Nesse blog, vários assuntos ficam para trás sem serem "resolvidos", e por isso são assuntos sempre presentes. Aliás, assim é com a Filosofia, de um modo geral.
Por diversas vezes, digo "Depois eu escreverei mais". E, em algumas, acabo não voltando ao assunto por um bom tempo.
Para saldar uma dessas dívidas, esse post é sobre o livro "Contra-história da Filosofia", de Michel Onfray, que, no terceiro volume ("Libertinos barrocos"), fala do nosso querido Spinoza.
O título do capítulo sexto, que trata especificamente do luso-holandês, é sugestivo "Espinosa e 'o que leva à alegria'".
Logo de início, Onfray levanta uma polêmica - como se isso não fosse comum neste autor francês: "os retratos de Espinosa são abundantes, mas nenhum é de fato seguro". Dúvida menor sobre esse grande pensador. Então, deixemo-la de lado.
Onfray traça a trajetória intelectual do pensador luso-holandês, pontuando sua biografia também. E "relança" nova polêmica no ar: "O fim de Espinosa é misterioso: foi um médico vindo de Amsterdã, que encontrou o filósofo... aproveitando-se da situação [ausência dos senhorios], o médico rouba suas economias, uma faca com cabo de prata e foge... abandonando o cadáver de Espinosa em seu quartinho". O "relança", que usei, fica por conta de que esse episódio é narrado pelo biógrafo Johanes Colerus - que escreveu trinta anos após os eventos, diga-se de passagem. Entretanto, é difícil acreditar que o "médico L.M" (conforme registra Colerus), se este era o amigo íntimo do filósofo, o médico e livre pensador Lodewijk Meyer - o que provavelmente é o caso -, pudesse furtar dinheiro do falecido. Talvez, como diz Steven Nadler, em "Espinosa - Vida e Obra", se tratasse, antes, de um recolhimento de pertences pessoais de um amigo, como recordação, "exagerada" pelo senhoria Van der Spyck com a inclusão de dinheiro entre esses pertences tomados.
Interessante o destaque de Onfray de que o "Tratado da Reforma do Entendimento" fala do método - tão em voga na Filosofia Moderna -, em busca de regras de certeza, "mas também de vida filosófica capaz de permitir 'por toda a eternidade, o gozo de uma alegria suprema e incessante'. Projeto existencial, portanto, mas também eudemonista - se não hedonista!".
E é na "onda" do "hedonista", que Onfray entitula o trecho seguinte de "Uma vida epicurista". Neste trecho, Onfray fala daquilo que, além da potência do pensamento, apaixona em Spinoza: seu comportamento. Diz-nos Onfray: "Espinosa vive... de acordo com os princípios de ascese hedonista do filósofo do Jardim, uma vida propriamente epicurista, portanto: vida saudável, sóbria, privada de paixões negativas, voltada para a coincidência entre seus princípios e seu cotidiano...; vida de organização dos prazeres segundo uma aritmética destinada a gerar mais Alegria ao menor custo existencial; vida livre de bugigangas do haver mundano; inteiramente voltada para as virtudes verdadeiras: a razão, a contemplação, a sabedoria, a alegria, a beatitude". Ah.... que inveja! Rsss.
Outra boa aproximação que Onfray faz entre Spinoza e o epicurismo diz respeito à máxima epicurista "Esconde tua vida" e o selo spinozano "Caute", remetendo à sua prudência.
Título de outra parte do capítulo referente a Spinoza é "Nem rir, nem chorar; compreender". Segundo Onfray, essa expressão não se encontra na "Ética", mas na Carta XXX, a Oldenburg. No entanto, na Introdução à Parte III, da Ética, Spinoza escreve: "quero voltar àqueles que preferem detestar ou ridicularizar as afecções e as ações dos homens a conhecê-las", e depois explica que seu intento será justamente o de compreender. Cabe uma aproximação, penso, entre "rir/chorar/compreender" e "ridicularizar/detestar/conhecer". De modo que, penso, em essência, a ideia está tanto na Ética quanto na Carta XXX, que é de 1665.
Onfray, a meu ver, capta bem o espírito spinozano dessa afirmação quando escreve: "o juízo de valor importa pouco, ... não se trata de fazer moral, ... é preciso se situar além do bem e do mal para tentar compreender o que acontece, como e de que maneira...". Que fique claro que "além do bem e do mal", aqui, não significa um "acima do bem e do mal", como um censor, que julga mas não pode ser julgado, mas sim "longe dos preconceitos", "além de uma tábua de valores preestabelecidos".
Aguardem o "Spinoza, por Onfray (2)"!
Nenhum comentário:
Postar um comentário