sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

"A decadência da poesia"

  Antes que os amantes da poesia me agridam, quero dizer que o título do post se refere a um artigo escrito por Jacques Roubaud, para o Le Monde Diplomatique - Brasil deste mês.
  O autor constata um "problema" dos nossos tempos ao escrever: "No século XXI, ... a poesia continua a perder espaço". Mas ele vai mais fundo na análise do problema, dizendo: "Essa situação é uma consequência da quase inexistência econômica da poesia... A poesia não se vende... É claro que esse gênero literário não é o único que perdeu 'fatias de mercado'... O romance, a literatura em geral e o próprio livro foram afetados. Mas, no caso da poesia, estamos diante de uma forma extrema de desaparecimento".
  A coisa pode parecer exagerada, mas uma passagem do texto de Jacques pode fazer sentido, mesmo para os defensores mais ferrenhos do gênero poético, que é: "... quem se interessa por poesia, geralmente conhece e gosta de Victor Hugo, Baudelaire, Rimbaud, Apollinaire..., mas acha que os poetas de seu tempo são difíceis, escrevem de maneira incompreensível e, assim, não os lê".
  Jacques faz um diagnóstico que me parece preciso, embora, como eu já indiquei várias vezes, não seja eu um especialista no assunto, só o apreciando a partir de um senso estético absolutamente mediano - para não dizer "medíocre" -, ao escrever sobre o VIL - não é sobre o mau, mas sobre o "Verso Internacional Livre". Diz o autor que "O VIL é um verso não metrificado nem rimado e que, geralmente, ignora as características da tradição poética de determinada língua. Ele 'muda de linha', fugindo às rupturas sintáticas demasiado fortes". Eu pertenço, certamente, a uma estética mais "antiquada", em que o verso metrificado-ritimado tradicional era a forma "correta" de fazer poemas. Não que eu deixe de dar valor a "formas" diferentes, mas considero estes mais aprazíveis.
   Ainda sobre o VIL, conta-nos o autor que "suas exigências protocolares são demasiado débeis, o que promove um deslizamento cada vez mais claro em direção a uma fase (a última?) da evolução formal... em que o próprio verso não é mais considerado necessário". Chama-se atenção, no texto, que "Já... nos anos 1990, ... grande número de poetas... lia seus poemas como prosa, ornada retoricamente pela voz, pois é preciso ver que se trata de poesia". E, ao final dessa consideração, pergunta-nos o autor: "Nessas condições, por que não escrever simplesmente em prosa?". Crítica profunda, que abala a poesia contemporânea.
  Para quem antipatizou com monsieur Jacques Roubaud, informo que o distinto cavalheiro é... poeta - além de romancista e... matemático (?). Portanto, ao contrário do que se poderia pensar, ele é um dos que não quer que a poesia morra, enquanto gênero literário.
  Outra constatação interessante que ele faz, no sentido inverso do que foi afirmado até agora, é que "... na massa daqueles que não são mais leitores de poesia, e que são até cada vez menos leitores simplesmente, a fascinação pela poesia não desapareceu". E é citada uma ferramenta muito familiar a quem está lendo este blog, quando Jacques Roubaud escreve: "O desenvolvimento da internet, com a multiplicação dos sites e dos blogues, favorecem a expressão dessa necessidade [de poesia]". Portanto, a poesia, talvez a contragosto do "mercado", continua viva nos blogs.
  O autor fecha o texto de modo muito interessante: "Ora, existe hoje na França [e imagino que no mundo todo], como sempre existiu, poesia; muito boa poesia. Difícil ou não, que fala de tudo, de você, de nada, e que inventa, renova, surpreende, encanta. E a encontramos nos livros, revistas, gravações sonoras, vídeos; nas livrarias (elas existem) que não renunciaram a apresentá-la, a vendê-la. Leia-a, copie-a, aprenda-a, como se fazia no passado".
  E o ponto alto do texto vem no seu fechamento: "Esse artigo serve para defender o seguinte ponto de vista: que a poesia tem lugar em uma língua; ... que um poema deve ser objeto artístico da língua com quatro dimensões, ou seja, composto para uma página, para uma voz, para um ouvido, e por uma visão interior. A poesia deve se ler e dizer".
  Leiamos e digamos poesia!

 

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