A revista Cult do mês passado publicou uma entrevista ótima com o polêmico Andrew Keen. Para quem ainda não ligou o nome à pessoa, Mr. Keen escreveu um livro em 2007 que agora foi publicado no Brasil, sob o título "O culto do amador", onde questiona violentamente o valor da chamada "Web 2.0" - conjunto de comunidades e serviços on-line que incentivam a participação dos usuários, como este blog, o YouTube, o Orkut, o Facebook, o Twitter.
Não se pode ignorar completamente o sujeito - ainda que não se concorde com suas opiniões -; afinal, ele é graduado em História pela London University e pós-graduado em Ciência Política pela Universidade de Berkeley.
O título desse post é um epíteto que ele mesmo endossa.
Achei interessante registrar aqui algumas de suas ideias, visto que parte delas encontra certos paralelos com um assunto que já debatemos aqui - com participações construtivas do nosso amigo Existenz -, que é a "ideologia embutida na mídia".
Uma das ideias centrais de Keen é a de que o fim da "ditadura de especialistas" poderá dar lugar, na era digital, à "tirania das massas".
Ao contrário dos que acham que as ferramentas da net podem revolucionar apenas positivamente o mundo, dando voz àqueles que normalmente não a teriam, Andrew diz não achar que esteja ocorrendo um "poder das massas" e lembra um conceito muito interessante de Aristóteles, o da "oclocracia". Para quem não lembra, o Estagirita identificava, entre as corruptelas dos diversos modos de exercício do poder, a "oclocracia" como aquela que adviria da "democracia". Só que, em vez de ser exercido pelo "povo" - noção que, na época, incluía apenas a minoria da população -, o poder, na oclocracia, era exercido pela "massa acrítica".
Mais do que isso, Andrew Keen ainda adverte que "por trás dessa oclocracia digital que vivemos, existem novos oligarcas, indivíduos com imenso poder". Ele cita um exemplo interessante: "O ator Stephen Fry 'twitou' uma opinião favorável sobre um livro e esse foi, de imediato, para a lista dos mais vendidos no New York Times". Ele faz questão de ressaltar que não está dizendo que Fry é mal intencionado, mas esse fato sinaliza a possibilidade de manipulação por alguém que o fosse, e que tivesse tantos "seguidores" quanto o ator.
Outro aspecto interessante é a preocupação de Keen com "as crianças que obtêm informações na Wikipedia". Ele toca num ponto que temos discutido aqui, quando diz "todo texto tem o seu viés, o que não significa que seja necessariamente corrupto. O desafio para as crianças é entender isso, em vez de apenas ler esse texto [da Wikipedia] como mera verdade". Sua opinião é que "os professores deveriam focar seus esforços em ensinar as crianças a enxergar o que está por trás desse tipo de texto... que, ainda que apareça no blog mais obscuro, ganha aspecto de verdade".
Ainda sobre a Wikipedia, ele opina: "O maior problema não é o fato de ela conter equívocos, e, sim, o de não haver ninguém que avalie os artigos e assuma a responsabilidade por eles". Em seguida, ele dá um exemplo realmente alarmante: "Eu sempre gosto de lembrar que o verbete da Pamela Anderson, na Wikipedia, é maior e mais meticulosamente elaborado do que o da Joana D'Arc, ou o da Hannah Arendt". Ufa... essa pegou no fígado da Wikipedia!!!
Andrew Keen faz uma comparação que vale a pena acompanhar, entre as ferramentas "néticas" e determinados jornais, embora possa haver algum exageros: "... de fato, não existe 'a verdade'... toda informação vem acompanhada de alguma bagagem cultural... o importante sobre jornais como o Guardian e até talvez o New York Times e o Wall Street Journal é que seu posicionamento é bastante claro e assumido. Não há ambiguidade, não há anonimato. Os autores assumem a responsabilidade por aquilo que escrevem. Esse posicionamento pode não estar estampado na primeira página, mas as pessoas que leem esses jornais sabem o que esperar. Sabem que eles defendem determinadas tendências políticas, econômicas, estéticas e isso não se traduz, de maneira alguma, num defeito. Ao contrário, penso que, quanto mais transparentes forem essas tendências, quanto mais esse posicionamento for assumido e declarado, melhor será o jornal".
Também neste ponto, ele coloca um exemplo a ser considerado: "Como você se informaria sobre o que está acontecendo no Oriente Médio, se quisesse realmente compreender a situação? A única forma de fazê-lo é ler as várias opiniões contrárias... anti-Israel e pró-Palestina..., pró-Israel... e de posicionamento mais equilibrado". E continua numa linha interessante, destacando a atividade, mesmo no ato de receber a informação: "Se ele [o leitor] quiser entender o mundo para se tornar alguém mais informado e, como consequência, um melhor cidadão e um melhor eleitor, ele tem de se esforçar, tem de trabalhar para isso, tem de estar disposto a ler opiniões diferentes e refletir sobre elas com um mínimo de ceticismo".
Penso que selecionamos os veículos que são mais alinhados com os nossos posicionamentos ideológicos ou, pelo menos, que julgamos ter uma isenção maior. Realmente, saber quem veiculou determinada notícia já nos permite fazer uma certa crítica sobre o ideário que está "oculto" naquela interpretação. Nesse quesito, a "Web 2.0" perde um pouco, pois ao mesmo tempo em que conhecemos, por exemplo, um Paulo Ghiraldelli Jr. e o acompanhamos na rede, não conhecemos o "João das Coves", que posta num blog criado com não sei qual finalidade, mas julgamos inicialmente que ele seja tão bem intencionado quanto nós, que temos os nossos blogs.
Fecho esse assunto amanhã.
Penso que selecionamos os veículos que são mais alinhados com os nossos posicionamentos ideológicos ou, pelo menos, que julgamos ter uma isenção maior. Realmente, saber quem veiculou determinada notícia já nos permite fazer uma certa crítica sobre o ideário que está "oculto" naquela interpretação. Nesse quesito, a "Web 2.0" perde um pouco, pois ao mesmo tempo em que conhecemos, por exemplo, um Paulo Ghiraldelli Jr. e o acompanhamos na rede, não conhecemos o "João das Coves", que posta num blog criado com não sei qual finalidade, mas julgamos inicialmente que ele seja tão bem intencionado quanto nós, que temos os nossos blogs.
Fecho esse assunto amanhã.
6 comentários:
Olá Ricardo.
No meu entender, houve alguns equívocos por parte de Andrew. Primeiro e mais importante, me parece ser – e o próprio Andrew, pelo que você colocou, chegou a vislumbrar um pouco esse ponto – que a internet é comandada por uma massa de acríticos. Logo, o que concluo, o problema é o fato deles serem acríticos e não da internet, afinal, uns podem usá-la somente para entrar no Orkut ou no Twitter de pessoas famosas, mas há gente (como eu por exemplo) que a utiliza para procurar livros, artigos e blogs de filosofia e outros assuntos “críticos”. Para mim, a internet possui a grande vantagem de ao mesmo tempo estimular a independência do usuário em acessar a informação, como também de estimular que interaja com o que acessa. Algo muito bastante díspar do que ocorre nas revistas, nos jornais e na TV. Além disso, a internet ainda dá a chance de que mais pessoas possam divulgar suas opiniões e seu modo de pensar para o público em geral (como o que você está fazendo aqui), algo que não pode ser feito pelos meios de comunicação tradicionais, pois são seus poucos detentores que definem quem poderá ou não aparecer, e mesmo, qual trecho do que foi dito que aparecerá. O problema dessa independência, interação e liberdade de expressão não é, então, a sua existência, mas justamente o que se seleciona ou como se participa, o que cai simplesmente no que falei sobre o problema de ser acrítico.
