AVISO AOS "NAVEGANTES": O post abaixo é uma reprodução do trecho "Sobre Spinoza", do livro "Horror Metafísico", de Leszek Kolakowski. Ele interessa mais àqueles que apreciam a Metafísica spinozana, principalmente no que concerne à visão de Deus.
"Que o indivisível Todo - ou o Absoluto - está 'dentro' de coisas específicas, e consequentemente em cada um de nós, é um dogma que aparece, constantemente expresso nas obras de aproximadamente todos os platônicos, incluindo Plotino, Proclo, Damáscio, Eckhart e Nicolau de Cusa, entretanto, deve ter sido difícil e embaraçoso tornar esta ideia compatível com a noção do Único autocontido. Detectamos isto em Spinoza, que teve de lutar contra problemas pavorosos e quase intratáveis quando tentou expressar este ponto de vista em seu idioma basicamente cartesiano, desenvolvido para um propósito completamente diferente. Enquanto negando que o esse da substância pertence à essência humana (Ética, II, Prop. 10 e escólio), ele afirma que coisas específicas, isto é, 'modificações' ou 'afecções' de Deus, O 'expressam' (I,25, corolário). O corpo e sua ideia são a mesma coisa, vistas diferentemente, como, observa ele, alguns judeus vagamente assumiram, ao dizer que Deus, o intelecto de Deus e as coisas que cercam Seu intelecto são a mesma coisa. Ele ainda afirma que a mente humana faz parte do infinito intelecto de Deus (II, 11, corolário), mesmo que Deus, sendo indivisível, obviamente não possua partes (I,13), e que o eterno amor intelectual de Deus, do qual somos capazes, seja parte do infinito autoamor de Deus (V,26). Que todas as coisas estão 'dentro' de Deus é, para ele, tão axiomaticamente correto e que Deus não pode estar 'dentro' das coisas não é menos óbvio, pois, neste caso, 'dentro' refere-se à absoluta dependência. E então, sem ser capaz de falar sobre a presença de Deus 'dentro' de nós, ele vê seres humanos - e todos os seres, para esta questão - como modificações ou afecções de Deus, apesar do fato de que a substância, sendo impassível, imutável e indivisível, não pode ser 'modificada' ou 'afetada' no sentido de ser mudada por ações de indivíduos finitos. As contradições aparentes são solúveis, contudo, na suposição de que, em cada coisa específica, Deus está na verdade 'modificado' [Nota minha: talvez, aqui, seja 'modificando-se'] ou expressando-se. Em outras palavras, Spinoza parece repetir, num dialeto mais moderno, a mesma intuição que Eckhart explicou ao falar sobre o vislumbre de divindades dentro de nós ou sobre o nascimento de Deus na alma e que De Cusa tentou desvendar nomeando o mundo explicatio (no sentido de desdobrar-se) de Deus e Deus complicatio do mundo (enrolando, descortinando). Deus é como um ponto numa linha: presente em todo lugar, nunca dividido, sempre único. Atma é Brahma.
Diferente de antigos platônicos, o pseudocartesianismo de Amsterdã ('pseudo' porque não foi retido nenhum traço do Cogito ou da 'subjetividade' em sua teologia) não considerava o absoluto inefável. Parecia satisfazer-se com as riquezas de sua língua. A crítica empirista e racionalista rapidamente simplificou seu monumento laboriosamente construído de método 'geométrico'. O trem da modernidade estava fatalmente indo na direção do mesmo abismo de um Vazio duplo: o Uno e o Cogito foram convertidos, passo a passo, em nihilum. Certamente, nunca desapareceram completamente. A metafísica - no sentido de busca a um Ser arraigado em si próprio - sobreviveu, deslocando-se para um tipo de demi-monde da vida filosófica. Sua linguagem não tem sido amplamente legalizada".
Pode-se perceber claramente como Kolakowski associa o pensamento spinozano ao dos neoplatônicos. Entretanto, é curioso isso ocorrer, visto que o próprio polonês indica que, para Spinoza, o Absoluto não era inefável. É como se algumas semelhanças - embora realmente existentes - pudessem eliminar uma série de diferenças.
Apesar deste texto interessar mais aos spinozanos que dão destaque ao aspecto metafísico da Ética, há diversos pontos, no livro, em que Kolakowski analisa o Absoluto/Deus, levantando questões que interessam a todos.
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