quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Heidegger e Spinoza

Um dos filmes analisados por Julio Cabrera, em "O cinema pensa", na parte que se refere a Heidegger, é "Baleias de Agosto". O filme, segundo conta o autor do livro, apresenta a vida pacata de duas irmãs velhinhas, aparentemente conscientes de que já viveram "tudo" o que tinham para viver. Numa descrição breve, entretanto, fica clara a diferença entre o "ânimo" das duas irmãs.
Cabrera escreve: "Libby tem a atitude amarga e decepcionada de uma pessoa que já não pode continuar postergando o confronto com o ser mesmo enquanto tal e lamenta não ser suficientemente jovem para continuar sendo inautêntica durante mais um tempo. Mas Sarah, com seu otimismo e sua atitude positiva diante da vida [cuidando do jardim, da limpeza da casa, da comida, de suas roupas], talvez não assuma uma atitude mais heideggeriana do que sua desagradável irmã. Simplesmente tem ainda as forças suficientes para considerar o pouco tempo que lhe resta ainda como 'um futuro', embora curto, mas suficientemente cheio de entes que podem continuar separando-a de sua verdadeira condição, que ela não assume. Sua atitude é mais spinozista do que heideggeriana, 'não pensar na morte', inclusive diante de sua presença próxima".
Quando Cabrera compara as atitudes das irmãs, e, através delas, as perspectivas de Spinoza e Heidegger para com a morte, parece que concorda plenamente com o alemão de que a autenticidade só vem com um enfrentamento antecipado com aquela... do que, particularmente, discordo. Entretanto, quando se continua a ler o texto, a "beatitude" spinozana parece clamar pelo seu reconhecimento.
Julio Cabrera fecha assim o parágrafo: "De qualquer forma, com sua atitude esperançada [Spinoza não gostaria muito do termo, mas...], Sarah parece se abrir de forma mais promissora para o âmbito do ser, ao mostrar uma capacidade de encontro com as coisas simples - flores, objetos de cozinha, roupas - infinitamente maior do que a demonstrada pela irmã. A imersão nos entes de Sarah parece ter uma peso ontológico mais profundo e autêntico do que a de Libby".
Ponto para o "nosso" Spinoza e sua filosofia da felicidade!

3 comentários:

Maria disse...

Senhor Ricardo!!!
Primeiro que seu dia seja borrifado com gotículas de felicidade.
Depois gostaria de lhe dizer que me sinto ter perdido o comboio do seu blog. Embora sempre tivesse sido uma mera viajante nele, nunca assumindo nenhum lugar de destaque, uma vez que meus “comboios “ sejam outros, muito menos objectivos, mas não menos intensos.
De qualquer forma gostei deste último post, eu que sou pouco dada à 7ª arte. E mais uma vez vi a tal aproximação de Espinosa ao budismo…rs A Atitude de Sarah é viver o momento e não deixar que a vida entre em “piloto automático” ou apenas se alimente de um passado que nada traga de novo para o presente.
Depois onde andam os seus amigos mais assíduos do blog? O Cleiton está a fazer a tese, o Guilherme entrou nas aulas, o Júlio desaparece volta e meia por conta dos afazeres, mas e o senhor Mundy? Estou com saudades da escrita Saramaguista(invenção minha) dele.
Por último, fiquei a pensar nas suas palavras sobre o Orkut. Não as entendi mesmo, até que me começaram a aparecer propostas de amigos. Nesse aspecto, nós portugueses, somos menos exuberantes , em particular eu que tenho muita relutância em chamar a alguém amigo. Mas eu não conheço nenhuma daquelas pessoas??!! Mais tarde ainda tentei inscrever a minha filha…mas algo travou…só maiores de 18 anos. Mas por que razão teria ser maior de 18 anos para conversar sobre teatro, ou português, ou novelas, ou…? Depois entendi…rs
Ok, senhor Ricardo, vou tomar cuidado com o Orkut…rs
Maria

Ricardo disse...

