sexta-feira, 12 de junho de 2009

A ética spinozana

O livro "Cinefilô" já começou a ser lido, como eu havia dito. A primeira parte referente a Spinoza trata de dois filmes, Beleza Americana e X-Men - e quem pensaria que Spinoza teria algo a ver com X-Men?! Rsss.
Então, motivado pelo livro e pela constante, e justa, solicitação do amigo Júlio de que continuemos falando sobre a ética spinozana, por ora usando uma comparação com uma fábula budista de que me lembrei.
"Um nobre samurai anda pela estrada e vê um velhinho sendo assaltado. Tomado de espírito de justiça, ataca o salteador. Este, armado, reage, golpeando o samurai. Obviamente, melhor preparado, após um período de luta, o samurai retira a arma do oponente e se prepara para o golpe final, que tirará a vida do bandido. Este, em fúria, pela desonra de ser derrotado e estar próximo da morte, cospe sobre o rosto do samurai. Tomado de ódio, o defensor da justiça... liberta o bandido.
Interrogado pelo velhinho, sobre por que iria tirar a vida do salteador antes de ser ofendido pessoalmente e não o fez, depois de o ser, o samurai diz algo como: 'Antes, minha motivação para matá-lo era a justiça, iria fazê-lo pelo bem da sociedade. Isso faz parte da minha missão. Entretanto, depois do cuspe, iria eliminá-lo por ódio, um sentimento menor, referente só a mim. E isso, eu não devo fazer".
O samurai não precisaria ter sido discípulo dos grandes mestres do Japão antigo. Poderia ter nascido em outro lugar e época e ter conhecido meu admirado filósofo Spinoza, que escreveu:
"Uma ação qualquer é dita má na medida em que nasce do ódio... que nos afeta. Ora, nenhuma ação, considerada apenas em si, é boa ou má, mas a mesma... ação é ora boa, ora má". (Ética, IV, prop. 59, demonstração alternativa)
E falando sobre uma estória que não tem a ver, diretamente, com a que contei do samurai, o autor do livro "Cinefilô" diz:
"O que é mau, diz Spinoza, não é desferir um golpe, é desferi-lo com ódio, com o objetivo de destruir diretamente a relação que constitui um outro ser. O vocabulário de Spinoza não é o vocabulário da moral, não evoca o bem e o mal, mas o vocabulário da ética, do bom e do mau. Nada é bom ou mau em si, torna-se mau em função do objetivo a que serve e do afeto que acompanha essa ação. Se batemos com ódio, só então isso é mau".
O autor acrescenta algo interessante:
"Esse problema do mal leva Spinoza a considerações estranhas, por exemplo, sobre o matricídio: Nero mata a própria mãe. Isso é terrível. Entretanto, Spinoza sustenta que o problema não é ele matar a mãe, mas matá-la com ódio. Como matar a própria mãe sem ódio? Isso parece absurdo. Observemos, porém, que podemos efetivamente matar por amor - é o cerne da discussão sobre a eutanásia".
A princípio, o exemplo pode chocar. Mas é importante sempre criticar os nossos preconceitos - no sentido de "coisas que tomamos como verdades irrefutáveis, embora nunca tenhamos realmente refletido sobre elas". E esse é justamente o trabalho da Filosofia.
Vê-se, portanto, o quão contemporânea é a ética spinozana. Afinal, o homem pode ter evoluído tecnicamente, mas emocionalmente deve ter mudado muito pouco em relação aos primeiros hominídeos.
Viu, Júlio, como esse Spinoza sabe muito? E viu como eu continuo cumprindo minha promessa? Rsss

2 comentários:

Júlio disse...

Ricardo, já estou me transformando em um spinozista, pelo menos qt a ética dele. Estou gostando muito dos exemplos. Mas ainda acho que está faltando uma 'ponte' na sua explicação entre a metafísica dele, que vc começou a explicar, com a ética. Mas é verdade que a parte ética é bem 'real'. Ele conseguiu, tv mais do que os existencialistas, revelar o interior dos homens. Essas tais 'paixões' que ele fala foram uma grande explicação para várias coisas.
Está valendo a pena! Não pare!
Ainda temos um novo companheiro. Perguntei se ele gosta do Heidegger. Tomara que sim. Aí vai ficar melhor ainda.
SDS

Anônimo disse...

Muito interessante esta abordagem, não vou esquecer deste exemplo do samurai, me será muito útil - rsrsrsrs.

Realmente, Espinosa pode ser lido de forma muito atual. Por muito tempo nosso querido Espinosa foi "deixado as moscas" por não ser bem compreendido e atualmente suas teses estão sendo vistas com outros olhos.

Muito bom o exemplo!

Abraços