terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Marina Silva, sobre o COP 15

A senadora Marina Silva é internacionalmente conhecida por seu posicionamento diante da questão ecológica. Como não poderia deixar de ser, ela esteve presente ao COP 15. Em artigo escrito em O Globo, ela opiniou sobre o resultado do encontro. Gostaria de registrar aqui trechos do texto, não só pela inteligente abordagem, mas também pela inusitada comparação que ela faz ao final... bem típica de um brasileiro.
Escreveu Marina:
"Não se pode dizer que o desenrolar meio decepcionante da Convenção do Clima (COP-15)... tenha sido inusitado ou surpreendente... Os discursos sem correspondência prática, os oportunismos, a defesa repetitiva de posições tradicionais de poder, estava tudo lá... Mas, ao mesmo tempo - e felizmente - [em] um evento do porte da Convenção do Clima... há... a energia e as contradições de um embate que naturalmente desnuda esquemas, expõe vacilos e faz com que as forças reais presentes tenham que lidar com a impossibilidade de manter intactos seus interesses e sejam levadas a pensar, ainda que minimamente, num universo maior do que a sua visão particular... Copenhague mostrou que é preciso mudar o roteiro... No antigo conceito de segurança planetária, o referencial era a guerra... O medo da destruição nuclear, da falta de petróleo, entre tantos ícones dessa ideologia da segurança, alimentou uma indústria bélica monumental para 'cuidar do mundo', segundo a visão dos senhores da guerra... Hoje, o risco ambiental que ameaça o planeta está muito além da capacidade desse antigo conceito, mas ninguém se apresenta, com o mesmo entusiasmo, para evitar a destruição provocada por essa nova forma de guerra. Talvez porque ela acontece em outro plano e não se tenha uma indústria 'bélica' tão lucrativa por trás".
Apesar dessa constatação inicial, Marina reafirma sua fé numa mudança, quando escreve: "... acredito em milagre, e ele já aconteceu: foi a voz da sociedade dizendo que entendeu o tamanho do problema e das dificuldades e que dá respaldo para as mudanças necessárias".
Mas Marina reforça que somente esse "milagre" que ela identificou não resolverá a questão, e diz que os mandatários que não perceberem a necessidade da urgência das mudanças "continuará à cata de milagres, quando na verdade já estão dadas as condições para agir".
Por fim, sua "brasilianidade" coloca as coisas nos seguintes termos: "Desde a Rio 92 sabíamos que haveria esta Copa do clima, mas os atletas não treinaram. Pelo contrário, chegaram em péssima forma física e, em campo, fazem o mínimo para manter o empate, quando não há mais empate possível. Já estamos na hora da cobrança dos pênaltis. E mais uma vez caberá à opinião pública internacional empurrar o time".
A maior dificuldade, parece-me, da questão climática é que ela acabou tomando um viés político e social. Que governo quer, a essa altura de globalização do "desemprego estrutural", abrir mão de sua produtividade frenética - ainda que às expensas dos recursos naturais -, e, com isso, deixar de lado seu crescimento e geração de novos empregos - o que diminui o impacto sobre a área social -, trocando esse momento presente - e as eleições de um futuro imediato - por um benefício que só será plenamente percebido na próxima geração?
Sem falsas ilusões, acho que ninguém, isoladamente, tem condições de fazê-lo. Também é lógico que, a essa altura, quem já se desenvolveu não se importa muito com as necessidades dos países emergentes de o fazer. De outro lado, quem está crescendo se preocupa mais em continuar a fazê-lo, imputando a culpa da situação atual a quem, outrora, poluiu demais, justamente para chegar à situação de desenvolvimento de hoje.
A promotora desse "encontro de opiniões" só poderia ser mesmo uma instituição internacional, com isenção suficiente para convencer a cada um que ele tem que parar um pouco de "olhar para seu próprio umbigo", assumindo, em conjunto, a tarefa de reequilibrar as condições ambientais, o que certamente beneficiará a todos. Mas essa instituição ideal não me parece estar plenamente representada pelo que, hoje, é a ONU.
A situação, penso, já é urgente, mas acho que as providências efetivas só começarão a ser tomadas quando a coisa avançar para o quase insuportável.
Espero que, então, já não seja tarde demais!

5 comentários:

Anônimo disse...

Olá Ricardo. Em geral, concordo com tudo que falou, inclusive da abordagem inteligente da Marina, principalmente em meio a uma época de discursos ecológicos tão vazios de conteúdo.

Entretanto, acho que incluir a questão política e social dentro do “problema climático” é pertinente. Acho que não há necessidade de “vestir um santo despindo outro” para trabalhar seriamente a questão climática, pois o problema é mais profundo do que a necessidade de contínuo crescimento, onde este é só um sintoma. Siga o meu raciocínio: só há uma demanda contínua de crescimento de 4 ou 5% de do PIB anuais para que haja contínua “geração de emprego” é por que a criação de postos de trabalho, hoje, precisa surgir pelo crescimento do consumo – este cada vez mais intenso e implacável. Porém, essa lógica de “sempre consumir mais e mais” não só não está resolvendo o real problema de emprego (afinal, todo o “problema do emprego” não se resume a um mero acréscimo de mais postos de trabalho em um determinado espaço de tempo, há muito mais coisa envolvida) como está também levando a mais demanda por “recursos naturais”, e mais descarte de produtos tóxicos e lixo nesse processo. Ou seja: criamos um estilo de vida insustentável em termos ambientais e ao mesmo tempo ineficiente em termos sociais, e qualquer tentativa de “brecar” esse movimento sem resolver o problema da “fome interminável por consumo” correrá o risco de criar um colapso social sem precedentes. E, não é surpresa que aqueles que têm mais poder econômico e político não queiram se mover para mudar a situação, pois ela os beneficia.

