quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O Spinoza de Ghiraldelli

Gosto muito do filósofo Paulo Ghiraldelli Jr. Um de seus últimos livros, "História da Filosofia - dos pré-socráticos a Sto. Agostinho", me parece uma obra de referência. Entretanto, nas obras que tenho de sua autoria, mesmo as que passam por diversos períodos históricos, percebo que ele sempre "esquece" de Spinoza. Fiquei, então, curioso, aguardando o próximo "História da Filosofia", que incluísse nosso caro filósofo. O livro ainda não foi publicado, entretanto, pude ouvir o que Ghiraldelli Jr. pensa sobre Spinoza no CD que acompanhou a revista "Amantes do Pensar - grandes filósofos da História em 30 questões"... e não gostei.
Logo na apresentação do luso-holandês, feito pela entrevistadora Sílvia Sibalde", é dito que Spinoza "ao contrário dos pais, não tinha qualquer identificação com a religião". Na verdade, logo no início, não consta que Spinoza não tivesse identificação com a religião. Ao que parece, durante o período em que seu pai estava vivo, Spinoza manteve-se um estudante dedicado, sendo aluno, inclusive, de um dos mais respeitados rabinos de Amsterdã, Saul Morteira.
Ainda na introdução, a entrevistadora nos informa sobre os motivos da excomunhão de Spinoza. Tudo vai bem, até que ela diz que o luso-holandês morreu de tuberculose com apenas 35 anos, quando sabemos que foi aos 44. O homem já morreu tão cedo, por que "matá-lo" com menos nove anos ainda?
Inicia-se, propriamente, a entrevista com Paulo Ghiraldelli Jr... e surge uma informação bastante problemática: segundo Ghiraldelli, Spinoza "está totalmente voltado para resolver o problema cartesiano: a distinção corpo e mente". O plano de Spinoza me parece muito maior do que esse, embora certamente passe pela solução desse problema.
Já no tocante à diferença entre o pensamento spinozano e o cartesiano sobre a relação corpo e mente, parece que Ghiraldelli acerta ao afirmar que o luso-holandês descarta o dualismo, entendendo corpo e mente como aspectos de uma substância única, sem caracterizá-la como material ou mental.
A seguir vem a pergunta se Spinoza acreditava em Deus. Ghiraldelli responde "Ah, certamente! Não só acreditava em Deus, como esse tipo de... materialismo é determinista. Você tem um Deus que organiza o Cosmos... E essa organização não pode ser aleatória. Ela tem que ter uma inteligência por trás".
Espera lá! "Inteligência por trás" que "organiza o Cosmos"???? Isso é um Deus transcendente! Extinguiu-se a ideia máxima de Spinoza: a imanêcia de Deus na Natureza... e o famoso "Deus sive Natura". Um filósofo do gabarito de Ghiraldelli dizendo isso?! Não dá para entender!
Mesmo reconhecendo que não se pode ser especialista em tudo, se um filósofo vai gravar uma entrevista que será formadora de opinião para muitos iniciantes, ele tem a obrigação de fazer uma pesquisa anterior, para não informar errado.
Ponto negativo para Ghiraldelli nessa!

9 comentários:

Cleitonzm disse...

Bom dia!
Acrescento, a tuas precisas observaçãos,o seguinte: Espinosa não acreditava em Deus, ele o conhecia.

Maria disse...

Cleiton!!!
Podes explicar-me essa?
"Ele o conhecia" pode ter várias conotações. Desculpa a pergunta, mas são vocês os especialistas, eu apenas me limito a gostar de Espinosa e a tentar senti-lo.
Abraço
Maria

Cleitonzm disse...

Maria,

O Deus da filosofia de Espinosa não nos é acessível pela fé, ele nos é conhecido pela o intelecto. o Terceiro gênero de conhecimento é o responsável por nos tornar Deus acessível. As oito primeiras definições da primeria parte da Ética nos apresentam a construção intelectual da idéia de Deus, portanto, não têm nenhuma relação com alguam espécie de crença em Deus. Além do mais, podemos ler em EVP30: "A nossa alma, na medida em que se conhece a si mesma e ao seu corpo do ponto de vista da eternidade, tem necessariamente conhecimento de Deus e sabe que existe em Deus e é concebida por Deus". Temos, portanto, o conhecimento e não a crença em Deus. Se tivéssemos a crença e não o conhecimento estariamos operando no plano dos mistérios que sustentam todo edifício teológico-político. Como sabemos, Espinosa quer implodir esse edifício!

Abraços
Cleiton

Cleitonzm disse...

Maria,

voltei aqui só pra dizer que, talvez, o texto do Deleuze que acabei de postar lá no meu bblog te ajude a entender que Espinosa conhecia Deus.


Abraços
Cleiton

Prof. Guilherme Fauque disse...

