Concluí a leitura de "Existencialismo - Uma reflexão antropológica e política a partir de Heidegger e Sartre".
No último post que escrevi, registrei que estava entrando no capítulo que falava do tempo. O livro continua por temas bastante próprios ao Existencialismo: a liberdade, o outro e a morte. Minha avaliação é que o livro é muito bom e vale a pena ser lido por quem se interessa pelo Existencialismo.
Mas o post de hoje se refere a algo que me parece uma injustiça. Heidegger atacou Sartre por este ter, de certa forma, retomado o dualismo sujeito-objeto ao criar as figuras do "em-si" e "para-si". O "em-si" é o ente "pronto", com uma essência definida e um sentido determinado. O "para-si" é o ente "inacabado", cuja essência sucede necessariamente à existência e que tem um sentido que será constituído a partir do seu próprio projeto. Isto é, seria o homem. O que me parece a injustiça é que o Dasein heideggeriano também lida com entes que não existem, mas apenas são - como explica o filósofo da Floresta Negra. Ora, isso também não estabelece um dualismo, entre aqueles entes que existem - que somos nós, homens - e aqueles que simplesmente são - a pedra, o automóvel, etc.?
É bem verdade que Heidegger sugere que o "dualismo sartreano" se estabelece a partir de um par consciência-coisa, ao estilo da tradição; dualismo, esse, que teria sido superado pela "Fenomenologia" - pelo menos, em tese. Mas o "para-si" de Sartre também tem uma instância vivencial pré-reflexiva, sendo mais rico, portanto, do que a "consciência" dos filósofos modernos ou que o "sujeito transcendental" de Kant... da mesma forma que também o é o próprio Dasein, de Heidegger.
É curioso como a tradição "pensa" forte em nós. Escrevo, "pensa em nós" como se essa tradição nos tornasse um pouco "passivos", algo como se as "circunstâncias" não quisessem calar, no nosso pensar, e representassem bem aquela equação orteguiana do "eu = eu + circunstâncias" - que viola a lógica formal, mas me parece bem real.
Mas parece existir uma explicação para isso. Comte-Sponville explica em seu dicionário, no verbete "consciência", que "toda consciência supõe certa dualidade. Observa Maine de Biran que 'consciência quer dizer ciência com, ciência de si com a de alguma coisa'".
Obviamente, é por isso que o primeiro passo de qualquer pessoa que queira negar essa dualidade é suprimir o conceito de "consciência". Como os conceitos de "sujeito", "eu", etc. também ficaram muito ligados ao do que é consciente no homem, liquidam-se também estes, restando os metafóricos "existência", "para-si", "Dasein", etc.
Entrentanto, para quem filosofa a partir de Freud - com o eu cindido entre consciente e inconsciente - parece-me que existiria espaço para voltar a usar "sujeito" ou "eu", significando os aspectos psíquicos conscientes e inconscientes, enriquecidos, ainda, pela valorização dos aspectos corporais - este último, como o fez Merleau-Ponty.
E... ponto final, porque isso está ficando muito comprido!
Nenhum comentário:
Postar um comentário