Ainda no último número da revista "Filosofia - Conhecimento Prático" - e eu nem ganhei nada para fazer merchandising da publicação! Rsss - apareceu um texto inspirador, cujo título era "O homem pensante vs. o homem desejante", de autoria de José Valmir Dantas de Andrade.
O texto, como não poderia deixar de ocorrer num tema dessa natureza, acaba por falar muito de Freud, o pai da Psicanálise. Mas obviamente o faz através de um paralelo com o campo filosófico.
O texto se inicia com diversas demonstrações emotivas diante de fatos do nosso quotidiano. Diz, então: "Esta força 'dominadora e incontrolável' que impulsiona ações, sensações, comportamentos e sintomas e que toma de assalto a humanidade, cotidianamente, possui um determinismo para além de qualquer racionalização possível. Foi investigando essa força que Sigmund Freud chocou o mundo ao declarar que o homem não era senhor da sua própria consciência". Mas o autor da matéria adverte: "Se formos pesquisar as origens do conceito de inconsciente, veremos que ele é muito anterior à psicanálise. Filósofos, há muito, já o haviam descrito. Mas foi Freud que forjou 'O Inconsciente' - com I maiúsculo - e deu a ele lugar específico e privilegiado no psiquismo humano".
Já comentei em outra oportunidade que uma diferença marcante entre a maior parte das filosofias e a psicanálise freudiana é que, enquanto as primeiras admitem a possibilidade de uma vitória sobre as paixões-inconsciente, através da ação da razão-consciente; a Psicanálise não vislumbra essa possibilidade.
O texto diz que "Schopenhauer já havia defendido a supremacia do instinto sobre a razão humana. O filósofo desenvolveu o conceito com base em reflexões teóricas; Freud, a partir da observação empírica de seus pacientes".
Eu até acho que Spinoza já apresentava uma certa independência das paixões (de certa forma, uma instância inconsciente) em relação à razão (mais aproximada ao consciente); mas é inegável que ainda há, na sua filosofia, uma possibilidade de "transformação" desse estado "passivo" em uma forma de "atividade" - no qual o papel da razão é importante.
É verdade, entretanto, que essa "transformação" não se reduz a um mero controle das paixões pela razão, como no pensamento, menos elaborado, de outros filósofos.
Mas, voltando à matéria.
"Nenhum homem, por mais genial que seja, desenvolve seu pensamento à margem do saber coletivo... Com Freud, certamente não foi diferente. Antes dele, filósofos, pensadores, escritores e poetas intuíram ideias para conceitos que o pai da Psicanálise interpretou com genialidade visionária e abordou sob perpectivas inéditas".
Apesar dessa afirmação, consta no texto a negativa, sempre repetida por Freud, a influência da Filosofia, principalmente a de Schopenhauer: "Em seu estudo autobiográfico, Freud procura esclarecer que o pensamento filosófico não teria tido influência direta na formulação da teoria psicanalítica. 'O alto grau em que a Psicanálise coincide com a filosofia de Schopenhauer não deve ser remetido à minha familiaridade com seus ensinamentos. Li Schopenhauer muito tarde em minha vida'". Até para confirmar esse conhecimento tardio do filósofo alemão, é explicado no texto que "Em suas últimas obras, Freud fez diversas referências à ênfase que Schopenhauer dava à sexualidade, apesar de não nominá-lo diretamente".
Mas, realmente, não dá para deixar de fazer uma comparação automática entre a "Vontade Cega" de Schopenhauer e o "Inconsciente" de Freud. Além disso, o fato de a "Vontade" procurar a perpetuação, valendo-se dos indivíduos, através, por exemplo, da procriação - ou seja, do sexo -, remete-nos claramente à "pulsão de vida" freudiana.
Além disso, sabemos que Freud fora companheiro de Husserl nas aulas de Filosofia de Franz Brentano. E se essas aulas possibilitaram a Husserl criar uma filosofia totalmente nova, por que não fariam o mesmo com Freud (que, particularmente, também considero um teórico da Filosofia)?
Uma coisa interessante, aliás, no que se refere a sexo, que vi - segundo lembro, em Sponville - é que dificilmente se deseja simplesmente um "corpo"... normalmente, o que se deseja é o "desejo dos outros". Por exemplo, não se quer apenas o corpo de "qualquer mulher", mas, em especial, o corpo daquela mulher que é objeto de desejo de outros "desejantes"... a mulher que sai na Playboy, ou a mulher "exuberante " da boite, etc. Desta forma, Freud estaria mais perto da "verdade" do sexo, que deseja uma "representação", do que Schopenhauer, para quem bastaria que a "Vontade" se lançasse à reprodução... e, com isso, à sua própria perpetuação.
Uma observação interessante feita pelo autor, que lembra um pouco as críticas de Marx à Filosofia, é a de que: "O sofrimente humano, o inconsciente, a sexualidade, as pulsões, todos já haviam sido tema de preocupação e de investigação filosófica. Mas Freud cruzou a fronteira do 'pensar o sofrimento' para 'tratar o sofrimento' . Os filósofos se limitaram a formular conceitos".
A matéria se encerra assim:
"A Psicanálise tirou do homem o centro de sua consciência e colocou-o como coadjuvante de uma cena em que o irracional (desejo) prepondera... Freud falou da existência de um 'estranho' que habita em todos nós. A partir desse momento, o inconsciente deixa de ser somente uma pequena porção indecifrável da consciência, deixa de ser uma descrição filosófica e assume o comando de uma realidade psíquica em que o homem não é mais o dono de si mesmo".
