Conforme eu havia prometido, registro um resumo da conversa do filósofo e do devoto que ocorre no livro de Diderot, "O passeio do cético".
O filósofo, habitante da Alameda dos Castanheiros, pergunta ao devoto, habitante da Alameda dos Espinhos, nos anos que percorreu as estradas com mil angústias, se havia percebido algum progresso e se havia visto mais claramente a entrada do palácio do seu soberano ou se aproximado mais dele. E ele próprio responde que, em vez de se esclarecer, o devoto teria se imposto andar às cegas, com os olhos cobertos com uma venda. Lança, então, a pergunta: "Se teu príncipe é razoável e bom, que prazer ele pode ter ao saber que vives em trevas profundas?"
O devoto fica horrorizado. Pergunta ao filósofo como ele ousa negar a existência do príncipe. E afirma para o filósofo: "Quando compareceres diante do príncipe, sem a faixa nos olhos, sem a roupa e sem bastão, serás condenado a tormentos infinitamente mais rigorosos do que os incômodos passageiros aos quais me submeti. Arrisco pouco para ganhar muito; não queres arriscar nada arriscando perder tudo" - Diderot faz clara alusão à "Aposta de Pascal".
O filósofo indica que não haverá "encontro final", se a alma for apenas O filósofo indica que não haverá "encontro final", se a alma for apenas um efeito da organização do corpo. Mas o melhor argumento do filósofo, penso, vem a seguir, quando ele diz: "Mas teu príncipe é soberanamente feliz. Se se basta a si mesmo, como dizes, para que servem tuas promessas, tuas preces e tuas contorções? Ou ele conhece de antemão o que desejas, ou o ignora absolutamente; se conhece, já está determinado a te conceder ou negar o que desejas; tuas preces inoportunas não lhe arrancarão dom algum”. Lembro, aqui, de Spinoza, quando diz algo como “Quem ama a Deus, não pode exigir que Ele lhe ame em troca”.
O devoto explica que terá como recompensa aos seus infortúnios presentes a visão do príncipe sem cessar, e diz que isso se dará “por meio de uma lanterna que nos será incrustada sobre a glândula pineal... e que nos revelará tudo tão claramente que...” – alusão óbvia ao posicionamento da alma, segundo Descartes.
O filósofo o interrompe o devoto dizendo “Mas até agora tua lanterna está embaçada: tudo o que depreende de tuas palavras é que só serves a teu mestre por medo, e que tua afeição é fundada apenas no interesse... ganharias se passasse para o nosso lado: livre do medo e de qualquer interesse, viverias pelo menos tranqüilamente, e, se arriscasses alguma coisa, seria no máximo deixar de existir ao final de sua vida”. Essa é outra passagem em que parecemos ler Spinoza, que despreza o culto que se faz pelo mero “interesse” em receber benesses divinas. Além disso, quando Diderot cita o medo, não há como deixar de lembrar do lema spinozano de que “onde há esperança há medo”... e vice-versa.
O devoto não resiste mais à conversa, que se encerra com um grito de “Demônio! Vade retro” e que chama os guias para prenderem o filósofo, que foge de volta para sua alameda.
O devoto explica que terá como recompensa aos seus infortúnios presentes a visão do príncipe sem cessar, e diz que isso se dará “por meio de uma lanterna que nos será incrustada sobre a glândula pineal... e que nos revelará tudo tão claramente que...” – alusão óbvia ao posicionamento da alma, segundo Descartes.
O filósofo o interrompe o devoto dizendo “Mas até agora tua lanterna está embaçada: tudo o que depreende de tuas palavras é que só serves a teu mestre por medo, e que tua afeição é fundada apenas no interesse... ganharias se passasse para o nosso lado: livre do medo e de qualquer interesse, viverias pelo menos tranqüilamente, e, se arriscasses alguma coisa, seria no máximo deixar de existir ao final de sua vida”. Essa é outra passagem em que parecemos ler Spinoza, que despreza o culto que se faz pelo mero “interesse” em receber benesses divinas. Além disso, quando Diderot cita o medo, não há como deixar de lembrar do lema spinozano de que “onde há esperança há medo”... e vice-versa.
O devoto não resiste mais à conversa, que se encerra com um grito de “Demônio! Vade retro” e que chama os guias para prenderem o filósofo, que foge de volta para sua alameda.
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