Num post sobre o "Guia politicamente incorreto da História do Brasil", eu registrei um ponto de vista diferente de observação do período da Ditadura no Brasil, a partir do texto do livro.
Pode ficar a impressão de uma crítica desarrazoada ao comunismo, feita segundo uma visão preconceituosa, baseada numa convicção neoliberal e de "direita".
Mas dá para questionar se é assim mesmo, quando vemos que o pensador político italiano Noberto Bobbio (1909-2994) - apesar de não estar discursando sobre a Ditadura brasileira, obviamente - propõe uma reflexão sobre a possibilidade de um "socialismo democrático", no livro que dá título a esse post. Possibilidade, aliás, que foi refutada pelo jornalista Leandro Narloch no item "os guerrilheiros não lutavam por liberdade", do "Guia...".
É importante lembrar alguns dos temas que fizeram parte das reflexões de Bobbio: a democracia representativa, o ofício dos intelectuais, a natureza e as múltiplas dimensões do poder, a díade esquerda-direita e um socialismo não-marxista democrático.
Neste livro, especificamente, os ensaios têm os seguintes títulos: "Democracia socialista?", "Existe uma doutrina marxista do Estado?", "Quais alternativas à democracia representativa?", "Por que democracia?" e "Qual socialismo?".
Vejamos o interessantíssimo comentário do filósofo brasileiro Leandro Konder sobre o livro: "A experiência histórica do movimento socialista, em suas formas cada vez mais variadas, ensina que o socialismo só avança quando consegue se renovar. E, atualmente, ela já ensina, também, que a reflexão socialista precisa de interlocutores 'externos', quer dizer, precisa - para renovar-se - do diálogo com linhas de pensamento não comprometidas com os projetos socialistas.
Renovar-se não é uma operação simples, automática; é um processo que passar por autocríticas intranquilizadoras, frequentemente dolorosas. Em sociedades politicamente complexas, os sujeitos empenhados em transformar as relações sociais precisam se criticar mutuamente, se reeducar, uns aos outros. A verdadeira renovação passa a depender, cada vez mais, do pluralismo.
Por isso, a vanguarda do pensamento marxista está muito empenhada, hoje, numa revalorização do pluralismo. E os marxistas de vanguarda, na Itália, já se deram conta da extrema importância de um interlocutor como Norberto Bobbio.
Bobbio, pensador político, professor de Filosofia do Direito, é um homem de imensa cultura e estupenda honestidade intelectual. É um liberal que estudou Marx, conhece os meandros do pensamento marxista e não se sente nem um pouco constrangido em acolher tudo o que nele lhe parece bom. É exatamente essa abertura em face de Marx que lhe permite, por outro lado, questionar de maneira bastante despreconceituosa e fecunda uma série de aspectos da perspectiva filosófica e política do pensador alemão.
A história do século XX mostra que a conquista do poder, nas revoluções, não resolve o problema de como exercê-lo. Nenhuma revolução, até agora, enfrentou seriamente a questão das garantias contra os abusos do poder. A teoria da ditadura do proletariado deu no que deu. Bobbio, então, nos incita a refletir sobre a concepção do Estado de Marx: uma concepção que precisa de desenvolvimentos, complementações e - também - correções, revisões.
Não temos o direito de nos esquivar ao exame das questões relativas a como o poder se exerce. Os riscos de uma omissão, nas condições atuais, seriam enormes. A humanidade está duplamente ameaçada de extinção, diz Bobbio: pela guerra atômica e pelo esgotamento dos recursos do planeta. Seríamos sumamente insensatos se não nos dispuséssemos a aprender um pouco sobre as condições - não necessariamente mais humanas, porém menos ferozes - que podemos criar para o exercício do poder.
A tarefa é grave e delicada. Cumpre enfrentá-la com prudência. Bobbio sabe disso e evita se apresentar como 'dono da verdade'. Seu método lembra o do velho Sócrates: ele aparece diante de nós como um arguto perguntador. Não casual que todos os ensaios deste volume tenham títulos interrogativos. Qual socialismo? - como notou Celso Lafer - contém perguntas 'incisivas e bem formuladas', relativas a temas para os quais Bobbio não pretende ter 'respostas definitivas'".
