Há algum tempo eu prometo a visão de Kolakowski sobre alguns dos filósofos que aparecem na pequena coleção de livrinhos lançada recentemente. Hoje, gostaria de falar um pouco do filósofo que "comanda" esse blog... nosso querido Spinoza.
Kolakowski se põe em marcha para avaliar o pensamento de um filósofo de poucos escritos e que concentra sua grande filosofia em um único texto, a "Ética". Pareceria, então, tarefa fácil. Mas não é. Spinoza, apesar de filósofo de sistema, onde tudo tem que se encaixar perfeitamente, e de um "moderno", onde a Epistemologia e o Método seriam as ideias chave, não se deixa apreender facilmente.
O "rígido" modelo matemático adotado por Spinoza, diz-nos logo Kolakowski, deixará transparecer que algumas certezas são artificialmente derivadas dos axiomas com os quais o luso-holandês trabalha inicialmente.
Pessoalmente, acho o modelo spinozano muito bem estruturado, mas a verdade é que a "intuição" da certeza que advém do conjunto de algumas proposições não é tão "imediata" como aquelas provenientes da própria Geometria, de onde o método pretende partir.
Kolakowski, novamente com perspicácia, indica que a pretensão maior do sistema spinozano é a questão ética, mas o que "fica" de Spinoza para a História da Filosofia é sua posição acerca de Deus.
O polonês percebe que Spinoza parte de uma posição parecida com a de Santo Anselmo e Descartes, postulando a existência de Deus pela necessidade de sua própria essência e conceito... mas demonstra que, pelo menos a partir de um certo ponto, o "Deus spinozano" se afasta completamente do "Deus judaico-cristão".
Kolakowski indica que, nas suas próprias cartas, Spinoza reconhece que não resolveu "satisfatoriamente a questão da relação entre Deus e as coisas criadas".
Nas pouquíssimas dez páginas dedicadas ao pensamento de Spinoza, o polonês ainda tem "coragem" para discutir o chamado "panpsiquismo" de Spinoza. O tema é espinhoso - sem qualquer trocadilho com a família "Espiñoza", que parece ter dado origem ao sobrenome de nosso pensador! -, mas Kolakowski o enfrenta em "míseras" sete linhas. Obviamente, fica muito por dizer. Mas é importante registrar a tentativa do polonês de refletir sobre o difícil tema.
Ele escreve: "Cada coisa particular é tanto corpo como ideia. Ser ideia não significa, no entanto, que ela possua vida psíquica própria, mas que é ideia, no sentido de que foi pensada por Deus... Ideia e corpo são, na realidade, uma coisa só. O que ocorre em um também ocorre em outro".
Certamente, o tema mereceria mais espaço. Mas o importante é registrar que ser "extensão e pensamento", ao mesmo tempo, para todas as coisas, não pode ter o mesmo sentido de ser "corpo e alma" como para o ser humano. O "pensamento", aqui, não é simples coleção de "conteúdos mentais", mas uma instância real paralela à física - que diz respeito à extensão.
Como eu disse, o tema não é simples. Aliás, Spinoza é atacado pelo seu "panpsiquismo".
Alguns defensores do luso-holandês sugerem que o que Spinoza quer dizer é que há um nível de realidade que não é meramente material - algo como "forças" ou "energias" -, que estariam presentes em toda a Natureza. Seria uma boa forma de "fugir" aos detratores de Spinoza, mas ainda não acho uma boa saída. Afinal, todas as forças que conhecemos são "físicas" - inclusive é na ciência positiva "Física" que elas são estudadas. Aliás, o que é material deve sua "materialidade/extensividade" ao que é "não material". Isso não é novidade... Fritjof Capra já falava disso no seu "Ponto de Mutação", explicando que há muito mais "vazio" num pedaço de qualquer coisa do que "matéria", em sentido estrito.
Depois eu continuo...
2 comentários:
Senhor Ricardo!!!
Ando a dar em doida com Pessoa ortónimo. Sinceramente não é o meu preferido, mas para ajudar nossos filhos o que é que nós não fazemos?
Curiosamente li algo que vai acicatar mais o gosto pelo poeta português…lá vai…
“Uma característica de Pessoa ortónimo é um sentimento de leveza e tédio, um sentimento existencialista que precede em si mesmo o existencialismo de Sartre por dezenas de anos, mas em que transparece a mesma angústia de viver e o desespero por procura de significados que encontramos tão profundos na "Náusea" do mestre francês.”
Viu??!!
E não se esqueça que ele exclamou um dia “ a minha pátria é a língua portuguesa”. O que faz também com que ele seja vosso e dos restantes países onde se fala a língua de Camões.
Quanto ao resto é muito bom ler o senhor Ricardo em todos os registos e para além de tudo saber (pelo que escreve e por relatos de seus amigos reais) que a sua essência extravasa a sua aparência e que emana uma tranquilidade e uma força de viver que eu gostaria de ter.
Um abraço
Maria
Cara Maria:
Pessoa continua sendo um desafio para mim. Já não bastasse a dificuldade de entender qualquer ser humano, ainda tenho que me debruçar sobre alguém que, assumidamente, não é um só... mas vários.
Como tu disseste, "... com o Pessoa ortônimo", pois há vários "Pessoas". Aliás, será que é o mais correto tentar "agrupá-los"? Certamente "algo" os une... talvez, apenas a "mera coincidência" de compartilharem o mesmo corpo. Rsss.
Sei que tudo tem seu tempo. Já fiz várias "investidas" sobre o "nosso" Pessoa. A cada vez, certamente, incluo mais alguma percepção de quem - ou seria melhor escrever "de quê" ou "de quantos"? - ele é. Já o li muito. Mas falta, talvez, "abrir-me para uma outra dimensão"... aquela do que não está escrito. A esta, com certeza, tu já tiveste acesso. Mas eu não! Infelizmente, só me consigo prender ao estético... falta-me o "salto cego" - de Kierkegaard - para adentrar em outra dimensão pessoana.
Mas não desisto! Rsss. Aliás, peço-te: ajuda-me a continuar "vivenciando"... ainda que de modo "fantasmagórico", a presença dessa outra dimensão. Tenho certeza de que, em algum momento, ingressarei nela.
Sobre a antecipação do Existencialismo, acho que muitos outros o fizeram. Kierkegaard? Certamente... Santo Agostinho? Dizem que sim... Pascal? Acho que também... Pessoa? Parece que entrou na lista.
Uma das ferramentas de Kierkegaard para "existir" sob diversas "existências" foi a utilização dos "heterônimos" - lato sensu. Será que a ausência de um "eu" justifica algo chamado "Existencialismo"? A de um "eu" global, penso, não justificaria. Mas é verdade que cada "persona" dessas é uma "existência" em si. Então, para aquele, especificamente - como é, neste caso, o Pessoa ortônimo -, parece que é possível viver um "clima" Existencialista.
Uma pergunta: será que, na linguagem poética, não existe uma certa tendência natural à angústia, ao desespero, quando se enfrenta o tema "ser humano"?
Por último, agradeço à "tranquilidade e força de viver" que puseste na "minha conta". Rsss.
Não afirmes que gostarias de ser diferente. A tua presença - do jeito que és - é muito agradável a nós, amigos de Spinoza... e teus.
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