sábado, 28 de novembro de 2009

"O curso das ideias" (2)

Achei o livro "O curso das ideias - História do pensamento político no mundo e no Brasil", de Roberto Saturnino Braga, fantástico!!!
Já havia listado algumas informações sobre ele no último post. Mas eram mais sobre a estrutura do livro. Agora, com o livro lido, o conteúdo já pode ser avaliado.
Aliás, antes de falar especificamente do conteúdo, uma observação altamente relevante sobre a "forma". O livro passa incólume a uma revisão de Português. Um dos raríssimos livros que li que contém esse atributo. Nesse quesito, recomendaria apenas o destaque dos títulos das obras citadas (em itálico ou entre aspas).
Mas, voltando ao conteúdo...
Antes de comentar o "mar" de aspectos positivos do livro, uma pequena crítica (uma "gota", comparada ao tanto de qualidades do livro).
Primeiro, sobre a "vontade geral" em Rousseau. Saturnino enfatiza que ela equivale à "vontade da maioria" ou à "vontade do povo". Particularmente, discordo do autor. Um dos conceitos mais interessantes em Rousseau é justamente esse da "vontade geral", que corresponde a uma vontade do corpo social como um todo. Nesse tipo de vontade, o que se procura é aquilo que aumenta a qualidade de "vida" da comunidade. A vontade individual é relegada a segundo plano. O ponto chave nesse conceito, entretanto, é que ele exige uma "consciência social" enooooorme, visto que, em determinados momentos, o indivíduo vai apoiar opções que vão diametralmente contra aquilo que deseja... tudo em nome da sociedade.
Quando Saturnino indica a total paridade entre os conceitos de "vontade geral" e "vontade da maioria" ou "do povo", ele parece esquecer que a tal "vontade da maioria" só realiza o "egoísmo" num grau de generalidade maior. É difícil concordar que o "povo" terá consciência suficiente para escolher o que lhe prejudica, a fim de aumentar a "saúde" do "tecido social".
Segundo, sobre a visão da democracia no mundo. Saturnino pensa que a democracia está "consolidada em definitivo". Mesmo reconhecendo que, de um modo geral, a democracia se estabeleceu como melhor regime a ser adotado, não há como negar que há diversas tentativas de estabelecer regimes que, se não são autoritários, não são exatamente democráticos. Nós sul-americanos temos vários exemplos perto de nós, com Zelayas e Chavez que só trocam de nome e de país.
Antes de passar para as ideias políticas no Brasil, Saturnino propõe três soluções para a crise em que nosso mundo se "meteu". Lindas teses, mas que me parecem utópicas demais. Mas nem é isso que quero criticar. 
A sua primeira proposta diz respeito à redução da jornada de trabalho, de modo agudo, composta de quatro horas diárias. Segundo ele: "O volume de emprego mais que dobraria, a massa excluída cairia a quase desaparecer, e a disponibilidade de tempo dos trabalhadores para cuidar do seu desenvolvimento espiritual e cultural seria capaz de produzir, sim, um extraordinário salto qualitativo na evolução do espírito humano".
Saturnino, de que planeta você está falando? Ou, para não ser tão radical: de que cultura você está falando?
A tese da redução da jornada a níveis de quatro horas diários já me parece complicada demais, mas a de que os homens gastarão suas horas vagas para "desenvolvimento espiritual e cultural" me parece fantasiosa demais. Lembremos que ele está falando de uma massa global de pessoas. Aqui no Brasil, por exemplo, a grande maioria se preocuparia em ver mais novela, beber mais cerveja e aproveitar as baladas ou os pagodes por mais tempo. Eu não acredito que, com raras exceções, o mundo todo investisse mais em cultura que em um lazer "vazio".
Mas... ele já havia colocado, no começo do livro, que acredita numa evolução constante do homem, no sentido moral... enquanto eu só consigo vislumbrar uma evolução tecnológica, enquanto, moralmente, temos apenas "idas e vindas" em torno de um mesmo nível.
Espero que ele seja o certo e eu o errado!
Em breve falo de tudo o que o livro tem de bom... que é a maioria esmagadora de suas páginas.

4 comentários:

Anônimo disse...

