As autoras mostram, logo no início de "As asas de Eros", o que aparentava ser Heidegger, até a publicação de correspondência com Arendt, através das palavras de Karl Jaspers: "Heidegger era sem amor, logo tãopouco amável em seu estilo".
Depois da publicidade das cartas trocadas, ficamos conhecendo um Heidegger mais "doce", talvez até chegando a discordar de que era "sem amor", como dissera Jaspers.
O livro apresenta um pouco da história do amor do alemão e da judia filósofos. Porém, ao lado da representação desse ícone da ideia de amor, vêm à tona outras coisas que parecem, em conjunto, diminuir, pelo menos um pouco, a força desse sentimento em Heidegger.
Duas belas citações são feitas sobre o amor. A primeira é de Santo Agostinho - que também aparece numa nota de rodapé de "Ser e tempo": "Não se penetra na verdade a não ser pelo amor". A segunda é de Max Scheler: "O homem, antes de um ser pensante ou um ser volitivo, é um ser amante". Essa segunda citação é apresentada a fim de explicar que nas últimas aulas de Marburg, verão de 1928, Heidegger fizera referência às reflexões trocadas com Scheler.
O livro apresenta a tese do filósofo italiano Giorgio Agamben, que "sustenta que, se Heidegger recorre a Santo Agostinho e a Scheler, isso signifca que o amor é para ele o modo de abertura mais originária do que qualquer conhecimento. E, num certo sentido, 'o problema central de Ser e tempo'".
Eu não conheço o embasamento da tese de Agamben, mas acho difícil reconhecer isso no texto heideggeriano.
De qualquer forma, as passagens do livro referentes à troca de correspondência entre os dois é muito bonita. Numa delas está registrado o que Heidegger escreve à sua aluna: "Tal como és por inteiro, e tal como irás permanecer, é assim que te amo".
Triste perceber a complexidade do amor entre os dois. O livro registra: "Vivem sua relação na clandestinidade. Ele é 17 anos mais velho, é casado e já tem dois filhos. Ela é uma aluna de apenas 18 anos. Legitimamente, Hannah preocupava-se com seu futuro. Para ele, ao contrário, os questionamentos eram vãos, o amor não deixava outra escolha senão 'nos abrir um para o outro e deixar ser o que é'". Um pouco adiante, diz: "Se não resta dúvida de que Heidegger a amou e, impelindo-a a ser livre, ajudou-a a se afirmar, nem por isso deixou de recusar obstinadamente mudar o curso de sua vida por ela. Tinham, decerto, um mundo a dois, mas um mundo circunscrito a momentos fugazes... Ela queria viver a seu lado. Ele pretendia que ela continuasse a ser sua felicidade egoísta e a inspirar suas invenções teóricas. Abandonar a esposa estava fora de questão. Então Hannah partiu".
Eu sei que sou meio "ultrapassado" no que penso ser o amor. Mas que amor é esse que não quer o outro, quando é possível tê-lo... ainda que seja complicado? Eu até entenderia ela abrir mão dele, por um alegado amor, preferindo que ele continuasse a estabilidade de sua vida acadêmica e familiar, para não se ver embaraçado por um romance com uma jovem aluna. Mas essa atitude vinda dele? Pessoalmente, custa-me entender. E nem vou citar, negativamente, o texto, quando diz "ela continuasse a ser sua [dele] felicidade egoísta". "Felicidade egoísta"? Será que cabe falar em amor aqui?
O livro continua falando da relação dos dois. E, para quem lê, fica realmente a impressão de uma profunda identificação - se exatamente "amorosa", não sei! Fato é que o texto cita que Heidegger, no reencontro com Hannah, em 1949, teria dito que esta teria sido "a paixão de sua vida".
Entretanto, surpreendi-me - ser ignorante é horrível, sempre! - com o fato de Heidegger ter tido "inumeráveis casos... até os seus 80 anos". Mais ainda em saber que a própria esposa, Elfride, havia sido uma "proto-Hannah"; afinal, Heidegger, quando tinha 26 anos, fora professor de Filosofia da jovem estudante de Economia, Elfride, com 22 anos, que teria cedido aos encantos da "raposa" - como Hannah o chamaria anos depois.
De qualquer forma, o fechamento do capítulo é bonito.