Outra coisa, - o que me pareceu o erro mais grosseiro do autor - as revistas, jornais e a TV em seus noticiários não deixam de forma clara qual é o seu ponto de vista, a sua lógica de pensar, as intenções que norteiam seus conteúdos, necessitando de uma interpretação, de um esforço do pensamento do leitor para tentar “decodificar” isso tudo. Não seria nem preciso dizer que isso é particularmente difícil ou mesmo impossível para um público acrítico (olha a capacidade crítica surgindo de novo!), algo que talvez o Andrew não tenha se dado conta justamente por ser alguém crítico.
A Wikipedia já seria algo um pouco mais complicado, e, para resumir, eu diria que concordo com boa parte do que foi posto. Abraços.
Caro amigo Existenz:
O problema fundamental é sempre o que você citou: uma massa acrítica tendo acesso a informações. Isso vale para qualquer situação no que diz respeito ao conhecimento.
O que parece o ponto chave agora - e aqui eu já pulo para uma observação mais para o meio do seu comentário - é que essa massa acrítica, e mesmo aquela que está pretendendo se tornar mais crítica, perde alguns referenciais que são mais "dissimulados" com a tal "Web 2.0".
Você, da mesma forma que eu, sempre procura refletir sobre o que lê, ou seja, é ativo na "coleta" dos dados e seleciona as próprias fontes. Mas as pessoas que estão no processo de entender melhor o mundo ainda não tem essa percepção. Imaginemos um exemplo bem básico. Pense em alguém que quer estudar Filosofia. A pessoa vai à livraria e vê montes de livros sobre o assunto, mas ainda não tem a "sensibilidade" para saber que a "História da Filosofia" de Hegel só vai até 1831, que o ótimo livro de Danilo Marcondes só dá uma panorama geral das coisas; que Michel Onfray subverte algumas teorias com um olhar crítico, etc. O tal sujeito ainda não tem sensibilidade e, pior, acredita em tudo que lhe for proposto com o mesmo grau de credibilidade.
Pense que ele estará mais sujeito à influência do livreiro desonesto que nós dois.
Muito antes de ler a opinião de Keen, eu já havia sido levado a refletir sobre a ordem nas pesquisas do Google. Não há a mínima garantia de que as primeiras mil informações são as mais "confiáveis". Entretanto, já se pesquisou que rotineiramente os usuários param na primeira página que aparece.
Particularmente, acho a net uma ferramenta fantástica - como também achava os jornais e revistas, antes dela estar tão disponível -, mas penso sobre ela, o mesmo que você em relação aos jornais: não há transparência, nem isenção ideológica total das fontes. Obviamente, isso não é culpa da "instituição" internet, como não era também da "instituição" jornal.
Agora, não há como negar que você está supercerto em dois pontos: primeiro, para quem "sabe usar" as ferramentas, o diálogo que ele permite com os autores é algo interessantíssimo; e, depois, os jornais, revistas, etc. só deixam claras suas ideologias para quem já tem o tal senso crítico, ou acredita em alguém que já o informa sobre isso.
Entretanto, mesmo neste caso, a ideologia dos blogs, twitters, etc. está menos disponível ainda, porque você não consegue nem "compor o cenário", vendo quem participa dele - já que é apenas uma personagem. Imagine um blog do "Sujeito Caraminhola"... quem é esse cara? Você abrir um jornal e perceber que o "Reginaldo Botucatu" escreve lá, permite investigar, pelo menos, quem é o indivíduo "Reginaldo Botucatu".
Um fato que omiti é que o próprio Keen admite que pode ter exagerado um pouco na sua crítica, mas que há muito de fundamento nela. O próprio fato de se permitir que alguém assuma um pseudônimo e que seja, para o usuário comum, pouco "rastreável" no mundo real, já me parece um problema. Há a possibilidade, por exemplo, de um lobista de boa formação, começar a disponibilizar conteúdos interessantes - talvez até escritos por muita gente diferente - e, no meio disso, lançar seus "produtos"... sem que a maior parte das pessoas perceba.
