terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Spinoza, por Onfray (3)

Continuando...
Michel Onfray cita duas passagens, sobre religião, em que Spinoza praticamente repete pensadores gregos distantes.
Na primeira, lembramos imediatamente de Xenófanes, quando o Onfray diz que Spinoza "afirma que um triângulo dotado de palavra exprimiria a natureza triangular de Deus". Na segunda, e nesta o autor francês estabelece esse paralelismo, Onfray escreve que "Espinosa efetua uma genealogia da religião: os homens inventam deuses por medo, por temor. Essa ideia já se encontra em Lucrécio, no seu Da Natureza. Medo do desconhecido, da morte, do tempo que passa, do seu destino, do real, do que resiste ao entendimento, medo de viver. Donde as lógicas irracionais ativadas pelo pensamento mágico, tão prático para conjurar a angústia existencial dos indivíduos e das coletividades".
Aliás, lembro-me também, aqui, da gênese divina segundo Freud.
Mas que se acautele quem imagina Spinoza um "ateu" no sentido comum. O francês também registra que "Espinosa combate sinceramente o ateísmo e recusa que se faça da sua obra um trabalho ímpio e negador de Deus. Mas Deus não tem forma humana, não se pode lhe emprestar sentimentos humanos, ele não é separado do real".
"À sua análise genealógica", escreve ainda Onfray, "o filósofo acrescente uma mecânica das religiões: elas servem para os poderes políticos embasarem sua autoridade". É certo que, devido à laicização atual, esse papel da religião pode ter se enfraquecido em relação à época spinozana. Mas há movimentos teocráticos claros em todo o mundo. E mesmo em países tidos como amplamente laicos, como é o caso do Brasil, por exemplo, forças religiosas pretendem tomar "à força" o papel de solucionadoras de dilemas morais, a partir do uso de regras absolutas, provenientes de uma iluminação sobrenatural. E se vangloriam de estar elegendo "homens de bem" para conduzir as questões políticas. Ou seja, sem perceber claramente, vamos voltando a misturar as questões religiosas e seculares.
Onfray afirma que Spinoza propõe uma religião imanente, sem "além-mundos", e a define resumidamente como "justiça e caridade". Li o Tratado Político, de Spinoza, mas realmente não lembro da informação de Onfray de que isso é "várias vezes escrito" lá. Mas, realmente, lembro da admiração de Spinoza pela figura humana de Jesus Cristo, que Onfray associa a essa religião imanente, escrevendo: "...observemos a vida de Jesus e isolemos seu ensinamento encarnado em exemplos".
Mudando um pouco da religião para a forma da Ética.
Sobre o método geométrico spinozano, Onfray escreve: "A densidade dos encadeamentos matemático e lógicos torna mais lenta a vitalidade do pensamento... A forma apolínea e geométrica obstaculiza o fundo dionisíaco panteísta e poético". E ainda: "A exposição geométrica desejada por Espinosa impede o 'espírito de finura' caro a Pascal. A obra é um monstro filosófico".
O polêmico Onfray, mais uma vez "tumultua" as coisas; afinal, ele é dos que gostam de Spinoza. Esse "monstro filosófico" que ele usa, parece indicar o contrário. Mas não podemos negar que a filosofia francesa tem a fama de dar valor tanto ao conteúdo quanto à forma dos textos... e, a forma spinozana, embora vangloriando-se do rigor, torna-se "pesada", realmente.
E... que venha o "Spinoza, por Onfray (4)"!

Nenhum comentário: