sábado, 14 de novembro de 2009

"Apartheid social"

Eu nunca tinha lido a expressão "apartheid social", mas achei o conceito bastante interessante.
A matéria "O resgate da dignidade", publicada no "Le Monde Diplomatique Brasil", de autoria de Silvio Caccia Bava, diz que "o Brasil é o país do apartheid social".
Conforme eu já havia escrito no post sobre a entrevista com Mário Sérgio Cortella, muito mais do que "racismo", no Brasil, tem-se uma discriminação pela condição social. É essa discriminação que tem que ser combatida, fomentando-se políticas positivas de inclusão dessas pessoas, que são relegadas usualmente a "humanos de segunda classe". Foi por esse motivo que eu defendi, naquele post, "quotas" para pessoas de menor capacidade econômica, e não quotas para afrodescendentes.
Entretanto, este post que escrevo, sobre o artigo publicado, é para destacar alguns dados sobre a desigualdade econômica no Brasil.
O primeiro dado diz respeito à distribuição de renda. Ela é tão absurdamente mal feita que apenas 10% da população fica com 75% da riqueza nacional.
Dito isto, o texto comenta a falta de políticas públicas que visem diminuir esse quadro, em vez de apenas disfarçá-lo temporariamente. Selecionei trechos que achei mais interessantes.
"As boas notícias em termos de combate à pobreza e redução da desigualdade... só existem em razão das políticas públicas de transferência de renda. Sem elas, as tendências estruturais de concentração de riqueza e renda se revelariam em toda sua perversidade...
No receituário neoliberal, o assistencialismo ocupa um papel importante. Ele suaviza os impactos sociais do modelo, permitindo que se acentuem os processos de produção de desigualdade...
Os sete anos do governo Lula não operaram reformas estruturais redistributivas... Mas conseguiram construir programas que transferem cerca de 0,5% do PIB para os mais pobres. É nada se comparado com a transferência de renda que as taxas de juros operam em favor dos mais ricos, algo em torno de 6 a 8% do PIB ao ano".
Considero este último parágrafo bastante relevante. Muitos dizem: "Não se deve dar o peixe, mas ensinar a pescar!". Mas é certo que só se pode ensinar a pescar a quem está vivo, e com forças suficientes para encarar o desafio. Portanto, acho que, em situações agudas, é necessário, sim, dar o peixe, para que se possa, depois, ensinar a pescar. Ou seja, não se pode descuidar de quem está em situação de "miséria" - não falo nem mais em "pobreza". Mas, também não se pode parar o processo na entrega do peixe. Há, sim, que se pensar em modificações estruturais, que permitam ao homem em questão aprender a pescar. Os programas "Bolsa isso" e "Bolsa aquilo" não deixam de ser importantes, mas, por si só, não resolverão problema algum, pois não realizam essa modificação estrutural.
Entretanto, não se pode deixar de constatar a "inteligência política" do grupo que chegou ao governo com a eleição de Lula, ao ler a conclusão do texto em questão. Ele diz: "Desde o grande empresário e banqueiro até o brasileiro mais pobre, estão todos satisfeitos, cada qual mirando suas expectativas".
Aliás, essa afirmação me consola um pouco sobre o fato de eu pertencer à minoria de 15% que não aprova o governo Lula, segundo as pesquisas mais recentes. Se "estão todos satisfeitos", eu é que estou errado mesmo... e ponto final!

4 comentários:

Anônimo disse...

Concordo com seu texto, dar o peixe é algo necessário e urgente, mas ensinar a pescar deve ser o objetivo de fato. No entanto, o caminho para se “ensinar a pescar” está cada vez mais difícil de se encontrar por aí. Infelizmente, com raras exceções, outro modo de pensar tomou conta da visão política em geral (o chamado neoliberalismo), mesmo que nunca tenha sido implantado integralmente. No entanto, Lula é ainda uma versão atenuada e “açucarada” dessa visão, o que já não ocorre exatamente assim a seu principal concorrente: Serra e a sua “trupe”. Mas, sua alta popularidade, me parece, vem mais do que conseguiu fazer no sentido de “dar o peixe” do que qualquer outra coisa (e saber divulgar esse fazer, é claro), mas isso já foi suficiente para fazer alguma diferença para as pessoas a ponto delas aprovarem esse governo (principalmente no sentido relativo, ou seja, em relação ao que pode ser feito de comparação ao governo anterior). No entanto, eu e você sabemos que isso não é suficiente, e, talvez, por isso eu não concordaria que você é que “está errado”. Se ainda sim isso for verdade, você encontrou outro “errado” a compartilhar sua situação...

Ricardo disse...

Caro amigo Existenz:
Inicialmente, quero dizer gostei muito de encontrar mais um "errado" como eu. Afinal, em função das pesquisas de opinião - das quais, aliás, eu duvido um pouco -, indicam que eu só encontraria "certos" por aí.
Quanto à sua opinião de que não basta ser aprovado apenas em relação ao governo anterior, compartilho totalmente dela. Entretanto, mais do que isso, o presidente atual se considera o melhor governante de todos os tempos, basta lembrar do seu chavão - "Nunca antes, na História do Brasil,...", e lá vem mais um ato de engrandecimento do próprio governo.
Quanto ao Serra e seu pessoal, nem sei se eles são mais "neoliberais" que o Lula e sua gang - Ops... quero dizer "assessoria". Basta lembrar que nem o pessoal do FHC, do qual fazia parte o Serra e muitos amigos atuais, teve coragem de cobrar "aposentadoria" (na verdade "contribuição social") de quem já estava aposentado, como o Lula fez. Eu até sei que o sistema é participativo, e não individual, mas que é esquisito alguém contribuir para se aposentar e, depois, contribuir para poder continuar aposentado, isso é.
Abração.

Anônimo disse...

Olá Ricardo.
A respeito das pesquisas de opinião, é muito complicado haver uma genuína quantificação da qualidade de um governo por meio delas, principalmente em um país onde: se escolhe o governante por que se foi ou não “com a cara dele”, pela opinião dada pela mídia, pelos pequenos “presentinhos” ganhos durante o tempo de governo (como certas medidas assistencialistas), e, para coroar, não é dado à população em geral o mínimo aprendizado para compreender as decisões políticas e econômicas envolvidas em um governo (como se as pessoas tivessem que já nascer sabendo dessas coisas...).
Quanto a questão dessa cobrança da aposentadoria por parte do Lula, concordo plenamente que, nesse caso, ele foi mais longe do que FHC no seu governo. Por outro lado, pelo menos houve uma pequena melhoria no poder de compra do salário mínimo, o que o FHC não fez. Mas, olhando o placar reconheço que é um pouco complicado decidir quem sai ganhando nesse quesito, apesar do que, talvez, na minha opinião, o Lula se saia um pouco melhor. Um abraço.

Ricardo disse...

Amigo Existenz:
Realmente, os números da Economia, na Era Lula, são mais favoráveis do que na de FHC. É verdade que o cenário internacional é mais favorável e que a carga tributária aumentou ainda mais. Entretanto, houve, parece-me, coisas que melhoraram.
Mas se pensarmos em quanto se gasta mal o dinheiro público, a coisa poderia estar bem melhor.
Sobre as pesquisas, mesmo as "isentas" têm lá os seus problemas, imagine, então, quando elas são "encomendadas".
Abração.