Deixei de registrar, aqui, as últimas aulas do curso "Os Pensadores", que concluí na Casa do Saber.
Nietzsche foi apresentado pela professora Cláudia Castro. Embora ficasse a impressão de que ela dominava o assunto, passando-o com serenidade, sem nenhuma afetação, parece-me que ficou faltando algo. É certo que enfrentar o desafio de "trancafiar" sob conceitos um pensador como Nietzsche é algo muito complexo. Contou-se um pouco da biografia do "bigodudo", usou-se a famosa classificação dos "três Nietzsches", de Charles Andler, comentando-se os livros emblemáticos de cada um dos períodos e o fechamento foi com um estudo um pouco mais atensioso de "Assim falou Zaratustra" - "dissecando" os conceitos nietzscheanos que aí aparecem, como a "Morte de Deus", a "Vontade de Potência" e o "Eterno Retorno".
Comentou-se a "reabilitação" de Nietzsche - depois do seu uso... e abuso, pelo nazismo -, através das interpretações de Heidegger. Curiosamente, Heidegger sofreu, de certo modo, parte desse uso e abuso, também.
Interessante foi que a professora abriu o curso dizendo a seguinte frase: "Não entendi tudo, mas chegar perto de ideias assim é como montar numa vassoura de bruxa. Eu já não era mais o mesmo homem". Mas a frase não se refere a Nietzsche, e sim a... Spinoza; e é de autoria de Deleuze. A professora apenas disse que não encontrou melhor frase para definir seu encontro com Nietzsche.
Outra coisa interessante foi ela ter dito que, se tivesse que concentrar o pensamento de Nietzsche em uma palavra, esta seria "Alegria". Será que ela está lendo Spinoza, pensando que é Nietzsche? Rsss. Eu, na minha humilde opinião, sugeriria "Vida", como palavra-chave para o pensamento de Nietzsche.
Cláudia destacou que a tradução "Vontade de Poder", em vez de "Vontade de Potência" é muito problemática. A primeira dá a impressão de que o que se deseja é dominar, ter poder. Mas isso corresponderia a depender de valores estabelecidos. A segunda expressão dá o tom certo do objetivo de Nietzsche. Algo parecido com o "conatus" spinozano, a "Vontade de Potência" é o "desejo" pela maior atividade do homem, em oposição à sua corriqueira passividade - como a famosa figura da "ovelha do rebanho" da "Genealogia da Moral".
Aliás, aqui cabem parênteses. Como se explicaria Nietzsche dar apoio a um movimento como o nazismo, se este era a maior presentificação do "rebanho", tão desvalorizado por Nietzsche? Roupas, ações, imagens e ideias iguais - isso que é o nazismo -... o que poderia ser menos nietzscheano? Outra confusão que se faz, em relação ao nazismo, é que Nietzsche acolheria a violência dos fortes contras os fracos, pela maior "Vontade de Potência" dos primeiros; o que indicaria que a "raça ariana" seria melhor que outras mais débeis. Isso é absurdo! Os "melhores" de Nietzsche eram melhores não pela força, nem pela "raça", mas pela sua atitude diante da vida, pela sua ausência de passividade - usando o vocabulário spinozano.
O conceito do "Eterno Retorno" também foi bem explicado; afastando-o de um "fato metafísico", que pode sugerir o apoio a uma espécie de espiritualismo, e enquadrando-o sob um enfoque "ético". Se vale a pena que determinado evento se repita eternamente, é porque ele nos traz alegria, ele responde bem à nossa "Vontade de Potência"... então, vale a pena realizá-lo esta vez... ainda que, efetivamente, ele não venha a se repetir. Naquele instante - como já coloquei no post sobre a "eternidade spinozana" -, o tempo fica como que suspenso num instante que é como se fosse eterno.
Valeu a pena!
3 comentários:
Na verdade há uma grande aproximação em vários pontos do pensamento de Nietzsche com Spinoza. Por isso, muitas vezes, temos esta impressão de que a pessoa está falando de Spinoza e não de Nietzsche - rsrsrsrsrs.
Tive aula com um professor que estudou alguns anos na Alemanha, para concluir seu doutorado, e estudou Nietzsche no original. Este professor sempre salienta estas semelhanças e que, inclusive, Nietzsche chegou a declarar em uma carta que enfim tinha encontrado um predecessor, e que predecessor!! Disse ele. Nietzsche se encantou com Spinoza e por isso vemos muitas semelhanças.
Por outro lado, posteriormente, Nietzsche criticou profundamente Spinoza por seu racionalismo ferrenho...
Porém, sabemos que Nietzsche desejava para seus melhores amigos as amarguras da vida - rsrsrsrsrs - Nietzsche acreditava que passar por dificuldades engrandecia o homem e o levava em busca do "além-do-homem". Portanto, quem sabe ele falou mal de Spinoza com o intuíto de engrandecer nosso querido pensador? rsrsrsrsrsrsrsrs - Tá certo, é otimismo demais... mas não podemos negar as muitas semelhanças que encontramos entre eles, embora as grandes diferenças também.
Só deixando mais claro o que no texto pode ser mal interpretado... Nietzsche NÃO APOIOU O NAZISMO! Suas idéias podem ter sido adaptadas ao nazismo, até porque a irmã do Nietzsche era adepta do nazismo. No entanto, Nietzsche nunca apoiou o nazismo, aliás, ele ficou louco antes disto - rsrsrsrs.
Guilherme:
Perdão... o "dar apoio" realmente ficou mal colocado. A intenção era dizer algo referente a Nietzsche "dar suporte ou fundamentar" uma ideia como o nazismo, e não de "referendá-la".
As ideias do "além-do-homem" (como um ser superior) e da moral do "aristocrata", quando "retorcidas" - e foi isso o que a irmã de Nietzsche fez - poderiam sugerir essa "fundamentação" filosófica ao grupo hitlerista - três décadas antes, aliás, quatro, porque na última década de vida, Nietzsche já tinha deixado de exteriorizar seus pensamentos.
Quanto ao que você escreveu da opinião de Nietzsche sobre Spinoza, de ele achar um antecessor, não foi em carta, se não me engano; isso está registrado em um de seus livros - pesquisarei. E, também, como você bem escreveu, depois o Friedrich muda de opinião, lançando sete pedras no nosso luso-holandês, sob a pretensa "racionalidade" que não encontrava limites na realidade. Ledo engano o de Nietzsche.
Falando em Nietzsche e Spinoza, eu fui ao primeiro congresso internacional Nietzsche&Spinoza, que se deu aqui no Rio. Parece-me que em agosto acontecerá o segundo... não sei onde, aqui no Brasil.
O primeiro foi bom. Houve palestras com Chantal Jacquet, Marilena Chauí, Viviane Mosé e vários spinozanos e nietzscheanos.
Você já leu algo da Maria Luísa Ribeiro, uma portuguesa "de maaaaaaaaaais!", sobre o Spinoza?
Há um livro dela, pequeno, chamado "A suprema alegria" - acho que é isso - muuuuuuito bom.
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