam de explicações da realidade que apelavam para uma via “alternativa” à razão, parece-me plausível que se fizesse o mesmo com a “mitologia cristã”, por exemplo. Até porque a maioria dos cristãos já sabe que muito do que a Bíblia diz é “simbólico”. Ou seja, concordam que é uma espécie de mitologia, mas não se desapegam dela, ao contrário do que sugeririam para quem quisesse retomar o culto a Zeus, por exemplo. Além disso, já se criaram explicações teológicas que compatibilizariam a tese darwinista com a tese da criação divina, tornando relativos os dogmas fundamentais. O bom senso exigiria uma coerência maior, penso.De qualquer forma, como diz a conclusão da matéria, “tudo é questão de crença”. E se é questão de crença, uns acreditam em Deus e outros podem não acreditar, sem serem, por isso, seres imorais e insensíveis. Mesmo que não se acredite em Deus, haverá sempre espaço para o mistério e para o absoluto. O problema, a meu ver, é rotular esse mistério-absoluto e dizer-se intérprete único dele. Para concluir, destaco uma citação, pela revista, de Simone de Beauvoir: “É mais fácil pensar em um mundo sem criador do que um criador lidando com todas as contradições do mundo”... acrescentando que, muitas vezes, essas “contradições” significam o bom sofrendo o mal, num reino criado pelo sumamente bom.
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