Porém, para nós que não podemos decidir nada ao que concerne ao espaço público ficamos só “na torcida”...
Um abraço.

Ricardo disse...

Amigo Existenz:
Obrigado pela opinião favorável ao meu comentário - ou seria melhor, favorável ao comentário da Marina?
Só gostaria de esclarecer que a minha observação de que o problema ambiental tomou um viés político e social não envolve o pensamento de que sou contra essa abordagem. Esta constatação só reforça, segundo imagino, a complexidade da solução do problema.
Achei perfeito o seu diagnóstico de que "criamos um estilo de vida insustentável em termos ambientais e ao mesmo tempo ineficiente em termos sociais". E imagino que, de algum modo, devamos começar a pensar que cada um de nós, com nosso excesso de "necessidades", precisa participar de um "COP-15 pessoal". Quanto das emissões de gases do efeito estufa são de minha responsabilidade?
Obviamente, há movimentos "macro" que são meramente governamentais, mas certamente há movimentos "micro" que são de cada um de nós.
Não podemos pregar uma "parada no tempo", pois, como você bem identificou "qualquer tentativa de 'brecar' esse movimento sem resolver o problema da 'fome interminável por consumo' correrá o risco de criar um colapso social sem precedentes".
A conscientização sobre um melhor uso dos recursos que estão à nossa disposição - como a água, a energia elétrica, combustíveis renováveis, a necessidade de reciclagem, etc. - já será um grande início, penso, para mudar as coisas. Certamente, não será o único movimento a ser feito. Acho que, como você destacou, temos que migrar para um uso mais consciente do que o planeta nos oferta e para um consumo mais racional dos bens produzidos... sem freadas bruscas, mas virando o volante constantemente, buscando uma direção que permita que continuemos vivendo neste único planeta Terra que temos.

Anônimo disse...

Olá Ricardo. Novamente concordo com você. Porém tenho uma ressalva importante: acho é também importante, mas acho que a ênfase que você deu em certas soluções pontuais de caráter "pessoal" somente (como simplesmente reciclagem de lixo, economia de água, etc...) está mais otimista do que eu colocaria para se resolver o problema. Afinal, se a todo momento estamos comprando um monte de quinquilharias que praticamente não usamos (como você já chamou atenção em outro tópico desse blog), e as descartamos cada vez em menos tempo só para adquirir algo “mais moderno”, acredito que a reciclagem de lixo, a diminuição de desperdício de água em casa, ou o parar de usar sacos plásticos no mercado, por exemplo, não vão ajudar muito por si só a resolver o impacto ambiental produzido pelo nosso estilo de vida (sem falar em como se é planejado o impacto ambiental de grandes obras, de como é feito a exploração dos recursos naturais, do cuidado ambiental que se tem nas indústrias, a forma como há aproveitamento das terras em áreas de encostas ou em zonas próximas à florestas,... ou seja, pontos decisivos para o meio ambiente e que nós não podemos influir)... No entanto, se essa mudança no modo de consumir for acompanhada por boa parte da população e não houver mudanças simultâneas nas decisões políticas para instituir um novo sistema que não se apóie somente no consumo, então a diminuição muito grande do consumo fará com que a economia desmorone por completo, e isso quer dizer muitas empresas irem a falência, o número de desempregados ir para estratosfera, e daí para pior... E isso ocorreria pois todo o sistema se construiu em função da necessidade contínua e crescente de consumo, o que deixa a solução muito mais complicada sem que haja a criação de um modo alternativo de vida e sua rápida substituição como sistema predominante.

Assim, se torna mais claro a minha preocupação por ficarmos confinados à decisão somente do aspecto privado da coisa, pois aqueles poucos que possuem o poder para decidir sobre assuntos de caráter público, em geral, não estão muito comprometidos com uma mudança...
Um abraço.

Ricardo disse...

Amigo Existenz:
Perfeita a sua colocação da necessidade de envolvimento "global"/mundial na solução desse problema. Acertada também a indicação de que o "peso" maior na solução se dará no âmbito político - eu incluiria econômico e social -, que deverá "apostar" numa mudança de "modus vivendi" a fim de que possamos, ainda que respeitando o planeta, trocarmos de foco no que diz respeito ao consumo. Realmente, sem uma decisão política de nível mundial, não haverá possibilidade de solução.
Aqui, eu aproveitaria para traçar um paralelo entre os princípios freudianos do Prazer e da Realidade. Se em algum momento, não abrirmos mão do prazer que nos traz o consumo imediato de bens, através de uma internalização do Princípio da Realidade, em breve, só nos restará anestesiar o desprazer de um mundo em caos ambiental... e, em decorrência disso, em caos social.
Por último. Quis apenas demonstrar que a conscientização, no nível individual, portanto, em relação ao quotidiano pessoal, da necessidade de atitudes de recuperação ambiental (bom uso de recursos naturais, reciclagem, menor desperdício, etc.) também acabam sendo úteis, pois nos educam e nos mostram quão importante é, também, um país agir pelo bem do meio ambiente... o que poderá até acarretar uma percepção do consumismo exagerado em que estamos "metidos".
Abração.

Anônimo disse...

Olá Ricardo. Concordo com tudo que falou. Achei também muito bem colocada a relação que fez entre o Principio do prazer e o da realidade em relação ao nosso comportamento frente ao meio ambiente. Um abraço.