Olá Ricardo. Algumas observações.
Primeiro a respeito da democracia. Não acredito que vivemos em uma democracia plena e muito menos “consolidada em definitivo”, e isso nada tem a ver com Chavez. Vemos um sistema pouco transparente, com um poder excessivamente centralizado (tanto no que tange ao público quanto ao privado), numa acumulação de poder político diretamente relacionada com o capital econômico e simbólico obtido por meio de seus patrocinadores, fortunas pessoais, e grupos a que veladamente estão ligados, em vez de por meio de apoio e sustentação popular. E essa alocação do poder ocorre sem que necessariamente haja o debate público de idéias e projetos, sem que o próprio eleitorado saiba em quem e como votar (os meios de comunicação de massa fazem um desserviço nesse quesito, apesar do que o problema não se resume a isso), sem que haja qualquer participação popular além do mero ato de votar de 2 em 2 anos (que nem isso é legítimo, afinal somos obrigados, querendo ou não, a participar e assim aparentemente legitimar esse sistema). Ou seja, uma democracia representativa onde o que se encontra menos são “representantes”, e isso fica claro quando se olha ao redor, e se vê todos descontentes e impotentes segundo o andar dos fatos e decisões que ocorrem num longínquo e estranho lugar chamado Brasília...
Segundo: sobre a diminuição da jornada de trabalho. Sou a favor. Gostaria como Saturnino que as pessoas dedicassem mais tempo para seu desenvolvimento espiritual e cultural, mas sei que isso é pedir muito no mundo de hoje. No entanto, não acho que caiba a mim dizer o que cada um deve fazer no seu tempo livre, ou mesmo determinar, em função disso, que boa parte de sua vida (pois, além das 8 horas diárias, das horas extras muitas vezes não remuneradas, dos trabalhos ao sábados e algumas vezes aos domingos, ainda sobra as mais de 3 horas diárias de trajeto para ir e para voltar e, em alguns casos, até mesmo uma parte do suposto “tempo livre” também deverá ser dedicado ao trabalho) será dedicada a um ambiente muitas vezes estressante, tenso, que muitas vezes será o lugar que trará as maiores “doenças” emocionais, e angustias àquele indivíduo. Quem sou eu para querer separar por quase um dia inteiro, quase todos os dias da semana um pai de um filho só por que não aceito que seu modo de se passar o tempo livre seja de “tal forma” e não de outra. No entanto, não esqueçamos que em que época vivemos, em que valores, estímulos, prazeres, costumes, inclinações são as predominantes em nossa sociedade, e vemos que desde o tempo livre gasto nos shopping centers e em “biritas” pelas massas, até o tempo livre gasto em vinhos caros e na Daslu por aqueles que têm mais poder econômico, sempre se orbita em mais ou menos os mesmos espectros, e que, não coincidentemente, tem relação com a concentração de poder evidenciada nos espaços público e privados (o que conta, evidentemente, o campo político) e com a falta generalizada, não importa a classe social, do “bom senso” gramsciano (o que se existisse abundantemente, talvez, já fosse mais do que o suficiente para as pessoas procurarem mais o desenvolvimento espiritual e cultural e lutassem para instituir uma verdadeira democracia).
Um abraço.

Maria disse...

Senhor Ricardo!!
Me perdoe andar tão calada, mas, realmente ando sem tempo aqui. Apenas agora me sentei um pouco e fui ver as notícias da educação. Mudou a ministra, houve algumas mudanças, mas me parece que continuamos na mesma.
Bem...ao espreitar o blog que "sigo", sem me ter tornado seguidora vim algo que acho que gostará de ler. Por isso lá vai...Ora espreite aí nesse endereço: http://www.profblog.org/2009/11/antonio-damasio-ve-arte-como.html
Bem...Já me estão a chamar...Ufa!!
Tenha uma óptima semana.
Maria

Maria disse...

"Vim"??!!
Realmente o cansaço ...
Muita chuva aqui e frio, troca?
No blog que lhe enviei o endereço há algo mais interessante...algo sobre o cérebro.Divirta-se.
Onde anda o pessoal "velhote"?

Ricardo disse...

Cara Maria:
Já li o artigo... realmente, é muito interessante.
A ideia de Damásio sobre essa "afecção" gerada pelo "objeto artístico" me parece - ainda que sem as ferramentas teóricas do neurocientista - um fato.
A arte sempre procura isso. E só pode ser arte o que gera essa "sensação estética" - expressão que é quase redundante, em virtude da origem etimológica de "estética" já indicar algo ligado à sensação.
Mas há mais do que ser "simulações". É lógico que choramos com um filme triste e rimos diante de uma comédia... mas há outras afecções que são mais delicadas do que essa.
E Pavarotti realmente acerta ao colocar a criação artística acima da criação científica ou tecnológica... se é possível, mesmo, fazer uma comparação.
Uma coisa que sempre me chama atenção nas artes é que, apesar da nossa sociedade utilitarista, conseguimos dar valor a algo que, em si - retirado o marketing -, não tem como ser valorado.
Uma das classificações possíveis para a arte, na minha humilde opinião, é ser isso que tem um imenso valor (estético) para nós sem precisar ter nenhum valor (monetário).