"Hannah Arendt era bastante consciente de que 'as grandes paixões são raras como as obras primas', segundo frase de Balzac, de que ela se apropriou. Eis provavelmente por que, apesar de todo o horror que lhe inspirava a adesão de Martin Heidegger ao partido nazista, ela preferiu preservar a relação de ambos pela vida inteira. E, mais do que o perdão, o qual ignoramos se de fato ocorreu, deveríamos mais corretamente falar de uma vontade de não renegar o que foi vivido, o acontecimento do amor. Num bilhete de 1960, que ela nunca lhe enviou, confessava-lhe que ele era o homem a quem ela 'permanecera fiel e infiel, sem nunca deixar de amá-lo'. Hannah Arendt e Martin Heidegger - não foi decerto a história de um amor fiel, mas a história da fidelidade ao amor".
8 comentários:
Senhor Ricardo!!
Após mais algumas leituras sobre o amor entre Heid. e Arendt, não posso deixar de continuar a não gostar do homem.
Pode ser filosoficamente muito bom, mas como pessoa …
Encontrei um livro na net sobre ele, infelizmente não se encontra na totalidade, mas o capítulo que li sobre ele e Arendt, mostra-me uma pessoa calculista , fria, falhando no amor e na amizade.
Tanto quanto percebi a correspondência entre os 2 amantes teve 3 fases. Na primeira mostra o predador tentando cercar a presa e não a largando até que a presa cai na sua cilada. Nessa 1ª fase foram escritas cerca de 42 cartas de H. e apenas 3 de A.
Tentei distanciar-me e ver essa relação à luz dos fins dos anos 20, início dos anos 30. Numa sociedade onde o divórcio funcionava como anátema, onde o assumir de uma relação extra- conjugal pudesse colocar em perigo uma carreira promissora como professor universitário.
Ele fez a escolha…só.
Agora umas perguntas para o senhor…rs
Chama-se amor a uma relação em que um dos envolvido, por motivos egoístas,tenta esconder do mundo a sua amada?
Chama-se amor a uma relação em que um dos envolvidos coloca a sua amada em perigo com sua ideologia ?
Chama-se amor a uma relação onde se prefere uma carreira promissora a estar com a amada?
Acho que a minha concepção de amor também está meio demodé…rs
Agora aguardo Simone /Sartre.
Aqui vai o endereço do livro que está na Net de Heidegger.
http://books.google.pt/books?id=iYKBKzPMb48C&pg=PA177&lpg=PA177&dq=o+amor+de+heidegger+e+arendt&source=bl&ots=LQipt8-Tnd&sig=iUkkPOzil-K_nu9VUCYSSiJgIR8&hl=pt-PT&ei=XKaZSpD8F9XajQfasbzABQ&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=2#v=onepage&q=o%20amor%20de%20heidegger%20e%20arendt&f=false
Que tenha um resto de FDS feliz.
Maria
Senhor Ricardo!!!
Onde anda seu amigo Mundy?
Pelo menos têm-se visitado, chegando à conclusão que a distância da casa dele à sua e da sua à casa dele é exactamente a mesma?rs
Diga-lhe, por favor, para ele voltar.
É que nem ele, nem mais ninguém. Será que se foram embora porque eu voltei?
Serei tão desinteressante assim?
Antes que acabe o e-mail...uma óptima semana de trabalho...rs
Apenas lhe estou a escrever para lhe enviar algo mais que descobri numa revista que lhe deve ser familiar..."revista Colt" Há uns anos atrás, para comemorar o dia dos namorados lançaram algo sobre o tema do qual o senhor tem escrito. Lá vai o endereço.
http://revistacult.uol.com.br/website/site.asp?edtCode=80D6EB47-3DC7-4E32-8C2E-950A8017D51C&nwsCode=D1836146-7BFA-4786-97AD-5F864D8FB209
Não está na integra, mas...
quanto ao livro que anda a ler ...gosto particularmente dos títulos...rs
"Nas asas de Eros", parece-me muito bem escolhido. Repare nas derivações de Eros...erótica. erotismo...Acha que tem mais a ver com amor ou com sexo?
Isso me lembra uma poesia de Pessoa
"O o amor é que é essencial
O sexo apenas um acidente
Pode ser igul, ou diferente
O homem não é um animal
Mas um ser inteligente
Embora às vezes doente"
Acho que é assim...
Tenho de ir , meu popó está com um problema eléctrico e tenho, daqui a pouco, uma marcação de consulta de popós.
Maria
Maria:
Acho o amor de ambos meio estranho. Ainda há mais coisas que podem te surpreender neste affair. Colocá-las-ei em breve.
De qualquer forma, dizer que ele "fez a escolha... só" parece-me simplório demais, quando se percebe que, na verdade, Heidegger era uma espécie de professor "Don Juan", pronto a conquistar suas "aluninhas". Portanto, não se trata de não assumir um "grande amor", mas de não assumir todos os "pequenos amores"... e, quiçá, entre eles, o amor por Arendt.
