terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A "necessidade de compreender"

  Na entrevista concedida a Günter Gaus, Hannah Arendt é questionada sobre a influência de seus trabalhos junto ao grande público. Durante a própria pergunta, Arendt interrompe Gaus e indica que, enquanto trabalha, não se preocupa "minimamente nem com a influência nem com a eficácia". Gaus insiste, questionando:  "Mas, e quando termina o seu trabalho?". Arendt inteligentemente responde: "Nessa altura, está feito, acabou-se".
  A continuação da resposta, entretanto, é que motiva este post. Arendt diz: "O mais importante para mim é compreender [...] O que conta para mim é o próprio processo do pensamento, e contento-me bastante bem com ele. Se, depois, consigo exprimir o meu processo de pensamento adequadamente através da escrita, isso deixa-me também satisfeita [...] Imaginar-me-ei a exercer uma influência? Não. O que quero é compreender. E se os outros compreenderam - no mesmo sentido em que eu compreendi -, isso causa-me um sentimento de satisfação".
  Não sei se todos os pensadores têm essa "humildade". Penso, pelo contrário, que muitos escrevem meramente para convencer os outros dos seus próprios pontos de vista. Mas Arendt não! Como ela diz, o mais importante é compreender.
  A única coisa que pode parecer estranha, aqui, é que parece que Arendt fala da compreensão como o final de um processo. E isso não combina muito bem com um filósofo, acho. O pensamento filosófico não se cansa de revisitar os problemas "compreendidos" e de encontrar neles novos "modos de compreensão". Talvez justamente por isso é que Arendt não queira ser vista como uma filósofa, e sim com uma espécie de "cientista política". Afinal, na "ciência", o que se procura são compreensões efetivas do mundo, ainda que reconhecidamente "precárias", enquanto meramente temporárias.
  De qualquer modo, esse interesse vivo pelo "compreender", sem dúvida alguma, remete diretamente à Filosofia... ainda que esta não se contente em abaixar os panos e permanecer em um porto seguro, sempre disposta a novas aventuras por mares desconhecidos.
  Voltando ao texto.
  Em outro ponto da entrevista, Arendt diz que essa "necessidade de compreender" manifestou-se muito cedo. Ela conta, sobre sua leitura precoce de Kant, que "A Filosofia se impunha. Desde os quatorze anos". E realmente mostra sua paixão ao dizer: "Para mim, a questão punha-se nos seguintes termos: se não estudar Filosofia, estou por assim dizer perdida! Não que eu não gostasse de viver, mas, tendo em conta a necessidade de que lhe falei há pouco, precisava de compreender".
  Perguntada sobre quais suas leituras "juvenis", além de Kant, ela cita dois nomes de peso: "Antes do mais, Filosofia das Visões do Mundo, de Jaspers... nessa altura, eu tinha quatorze anos. Logo a seguir, li Kierkegaard".
  Em relação ao domínio do grego, demonstrado durante seu curso universitário, conta-nos: "Sempre gostei muito de poesia grega, e a poesia desempenhou um grande papel na minha vida. Assim, escolhi o grego porque era mais cômodo e porque já o sabia, mais ou menos, ler".
  E o detalhe é que, quando Gaus fala sobre os dons intelectuais de Hannah, ela diz: "Não há motivo para tanto, está a exagerar...". Talvez porque, como conta, ela não recebesse nenhum tipo de incentivo especial, em casa, por suas ótimas notas. Segundo ela: "Eram coisas que não pareciam demasiado importantes".
  Difícil encontrar um defeito nessa senhora, hein!
  De qualquer forma, darei às mulheres uma dica de um ponto polêmico. Em dado momento da entrevista, falando sobre a emancipação das mulheres, a Sra. Arendt diz: "Vou-lhe parecer muito antiquada. Sempre pensei que há certas ocupações que não convêm às mulheres, que não condizem com elas, por assim dizer. Não fica bem a uma mulher dar ordens. E ela não deve pôr-se em situação de ter de o fazer, se quiser continuar a ser feminina". Xiiii... Opinião complicada! Entretanto, a pensadora diminui um pouco o impacto desse ponto de vista quando diz: "Se tenho ou não razão acerca desse ponto, isso não sei". Ufa... salvação da lavoura! Rsss.

Um comentário:

Thiago Minnemann disse...

Oi Ricardo!
Sempre bom ver seu comentário lá!
Não foi seu navegador que congelou, foi um hiato criativo. Preciso fazer da escrita um hábito viu!!

Ah, terminei de ler Caim, preciso por meu feedback lá!!

Abraços!!