Maria:
Há muito tempo, li pela primeira vez o que seria um blog. A definição era algo como um "diário na internet". Fiquei um pouco curioso sobre essa "coisa". Afinal, sempre pensei que um diário fosse algo tão íntimo que não deveria ser possível haver algo desse tipo que é totalmente público - não apenas "aberto", como se nossos pais pudessem simplesmente abrir nossas gavetas, vasculhar sob as camisetas e porem-se a ler nossos sentimentos secretos de angústia, de carência, de "amores", de rancores, etc.
Entretanto, vejo hoje que o blog é realmente um misto do público e do particular - a menos dos blogs mais "famosos". Por aqui, há os momentos de debates e os momentos de registros apenas... um "debate" particular. É óbvio que fico mais satisfeito quando vejo uma ideia minha ecoar, fazendo sentido - ou não - para outra pessoa. Mas há, certamente, às que só fazem sentido para mim... pelo meu momento, pela minha estória, pelas minhas circunstâncias.
Talvez,aí, entre o outro lado - o Orkut. Este tem uma outra proposta, completamente "social". Se alguém lança uma ideia que interessa ser debatida, vou lá e registro minha posição. E pronto. Mas não me sinto à vontade, sinceramente, de colocar fotos familiares, coisas absolutamente pessoais. Quem sabe já estou meio ultrapassado? Rsss
De qualquer forma, sinto falta dos amigos "de sempre" daqui. O meu compadre "off topic" também faz parte dessa história.
Os "acadêmicos" Guilherme e Cleiton são um caso a parte. E, realmente, devem estar bem ocupados com suas tarefas universitárias.
Júlio e alguns outros, estão no estilo [cometa] "Halley". Rsss.
Quanto a ti, gosto que estejas neste "comboio descendente". Como sempre digo que tu compensas com tua sensibilidade as abordagens que poderiam ser meramente teóricas... e o fazes com muito brilhantismo.
Só concluindo esse longo comentário. Vejo que não é tão improvável - como parecia de início - a aproximação de Heidegger com a poesia. E aqui, talvez mais do que ninguém, tu poderás ajudar-me.

Maria disse...

Ricardo!!

Não sei até que ponto é que a poesia é uma “linguagem vaga”. A não ser que para o senhor subjectivo e vaga tenham a mesma conotação.

É possível falar de Pessoa como se fala de Spinoza. A poesia de Pessoa é reflexo do seu pensar , das suas vivências, das suas circunstâncias, certamente que sim, embora ele extravase até isso...até onde sei há muitos poetas/escritores a usar heterónimos, mas até agora não há comparação possível com Pessoa.
Pessoa leva-nos ao nosso interior, mexendo com ele , é como se ele estivesse vivo e conseguisse penetrar em nós. Depois tem heterónimos(obviamente falo dos principais) que se adaptam a todas as pessoas /personalidades. Ele , por vezes é objectivo, e muitas mais outras vezes a subjectividade sai por todos os poros da sua poesia. ..mas aí a arte fala mais alto e aí rendo-me...como em todas as artes depende da forma como o sujeito se posiciona perante o objecto. Será a linguagem dele vaga? Ela não é para os teóricos , ela não é quando fala de mitos, quando fala de grandes portugueses ,ela não o é para os amantes dele, ela não é para mim, A linguagem de Pessoa não é vaga, o que sinto quando o leio é que se pode tornar vago.
Xiiiiiiiiiii, a sara a chamar-me...O e-mail vai assim...perdoe-me.
Amanhã Sara faz anos e vamos sair agora para que a comemoração se inicie. Costumo comemorar mais este dia (27) que o meu próprio aniversário porque foi o dia mais importante da minha vida.Vamos passar estes dias fora.
Um abraço
Maria
PS-Desculpe o comentário meio truncado ...não terei tempo de o rever.