O título do post é o mesmo do décimo capítulo do livro "Os filósofos e o amor", e trata do relacionamento entre Sartre e Simone de Beauvoir.
O texto começa assim: "Eles teriam encontrado a saída para as mentiras nojentas, os divórcios atrozes, o cotidiano de chinelos degradando lentamente a luz rosada dos beijos do começo. Duas mentes brilhantes teriam conjurado o malefício imemorial que envenenava o amor. A armadilha do ciúme finalmente desmontada. Um laço amoroso intenso e, apesar disso, não exclusivo.
Sabemos que a realidade foi um pouco menos gloriosa, depois que correspondências privadas e revelações escabrosas sucederam-se. Seria amor, aliás, essa associação? ".
Sabemos que a realidade foi um pouco menos gloriosa, depois que correspondências privadas e revelações escabrosas sucederam-se. Seria amor, aliás, essa associação? ".
Na minha cabeça, ainda existia uma certa idealização desse "amor" como possibilidade de escapar ao ciúme... embora não seja esse o tipo de amor que eu gostaria de fruir. Mas, ao longo da leitura, essa "ilusão" foi se desfazendo.
A própria Beauvoir, respondendo a uma admiradora que lhe perguntava sobre a natureza da relação do casal, disse: "Um casal de palavras e de trocas de ideias"... o que, segundo as autoras do livro, "não carecia de uma imensa ternura".
O livro explica algo sobre o "pacto" entre os dois: "Desde o início reinou entre os dois o famoso pacto de liberdade sexual e sentimental... nas palavras de Beauvoir: 'Entre nós, ele [Sartre] me explicava, trata-se de um amor necessário; convém conhecermos amores contingentes'". As autoras comentam: "Obviamente, o achado é de Sartre", talvez fazendo uma ponte com uma informação anterior de que o filósofo teria, em tempos idos, sofrido uma desilusão amorosa com uma tal Simone Jollivet, após o que teria registrado que não desejava mais viver a emoção do ciúme. A saída, então, seria, na cabeça de Sartre, uma relação como a que propunha à outra Simone... a de Beauvoir, que a aceitou.
Parece, entretanto, que essa emoção chamada ciúme não deixou Beauvoir totalmente em paz. E, disso, ela dá mostras no seu romance "A convidada", dedicado à jovem russa Olga, por quem Sartre se fascinara. No final do tal livro, a personagem Françoise - que seria a própria Simone de Beauvoir - mata sua rival de relacionamento - aquela que seria Olga. Perguntam as autoras "Então, por que a transparência a todo custo, uma vez que se verifica tão dolorosa?". Aliás, em passagem anterior, as autoras citam algo bastante interessante, sobre um sentimento de Sartre em relação à mesma Olga. Em carta escrita à Simone, Sartre diz que, estando envolvido com Olga, tomado por uma espécie de "medo", "contracristalizou-se". Algo como, "fechou-se para as emoções". E, numa ótima observação, as autoras escrevem "Matar a vida para melhor sobreviver".
Agora, vem uma pergunta: Se o amor liberta e a rotina aprisiona, justifica-se abrir mão do casamento - segundo os padrões "usuais"? Eu, pessoalmente, penso que não.
O que será que faz minha mãe, por exemplo, que sempre foi uma mulher bastante independente, tanto social quanto intelectualmente, permanecer chorando a ausência do cônjuge com quem conviveu quase quarenta anos, já há mais de nove? Será que é por todo o aprisionamento da rotina? Certamente que não! O amor, mesmo quando "esmaecido" pela "mesmice", penso, vale a pena! E, quem sabe, é justamente aí que ele prova sua "força"? A ausência do outro agudiza a dor, que é tanto maior quanto maior é o amor.
Entretanto, a pergunta mais importante é: se as autoras têm razão, na interpretação que fizeram do sentimento de Sartre e de sua "contracristalização", é realmente melhor "matar a vida para melhor sobreviver"? Será que no caso de uma doença - e parece que, em certa medida, era assim que Sartre via o "amor" -, vale a pena tirar a vida do doente para liquidar a doença? Eu daria meu palpite, novamente, que não.
Outro comentário interessante do livro é o registro da opinião sobre o casamento, no diário particular da jovem Beauvoir, então com dezenove anos, que "O horror da escolha definitiva é que comprometemos não apenas o eu de hoje, mas o de amanhã". As autoras registram que "No entanto, é possível pensar que é em nome de uma escolha igualmente definitiva... - o pacto com Sartre -, que ela se recusou obstinadamente a viver com aquele que foi a grande paixão carnal de sua vida" - o escritor americano Nelson Algren.
Surge outra pergunta: Essa opinião de Beauvoir não "cheira" a medo, também? A tal ideia de "liberdade" plena não estaria meio "capenga"? Uma decisão... ou um "projeto" - segundo os termos sartreanos - assumido, não poderia nunca ser substituído por outro? Que tipo de liberdade é essa? Para alguém tão "libertária", um divórcio seria motivo para tanta preocupação; afinal, ela fala em "escolha definitiva"?
To be continued... Rsss
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