segunda-feira, 20 de julho de 2009

A entrevista de Heidegger(2)

Retomando...
A entrevista continua com os entrevistadores abordando o afastamento de Heidegger da reitoria. Heidegger explica que, com a intenção de promover as melhorias pretendidas na universidade, propôs a nomeação de colegas jovens, eminentes em suas respectivas áreas, como decanos nas diversas faculdades, sem levar em conta a relação deles com o partido. Já no Natal de 1933, segundo ele, ficou claro que não seria possível introduzir as mudanças pretendidas na universidade, por conta da resistência tanto dos colegas mais antigos quanto do próprio partido nazista.
Heidegger contou ainda que, certo dia, foi chamado pelo ministro, que exigiu a substituição de dois decanos por outros mais ligados ao partido. Nesse momento, ele recusou a pretensão do ministro e apresentou sua demissão.
Heidegger diz que não participou da transmissão do cargo e que o jornal do partido anunciou a nomeação do novo reitor com a manchete "O primeiro reitor nacional-socialista da universidade".
Os entrevistadores perguntam como ficou a situação de Heidegger depois da sua renúncia.
Ele explica que passou a ser vigiado pelo partido, tendo sido informado disso, inclusive, por um aluno-espião. Além disso, narra várias retaliações sofridas, como não ser incluído na lista dos que iriam participar de dois congressos internacionais e ter vários trabalhos submetidos a uma certa dificuldade de circulação.
Entretanto, uma parte que me causou grande surpresa foi o desrespeito com que o filósofo foi tratado mais perto do fim da guerra.
Heidegger narra que "No último ano da guerra, quinhentos dos mais importantes cientistas e artistas foram dispensados de qualquer serviço militar. Eu não estava entre os dispensados. Ao contrário, fui enviado, no verão de 1944, para trabalhar nas escavações de trincheira ao norte do Reno".
E completou que "No semestre de inverno de 1944/45, depois de terminar os trabalhos de trincheira no Reno, anunciei uma preleção com o título 'Dichten und Denken', em certo sentido, uma continuação das preleções sobre Nietzsche [Nota minha: essas preleções reinterpretaram Nietzsche, afastando-o da apropriação nazista], isto é, da tomada de posição frente ao nazismo. Após a segunda aula, fui incluído na convocação geral do povo, o mais idoso de todos os membros convocados do corpo docente".
Parece ficar claro, se acreditarmos completamente no que foi dito, que Heidegger aceitou o cargo com a esperança de melhorar o ensino universitário; que acreditava - talvez ingenuamente, é certo - na possibilidade do partido nazista apoiar essa melhoria; que se desencantou com o governo nazista, ao perceber que a intenção deste não se compatibilizava com seu discurso; que ele não participou de nenhuma ação, nem tinha um ânimo antissemita; que, em função das suas posições firmes, foi prejudicado pelo partido, no que se refere à carreira acadêmica, e que foi discriminado como intelectual, sendo utilizado como mão de obra comum no esforço de guerra e, ainda uma segunda vez discriminado, quando não se levou em consideração sua idade maior neste grupo.
A única coisa que não me parece ficar bem esclarecida é o porquê de tanta demora no anúncio de todos esses fatos. E a demora ainda foi estendida, em relação à concessão da entrevista em 1966, visto que Heidegger condicionou a realização desta à publicação ser efetuada apenas após sua morte.

Um comentário:

Júlio disse...

Ricardo, vc chegou a mesma conclusão que eu. Por mim, o Schumacher da Filsofia tá totalmente inocente. O momento levou muitos a pensarem que aquilo estava certo. Ele errou e foi nessa tb. Mas eu concordo com vc de que ele demorou muito pra acertar as coisas. Se ele já não repetia o que disse inicialmente em 1934 (foi o que ele disse na entrevista) poderia ter falado isso logo depois da guerra.
Já que estamos de acorod nessa questão, acho que podemos passar a falar da filosofia dele a partir de agora.
Gostei da sua conclusão.
SDS.