quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

"Por que você não gosta da filosofia de Leibniz?"

  O título do post diz respeito a uma pergunta que recebi no Orkut, feita por Jus Goa.
  Até hoje, não respondi a pergunta lá. Mas aproveitarei para fazê-lo por aqui.
  É certo que a pergunta não diz respeito ao filósofo em si, mas à sua filosofia. Se é possível, para muitos, desvincular totalmente uma coisa da outra, peço perdão, mas reconheço que, para mim, a coisa funciona de modo um pouco diferente. Posso respeitar - e isso acontece em muitos casos - a filosofia de determinado pensador, sem admirá-lo como homem; mas "gostar" de sua filosofia, absolutamente sem levar em consideração sua vida, confesso, não consigo.
  Assim, começa a ser dada a minha resposta, ainda que de modo muito preliminar.
  A falta de honradez do alemão foi tanta que Bertrand Russel escreve o seguinte sobre ele: "Leibniz, que devia muito a Spinoza, ocultou sua dívida, abstendo-se cuidadosamente de proferir uma única palavra em seu louvor; chegou até a mentir com respeito ao grau de seu conhecimento pessoal com o herético judeu". Ainda vinculando o alemão ao holandês, Russel escreve: "Era inteiramente destituído das virtudes filosóficas superiores que são tão notáveis em Spinoza".
  Essa seria a primeira parte da resposta a Jus Goa. Entretanto, devido ao caráter eminentemente subjetivo desta, passo a algo mais concreto e objetivo.
  Antes, porém, esclareço uma coisa. Faço minhas as palavras de Russel - permanecendo ainda no mesmo comentador do alemão - quanto ao fato de que "Leibniz foi um dos intelectos supremos de todos os tempos, mas, como criatura humana não foi admirável". Para que não fique a dúvida do porquê de eu não gostar da filosofia de Leibniz, apesar de considerá-lo "um dos intelectos supremos de todos os tempos", segue uma estorieta contada pelo meu pai. Dizia ele que, quando do estudo para lançamento de um determinado produto no mercado, a empresa dele foi procurar um pesquisador para avaliar o produto. O "prestativo" senhor disse: "Está bem, mas vocês querem que eu 'descubra' coisas boas ou ruins a respeito do produto?". Ou seja, não basta ser um prodígio no que se fala, há que se ter ética para dizê-lo. Portanto, reconhecer que Leibniz foi brilhante em parte do que disse, não o exime de ser um grande "mentiroso" - essa ficou forte demais! -, ou, dizendo de outro modo, um grande "destorcedor" da verdade.
  Ao lado dos que podem "inocentar" Leibniz está o próprio Bertrando Russel, quando diz que há dois Leibniz, um "popular" e outro "esotérico". Segundo o inglês, "um era otimista, ortodoxo... e superficial; outro, que foi lentamente desenterrado..., era profundo, coerente, grandemente spinozista e assombrosamente lógico".
  Certo, certo... ponto para Leibniz! Mas qual é o Leibniz sobre o qual comentamos usualmente? Ganhou quem respondeu que era o primeiro. Isso, aquele que foi caricaturado por Voltaire, através do Dr. Pangloss, de Cândido.
  Aqui, ficamos com outro problema: qual seria o "verdadeiro" Leibniz? Provavelmente o "oculto"... mas, quem sabe, não?
  Tudo bem... voltamos à subjetividade. Para fugir dela, entretanto, teremos que esquecer um pouco esses dois Leibniz citados. Afinal, o que há de mais "objetivo" do que ir aos textos do pensador? E indo aos textos, como fugir da Monadologia ou da Teodiceia, por exemplo? E não fugindo delas, presenciamos um pensador que tem "flashes" de brilhantismo misturados com a mais obtusa tentativa de confirmar diversos pontos da ortodoxia cristã dogmática por meios lógico-matemáticos.
  O "melhor dos mundos possíveis" não se sustenta como tentativa de resolver o "Problema do Mal" de modo minimamente crítico. As "provas da existência de Deus" são pífias, se considerada a qualidade lógica - inquestionável - do pensador que as formulou. A "doutrina da harmonia preestabelecida", se originalmente pretendia ter algum valor teórico, se esboroou quando se percebeu que, através dela, só se pretendia colocar um "relojoeiro" por trás dos relógios que soavam juntos. As mônadas continuam a ser algo bem esquisito: sua imaterialidade que gera o material; os reflexos do mundo que não são "absorvidos" por elas, visto que não têm "janelas", e apesar disso ainda conseguirem "perceber" o mundo; mas, o mais incrível, é que, apesar da não "comunicação" entre as mônadas, existe uma dominância hierárquica da mente/alma, em relação à qual todas as mônadas particulares que formam o corpo se referem ao agir. A defesa do livre arbítrio, embora reconhecendo que há uma "inclinação sem necessidade", é outra coisa muito mal explicada. Inicialmente, sua visão era um pouco diferente. Ao escrever para Arnauld, este se chocou com o ponto de vista leibniziano. Abandonada esta primeira ideia, Leibniz adota a que ficou popular, segundo a qual o ser humano tem sempre um motivo, mas a razão suficiente de sua ação não tem necessidade lógica.
    Será que isso basta para explicar por que não gosto da filosofia de Leibniz? Aliás, pode ser que eu, injustamente, esteja me referindo apenas à filosofia popular de Leibniz, deixando a mais profunda - inclusive, mais spinozana, segundo Bertrand Russel - de lado. Quem sabe, como acho a Filosofia Moderna bastante instigante, seja a hora de voltar a Leibniz com outros olhos?
 

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Ricardo.
Não sou bom conhecedor da filosofia de Leibniz, mas, pelo que sei, posso dizer em sua defesa que sua filosofia foi bastante influente, sendo uma inspiração para vários grandes filósofos daí para frente (influenciou até mesmo o próprio Kant), inclusive no século XIX. Mas, parece que apesar das semelhanças e influências do Spinoza ele parece ter tido uma luz própria. Sei que não gosta de rótulos, nem eu gosto muito, mas ainda sim ele passou a ser a referência para os filósofos "racionalistas", ou seja, aqueles que fugiram aos pensamentos positivistas, românticos, empiristas ou "irracionalistas", principalmente na Alemanha. Além disso, sua crítica aos empiristas chegou ao ponto de ter criado uma grande cisão na filosofia do século XVIII, e que só foi resolvida por Kant (mesmo que, na minha humilde opinião, não tenha sido resolvida completamente). A idéia das “mômadas” é, inclusive, uma teoria ainda presente na filosofia do século XX, onde podemos ver referência, só para citar 2, em Husserl e em Castoriadis (na verdade, talvez eu possa ser mais ousado e dizer boa parte do idealismo que veio depois de Leibiniz deva ter retirado alguns de seus pressupostos da teoria das mônadas, mesmo que não façam referência direta a ela). Mas, como já disse, não sou conhecedor e muito menos um admirador dele (você sabe que minha linha de pensamento é muitíssimo diferente desse tipo de filosofia), só estou mostrando aqui um outro lado de Leibniz para aqueles que não o conhecem.
Um abraço.