Por último, eu gostaria de ponderar sobre essa exclusão total da instância inconsciente. A mim parece que ela faz parte de um "conjunto", a psiquê ou o psiquismo, que trabalha "relacionalmente". Se é verdade, por exemplo, que não se deseja apenas "qualquer coisa", mas sim o "objeto de desejo de outros desejantes", há uma parte consciente nesse desejo, que é o que se volta intencionalmente, após um juízo de valores, para o tal "objeto do desejo dos outros".
O que vários filósofos e Freud disseram é que o inconsciente "motiva" o consciente, mas será que essa relação não é ainda mais complexa, havendo uma "mão dupla" nessa motivação? Eu acho que sim!
Eu até acho que Spinoza já apresentava uma certa independência das paixões (de certa forma, uma instância inconsciente) em relação à razão (mais aproximada ao consciente); mas é inegável que ainda há, na sua filosofia, uma possibilidade de "transformação" desse estado "passivo" em uma forma de "atividade" - no qual o papel da razão é importante.
É verdade, entretanto, que essa "transformação" não se reduz a um mero controle das paixões pela razão, como no pensamento, menos elaborado, de outros filósofos.
Mas, voltando à matéria.
"Nenhum homem, por mais genial que seja, desenvolve seu pensamento à margem do saber coletivo... Com Freud, certamente não foi diferente. Antes dele, filósofos, pensadores, escritores e poetas intuíram ideias para conceitos que o pai da Psicanálise interpretou com genialidade visionária e abordou sob perpectivas inéditas".
Apesar dessa afirmação, consta no texto a negativa, sempre repetida por Freud, a influência da Filosofia, principalmente a de Schopenhauer: "Em seu estudo autobiográfico, Freud procura esclarecer que o pensamento filosófico não teria tido influência direta na formulação da teoria psicanalítica. 'O alto grau em que a Psicanálise coincide com a filosofia de Schopenhauer não deve ser remetido à minha familiaridade com seus ensinamentos. Li Schopenhauer muito tarde em minha vida'". Até para confirmar esse conhecimento tardio do filósofo alemão, é explicado no texto que "Em suas últimas obras, Freud fez diversas referências à ênfase que Schopenhauer dava à sexualidade, apesar de não nominá-lo diretamente".
Mas, realmente, não dá para deixar de fazer uma comparação automática entre a "Vontade Cega" de Schopenhauer e o "Inconsciente" de Freud. Além disso, o fato de a "Vontade" procurar a perpetuação, valendo-se dos indivíduos, através, por exemplo, da procriação - ou seja, do sexo -, remete-nos claramente à "pulsão de vida" freudiana.
Além disso, sabemos que Freud fora companheiro de Husserl nas aulas de Filosofia de Franz Brentano. E se essas aulas possibilitaram a Husserl criar uma filosofia totalmente nova, por que não fariam o mesmo com Freud (que, particularmente, também considero um teórico da Filosofia)?
Uma coisa interessante, aliás, no que se refere a sexo, que vi - segundo lembro, em Sponville - é que dificilmente se deseja simplesmente um "corpo"... normalmente, o que se deseja é o "desejo dos outros". Por exemplo, não se quer apenas o corpo de "qualquer mulher", mas, em especial, o corpo daquela mulher que é objeto de desejo de outros "desejantes"... a mulher que sai na Playboy, ou a mulher "exuberante " da boite, etc. Desta forma, Freud estaria mais perto da "verdade" do sexo, que deseja uma "representação", do que Schopenhauer, para quem bastaria que a "Vontade" se lançasse à reprodução... e, com isso, à sua própria perpetuação.
Uma observação interessante feita pelo autor, que lembra um pouco as críticas de Marx à Filosofia, é a de que: "O sofrimente humano, o inconsciente, a sexualidade, as pulsões, todos já haviam sido tema de preocupação e de investigação filosófica. Mas Freud cruzou a fronteira do 'pensar o sofrimento' para 'tratar o sofrimento' . Os filósofos se limitaram a formular conceitos".
A matéria se encerra assim:
"A Psicanálise tirou do homem o centro de sua consciência e colocou-o como coadjuvante de uma cena em que o irracional (desejo) prepondera... Freud falou da existência de um 'estranho' que habita em todos nós. A partir desse momento, o inconsciente deixa de ser somente uma pequena porção indecifrável da consciência, deixa de ser uma descrição filosófica e assume o comando de uma realidade psíquica em que o homem não é mais o dono de si mesmo".
Por último, eu gostaria de ponderar sobre essa exclusão total da instância inconsciente. A mim parece que ela faz parte de um "conjunto", a psiquê ou o psiquismo, que trabalha "relacionalmente". Se é verdade, por exemplo, que não se deseja apenas "qualquer coisa", mas sim o "objeto de desejo de outros desejantes", há uma parte consciente nesse desejo, que é o que se volta intencionalmente, após um juízo de valores, para o tal "objeto do desejo dos outros".
O que vários filósofos e Freud disseram é que o inconsciente "motiva" o consciente, mas será que essa relação não é ainda mais complexa, havendo uma "mão dupla" nessa motivação? Eu acho que sim!
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