Pessoalmente, sou a favor das cotas (ou "quotas", lá nas bandas de Portugal) para acesso às universidades... mas não da racial. Concordo que deva haver uma política afirmativa para aqueles que estão submetidos à situação de inferioridade, inserindo vantagens momentâneas para eles, a fim de que possam "descontar" a desvantagem que têm em relação a outros. É como acontece naquelas brincadeira de corrida entre garotos de tamanhos e idades diferentes, onde o maior diz "Te dou uma vantagem de dez passos!", por exemplo. A partir da vantagem dada, tudo é igual, e ambos correrão da melhor forma possível.
Entretanto, parece-me que os mais desafortunados não são exatamente os negros. Acho que quem está em inferioridade realmente são os alunos da maioria das escolas públicas. Esses sim, sem aulas diárias; com ausência total de professores de determinadas matérias; com recursos didáticos ultrapassados e etc. é que, mesmo tendo o potencial intelectual semelhante a de um aluno da rede particular, carecem de uma "vantagem" inicial.
Não desejo "paternalismo". Afinal, passado o marco do vestibular, ou seja, após entrar pela porta da universidade à frente do seu colega, estará em suas mãos a tarefa de chegar ao diploma. Mesmo durante o percurso, não estarão apagadas as diferenças. Lembro-me muito bem que meu pai comprava, por vezes, mais de um livro de determinada matéria, a pedido meu; o que certamente não será possível para um universitário mais carente... mas não se pode ir "igualando à força" o que é naturalmente diferente. Como é o caso dos dois meninos corredores do exemplo anterior. O que se pode fazer é que ele não seja simplesmente alijado da "corrida"... depois, é com ele mesmo!
Um pouco de informação sobre o tema.
A primeira, publicada na coluna "Opinião" do jornal "O Globo".
"Os Estados Unidos, depois de serem fonte inspiradora de cotas raciais e outras, abrigadas sob a rubrica de 'ações afirmativas', começam a fazer autocrítica, forçados pela Suprema Corte.
A decisão a favor de bombeiros discriminados num concurso interno da corporação em Connecticut, pelo fato de terem pele branca, chega em boa hora, a tempo de alertar congressistas brasileiros para o erro que cometerão se permitirem que o racismo se infiltre no país sob o mesmo disfarce de 'ações afirmativas'. Na verdade, são negativas".
Aliás, no Rio de Janeiro já houve uma reação da Justiça às cotas raciais no vestibular para a Uerj.
Outra, proveniente de entrevista com José Murilo de Carvalho, historiador que já citei em post anterior.
Inquirido sobre as cotas raciais, José Murilo disse: "Não acho que cotas sejam a forma mais adequada... Eu defendo ações afirmativas para levar benefícios a setores historicamente prejudicados... Falar em cotas raciais é complicado, porque se joga fora a grande tradição de miscigenação do país... A miscigenação não acabou com o preconceito... mas eu não acho que a melhor forma de combater um preconceito racial seja reforçando a [ideia de] raça".
Depois, perguntado sobre o que, historicamente, teria levado a essa diferenciação, o historiador diz: "O ponto chave, como indica Joaquim Nabuco, é que a escravidão no Brasil foi mais arguta, não obedeceu à linha da cor... Libertos e mulatos também tiveram escravos. Isso teve um efeito bem ruim, enraizando a escravidão mais profundamente na sociedade. Mas o lado positivo é que não houve a estratificação da linha da raça, que não ficou tão marcada quanto nos EUA".
Sobre esse último aspecto, eu já coloquei um post no blog que tinha antes. Os escravos da cidade tinham a possibilidade de comprar suas alforrias realizando serviços remunerados. Para acelerar esse objetivo, eles adquiriam outros escravos, que também realizavam serviços remunerados, só que para eles. Ou seja, escravos - ou recém-libertos - tinham escravos, também.
A questão é delicada. Mas é sempre necessário refletir sobre esses assuntos... até porque, não se trata de mera especulação, eles estão demandando ações efetivas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário