Uma outra passagem do "Cinefilô" mostra-nos como funcionava a ética spinozana... muitas vezes, acusada de "ética egoísta", por quem não a entende bem.
O autor explica que Spinoza constata que "a tristeza de alguém que odiamos nos deixa alegres", mas nosso filósofo mostra que esta é uma "alegria ruim, falsa alegria, que à primeira vista tem aparência de real". E ela é falsa porque se baseia no ódio, que nos submete, tornando-nos passivos. E, enquanto somos meramente passivos, não aumentamos nossa "potência de viver" - esta, sim, permitiria que tivéssemos uma "alegria real".
Então, podemos dizer, realmente, que Spinoza baseia sua ética na própria alegria, mas essa alegria não é egoísta. Somente sendo uma alegria real, baseada no amor, é que ela poderá ser eticamente considerada "boa".
Ollivier mostra que, para Spinoza: "... a paixão, como a ação, ao mesmo tempo que tem efeitos fora de nós, tem, primeiro, efeitos em nós. E se, por um lado, não conseguimos nunca dominar tudo o que acontece 'fora de nós', por outro, não há salvação se não conseguimos dar conta do que acontece 'em nós'"... e "... o ódio destrói aquele que o sente... diminui sua potência". Portanto a "alegria odienta" (desculpem-me a expressão estranha!), fruto de uma "alegria fora de nós", que continua sendo, em nós, simples "ódio", só pode nos destruir!
E Ollivier mostra a sutileza da visão spinozana, dizendo: "O problema do ódio não é que seria 'mau', no sentido moral, senti-lo, mas, sim, que ele me faz mal, é ruim para mim, no sentido da potência e da saúde".
Eu prefiro ficar bem de saúde, sentindo o amor... e afetando e sendo afetado pelo mundo assim. Se isso é "egoísmo"... então, a ética spinozana é realmente uma "ética egoísta"!
2 comentários:
Senhor Ricardo!!!
O senhor já teria respondido à pergunta por via indirecta. Falo do aumento do “conactus” com o amor não correspondido. Fê-lo aqui neste post quando falou da ética de Espinosa(perdoe-me pelo facto de continuar a escrever Espinosa em vez de Spinoza, mas é puro hábito, não teimosice) . O senhor disse que “ele baseia a sua ética na própria alegria”…fiquei a pensar se haveria algum sentimento que nos desse maior alegria que o amor, na minha óptica e forma de viver não o há. Mesmo o não correspondido, seja ele puro e desinteressado , embora meramente passivo, aumentaremos a potência de viver… embora o correspondido a eleve até aos píncaros da lua…rs. Ou seja …viva o amor!!
Agora que mania o senhor tem, não me pode deixar uma paixãozita só para mim? Ok…pode ser o Teatro, aí o senhor não parece gostar muito, embora já tivesse levado sua pequenina a ver algumas peças. Quando vim de Sevilha vinha doida para ir ao teatro à noite…por azar tinha logo 2 peças para ver e parece-me ter escolhido a pior. Mesmo caindo de cansaço lá “agarrei” eu na Sara e lá fomos felizes e contentes. Minha filha gosta tanto de teatro quanto eu. Que prazer dá tentar ver para lá do óbvio, tentar imaginar como faríamos se fossemos nós a estar lá em cima do palco.
Eu especialista em História? Não, falta-me a paixão spinoziana. Quando escolhi cursar História estava tão indecisa que coloquei História , Português e Filosofia (por essa ordem) e também gostava de ter tirado Educação Fisica( meus pais achavam que não era curso para menina tirar), ou seja o que eu queria mesmo ser era professora. Embora minha potência, minha alegria de o ser tenha diminuído (acredito que não encontre um professor em Portugal onde essa alegria não tenha baixado bastante com as últimas medidas do governo que em troca de uns votos, de cativar uma população , de a tentar virar contra nós se esqueceu que um país onde a educação é caótica os alicerces tb o ficam e cai)ainda o faço por paixão.
Xiiiiiiiii assim não vou chegar a horas ao último dia de aulas deste ano lectivo.
Abraços para si e seus amigos
Maria
Caríssima Maria:
Nunca reclamei de escreveres Espinosa. Sei que esse é o hábito na língua portuguesa (que também é a minha). Só registrei - e o faço sempre - que acho incorreto modificar o nome de alguém tão ilustre. Já vi, certa ocasião, que as "traduções" de nomes utilizam esse critério. Não vamos traduzir "Hegel" porque ele é "famoso demais", mas traduzimos "Maquiavel" porque ele é menos famoso. Não acho o critério muito justo. Mas... tudo bem. O importante é que o espírito spinozano pulsa em ti.
Sobre o amor correspondido ou não, acho que cometeste um pequeno engano. O amor que "não necessita" ser correspondido é mais ativo que aquele que "necessita" ser correspondido para tornar o sujeito feliz. Aí, volto ao exemplo de Spinoza sobre o amor a Deus. Ama adequadamente/perfeitamente/ativamente quem ama Deus sem precisar que Ele ame a esta pessoa. É lógico que nossas relações "factuais" com o amor não são dessa natureza. No nosso viver, sim, acredito que a alegria é maior se o amor é correspondido. Mas não é bem esse o viés do pensamento spinozano, que se refere a um amor completamente ativo... independente da causa que vem de fora.
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