A vileza do ato, portanto, parece-me um pouco maior do que se pode entender analisando o caso superficialmente.
Curiosamente, entretanto, Arendt "participa" dessa "pantomima"... e feliz, até onde percebo. Tanto assim que não se desliga do mestre de atitudes galanteadoras. Será que pelo fato dele ter sido o seu primeiro grande amor?
Eu também fico me questionando que amor é esse. E, como eu, tu pareces também achar essa concepção de amor meio estranha. Acho que somos dois "antiquados". Rsss.
Sobre a parte do livro que encontraste na net, tenho a dizer que este livro é considerado uma das melhores biografias do filósofo alemão. Não por acaso, eu o tenho. Darei uma olhada nas páginas em questão.
O próximo passo será a leitura de Beauvoir e Sartre... e a colocação de um post aqui. Aguarda um pouco.
Desejo-te, sempre, muitas felicidades por aí.
Maria:
Sobre o meu compadre, nem eu estou entendendo bem seu sumiço daqui. Até onde sei, principalmente quando o assunto é futebol, ele está bem próximo da net e dos blogs.
Em relação à proximidade de casas, realmente, como ele diz, a distância continua a mesma, tanto de lá quanto de cá.
Acho que, por esses dias, encontrar-nos-emos fisicamente.
Quanto ao desaparecimento de todos, certamente o "desinteressante" aqui sou eu... e não tu.
Quanto ao título "Nas asas de Eros", também achei muito interessante. É verdade que os termos associados a "Eros" têm uma aparência de serem mais ligados ao sexo do que ao amor, mais "amplo", como o entendemos. Entretanto, imagino que não precisasse ser assim. Basta lembrar que o "amor" (eros)- mesmo o que tem a ver com o sentimento entre homem e mulher... e que extrapola o sentido de ágape e de philia - tem um alcance maior do que o sexo - como sugerem "erotismo", "erótico" e etc.
Por último: o que vem a ser "popó"? Rsss.
Peraí... o finalzinho do meu último comentário ficou meio truncado.
Existem, como bem sabes, três palavras para denotar "amor" em grego: eros, ágape e philia. Sendo philia algo mais próximo à amizade e ágape tendo sido traduzido para o latim como a nossa "caridade", restaria ao "eros" expressar tudo o que não são essas duas coisas. Desta forma, o amor entre homem e mulher, num sentido mais "lato", não apenas sexual, portanto, deveria estar contido nessa palavra.
Desta forma, não entendo o porquê das palavras derivadas de "Eros", no nosso Português, terem essa tendência a demonstrar apenas o que está ligado a sexo.
Devo confessar que fiquei meio confusa com a história do erotismo ...rs
Achei até que aí teria outra conotação e até estava para escrever sobre isso.
Popó é carro...Linguagem infantil...rs
Quanto ao amor de "nossos" amigos...fica meio "estranho" ler as cartas dele, parece que estamos a violar a intimidade deles, né? Por outro lado muito de H. e A. se apercebe através dessas mesmo cartas. Ali, eles se desnudam e mostram o seu lado mais...humano. Quanto a H, não foi nenhuma surpresa para mim...nunca gostei do alemão, ainda mais sabendo que ele era um seguidor de Hitler, sabendo eu que muitos intelectuais de então saíram da Alemanha por causa de uma ideologia com a qual não concordavam. Só para lembrar, temos o caso do Brecht, um dos que mais influenciou o teatro no século XX , e em todos os tempos. Ele não se "vendeu" e preferiu sair da Alemanha e subjugar-se a uma ideologia que não acreditava.
Não compreendo o H., afinal a ideologia a que ele se "converteu" colocava em causa tantos pensamentos do ser e sobretudo a segurança de sua amada. Não, ele não a amou, o senhor tem razão, foi apenas mais uma "aluninha" com quem se meteu. Ou então era um fraco…Arendt sim, a ponto de o perdoar, de divulgar a sua obra , de o amar incondicionalmente. Acaba por ser também meio estranho, 2º li a A. era toda determinada , segura de si, inteligente...Como pode amar até a este ponto? Realmente o amor é o mais poderoso sentimento.
E o senhor…até onde iria por um sentimento assim?
Maria
Ah...o orkut...anda a decepcionar-me...é muito...parado.
Já perdi o "entusiasmo" inicial.
Já entrámos , aqui no trabalho. Fica meio estranho para mim ser esposa do Director.
Enfim...
Minha filha só entra dia 11 e o entusiasmo é quase nulo...Como eu a entendo...rs
maria
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