Este é o Ghiraldelli... Buenas, diferente de ti eu não gosto tanto assim dele - rssrsrsrsrs. Tenho um problema sério com pessoas petulantes, mas deixa para lá, vamos ao que interessa realmente.

Ghiraldelli não conhece Espinosa, não é o chão dele... e se no chão dele ele já escorrega como se houvesse sabão, no chão alheio então...

Espinosa é mal compreendido até os dias de hoje, mesmo que muitos estudiosos já tenham nos legado belos trabalhos. Mas adentrar ao mundo espinosista é uma tarefa árdua.

Agora... estes erros biográficos crassos mostram, desculpe a ironia, a grande familiaridade do Paulo com o filósofo luso-holandes e grande preocupação que ele teve em buscar, no mínimo, em fazer uma pesquisa prévia para falar de Espinosa.

Reforçado, Espinosa foi um grande estudioso da Torá e do Talmud, quiçá da kabbalah. Tanto que havia esperanças de que se tornasse um Rabino na sua comunidade, segundo dizem alguns biógrafos. Ora, para isto ele devia conhecer muito do assunto. A próxima excomunhão é um assunto delicado e controverso, como vemos no livro do Popkin, que o Ricardo conhece muito bem.

Pelo que entendi de Espinosa, ela não era avesso a religião, apenas não aceitava a superstição, a interpretação literal das escrituras, entre outras coisas. Mas a religiosidade (não religião, o que é bem diferente), sempre esteve presente na sua obra.

Quando ao que ele falou sobre Deus... sem comentários. Até me deu uma dor de barriga terrível aqui. Por isso eu sempre digo... se não tem o que dizer, cala-se a boca. É bem melhor do que falar me#@#.

Ninguém tem a obrigação de saber tudo. Em filosofia o campo é muito vasto, são mas de 2 milênios de história. Agora, ir para uma revista para falar estas coisas... é falta de comprometimento com a filosofia. Se não sabe, não passe informação errada para os leitores.

Prof. Guilherme Fauque disse...

Ah, só para corrigir... quando disse: A próxima excomunhão

Eu quis dizer, obviamente, a 'própria' excomunhão...

Me empolguei e acabei deixando os dedos serem mais rápido que o cérebro - rsrsrsrssrsrsrs

Mas o Ricardo me entende ;).

Ricardo disse...

A primeira coisa que queria registrar é a quantidade de comentários em tão pouco tempo. Sinceramente, adorei.
Agora, aviso a todos os amigos que a nossa cara Maria não é "especialista" em Spinoza, quanto ao aspecto técnico, mas que tem uma "sensibilidade" muito aguçada sobre nosso querido filósofo.
Caute, pessoal! Rsss

Ricardo disse...

Cleiton:
O terceiro gênero de conhecimento - que é dificílimo de definir com precisão... afinal, não é uma intuição mística, mas uma intuição racional - é demais! Na verdade, esse conhecimento do "Todo" - que eu uso mais do que Deus ou Natureza... e que Spinoza me perdoe! Rsss - envolve também, segundo o próprio Spinoza, as relações dos modos com a Substância e dos modos entre si. Ou seja, é um conhecimento "adequado" do "Todo". O perigo é ler apenas trechos da Ética com essa visão "teológica". O texto pode ficar totalmente incoerente, porque se estará com o "Deus" de Abraão, Isaac e Jacó na cabeça. Talvez, esse tenha sido um "erro estratégico" de Spinoza: usar uma palavra tão carregada de conteúdo teológico. Se ele fosse mais contemporâneo... e alemão, teria feito como Heidegger, que em vez de simplesmente falar "homem", adaptou um "Dasein" que é tudo diferente e tudo igual a "homem".
Ainda não li o seu blog hoje, mas fá-lo-ei daqui a pouco.

Ricardo disse...

Caro Guilherme:
Nem precisava fazer a observação sobre o "próprio" em vez do "próximo". Tudo entendido, e tudo bem.
Sobre o seu comentário, totalmente pertinente e acertado. Gostei, principalmente, da parte em que você destaca que Spinoza tinha religiosidade, rejeitando apenas a superstição que sempre envolve as religiões formais. Imagino, inclusive, que era justamente por isso que ele não precisava "aderir" a alguma doutrina específica - como eu citei no seu blog - e que vários grupos pretenderam afirmar que nosso filósofo tivesse feito.
Sobre Ghiraldelli, como você bem disse, Spinoza não é o chão dele. Mas o triste, como concordamos, é tão pouca pesquisa antes de lançar uma entrevista - planejada, diga-se de passagem - sobre determinado filósofo. Eu até entenderia se, no meio de uma entrevista sobre outro pensador, surgisse como tema paralelo Spinoza, e ele tivesse que se manifestar, de sopetão. Mas com tudo "ensaiado", a coisa ficou feia!