Mas... ainda dá para discutir o assunto. E... muitíssimo obrigado por abrir nova discussão.
Concordo com basicamente todo que você disse. Só faria poucas observações. A mais importante dela é sobre “quem é” aquele que escreve tal coisa em um blog. Esse é um ponto complicado, afinal, como você bem falou podem haver lobistas a utilizar a informação de um determinada fonte de informação para benefícios pessoais, o que é algo bastante sério. Há também a possibilidade de usufruir do anonimato dado pela rede para, de forma irresponsável, emitir informações sem nenhum interesse em estar sendo fidedigno ou não. Esse é um problema da internet, concordo, mas não só da internet - apesar do que ela trouxe questões novas para o problema -,mas também da mídia tradicional. Não é tão difícil encontrar, por exemplo, reportagens compradas em revistas de grande circulação, com o intuito de divulgar uma certa marca ou um certo profissional... Além disso, há casos na mídia tradicional de erros bárbaros em termos de informações fidedignas. Posso citar três exemplos. Primeiro, revista Veja: soube que ela tinha publicado uma vez o absurdo de que se estava produzindo catchup a partir de sangue de boi, para, na semana seguinte, desmentir esse fato, numa nota miudinha num trecho obscuro da revista. Segundo exemplo, o tão famoso caso no programa do Gugu: provavelmente é do conhecimento de todos que o Gugu produziu uma entrevista com um suposto membro do PCC, que, depois, descobriu-se ser uma grande armação. Terceiro exemplo, jornal Fluminense e jornal São Gonçalo: como você deve saber, meu apartamento pegou fogo a alguns anos atrás, o que foi largamente divulgado pelos jornais da região. Nenhum jornal sequer acertou o nome do meu pai (erros muitíssimo grosseiros mesmo, a ponto de se cair na gargalhada de tão distante), mostrando que, de fato, nenhum deles tinha interesse em ser corretos na informação que estavam passando ao público. E quem seria o responsável por esse erro, os jornais (que, lembrando, não é uma pessoa), cada jornalista de cada jornal (afinal, em cada jornal aparecia um nome diferente), o editor chefe de cada um, os donos dos jornais, ou todos?... E, meu amigo, essa é só a ponta do iceberg... Um abraço.
Amigo Existenz:
Aos poucos vamos complementando algumas informações e "encaixando" melhor as coisas.
Concordo com o que você disse. Um ponto que você citou é que a internet pode ter trazido "questões novas para o problema". Eu diria até um pouco mais "talvez ela tenha agudizado alguns problemas já existentes". Você citou exemplos concretos de "erros" jornalísticos - mesmo que realizados por má-fé, como ocorreu, provavelmente, no caso do Gugu. O fato, entretanto, é que você pode entrar na Justiça contra um jornal, uma revista, uma emissora de TV. Se ela vai "repassar" a responsabilidade para o jornalista, para o editor, ou para o faxineiro, é problema dela, mas existe uma "personalidade" que será responsabilizada. Ocorre algo parecido com compras em lojas físicas e em lojas virtuais. Recuperar uma perda em lojas virtuais é mais difícil. Não é que as lojas virtuais tenham criado um problema, ele já existia com lojas físicas, mas foram "agudizados" com as compras pela net.
Por enquanto, é isso.
Abração.
Colocações pertinentes e corretas. Concordo, portanto.
Rapaz... mas que "suadouro" para ler um "concordo", escrito por você. Rsss. Estou brincando.
Mas o fato é que sua visão, sempre embasada, ainda que criticando meus pontos de vista, é que alimenta a construção desse nosso prédio de "conhecimentos".
Obrigado, sempre, pela participação.
E... ufa, consegui! Rsss
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