Destaco que a necessidade de "renovação" do pensamento socialista já era motivo de reflexão em 1975/1976 - quando os ensaios foram escritos -, não esperando pelo inesquecível 1989, com a queda do Muro de Berlim, ícone da "morte da Esquerda", para serem iniciados.
Outro ponto interessante é a constatação de que a "verdadeira renovação [do socialismo] passa a depender, cada vez mais, do pluralismo". O neoliberalismo deveria "pegar carona" nessa constatação e ponderar sobre a necessidade da sua própria renovação. E, quem sabe, não poderemos nos livrar saudavelmente dos dois "rótulos" - esquerda e direita?
Por último, apenas, a constatação de que, se uma catástrofe atômica já não é tão provável, e por isso poderia deixar a reflexão de Bobbio ultrapassada, o esgotamento dos recursos do planeta é cada vez mais perceptível, atualizando bastante as considerações do italiano.
Pode ficar a impressão de uma crítica desarrazoada ao comunismo, feita segundo uma visão preconceituosa, baseada numa convicção neoliberal e de "direita".
Mas dá para questionar se é assim mesmo, quando vemos que o pensador político italiano Noberto Bobbio (1909-2994) - apesar de não estar discursando sobre a Ditadura brasileira, obviamente - propõe uma reflexão sobre a possibilidade de um "socialismo democrático", no livro que dá título a esse post. Possibilidade, aliás, que foi refutada pelo jornalista Leandro Narloch no item "os guerrilheiros não lutavam por liberdade", do "Guia...".
É importante lembrar alguns dos temas que fizeram parte das reflexões de Bobbio: a democracia representativa, o ofício dos intelectuais, a natureza e as múltiplas dimensões do poder, a díade esquerda-direita e um socialismo não-marxista democrático.
Neste livro, especificamente, os ensaios têm os seguintes títulos: "Democracia socialista?", "Existe uma doutrina marxista do Estado?", "Quais alternativas à democracia representativa?", "Por que democracia?" e "Qual socialismo?".
Vejamos o interessantíssimo comentário do filósofo brasileiro Leandro Konder sobre o livro: "A experiência histórica do movimento socialista, em suas formas cada vez mais variadas, ensina que o socialismo só avança quando consegue se renovar. E, atualmente, ela já ensina, também, que a reflexão socialista precisa de interlocutores 'externos', quer dizer, precisa - para renovar-se - do diálogo com linhas de pensamento não comprometidas com os projetos socialistas.
Renovar-se não é uma operação simples, automática; é um processo que passar por autocríticas intranquilizadoras, frequentemente dolorosas. Em sociedades politicamente complexas, os sujeitos empenhados em transformar as relações sociais precisam se criticar mutuamente, se reeducar, uns aos outros. A verdadeira renovação passa a depender, cada vez mais, do pluralismo.
Por isso, a vanguarda do pensamento marxista está muito empenhada, hoje, numa revalorização do pluralismo. E os marxistas de vanguarda, na Itália, já se deram conta da extrema importância de um interlocutor como Norberto Bobbio.
Bobbio, pensador político, professor de Filosofia do Direito, é um homem de imensa cultura e estupenda honestidade intelectual. É um liberal que estudou Marx, conhece os meandros do pensamento marxista e não se sente nem um pouco constrangido em acolher tudo o que nele lhe parece bom. É exatamente essa abertura em face de Marx que lhe permite, por outro lado, questionar de maneira bastante despreconceituosa e fecunda uma série de aspectos da perspectiva filosófica e política do pensador alemão.
A história do século XX mostra que a conquista do poder, nas revoluções, não resolve o problema de como exercê-lo. Nenhuma revolução, até agora, enfrentou seriamente a questão das garantias contra os abusos do poder. A teoria da ditadura do proletariado deu no que deu. Bobbio, então, nos incita a refletir sobre a concepção do Estado de Marx: uma concepção que precisa de desenvolvimentos, complementações e - também - correções, revisões.
Não temos o direito de nos esquivar ao exame das questões relativas a como o poder se exerce. Os riscos de uma omissão, nas condições atuais, seriam enormes. A humanidade está duplamente ameaçada de extinção, diz Bobbio: pela guerra atômica e pelo esgotamento dos recursos do planeta. Seríamos sumamente insensatos se não nos dispuséssemos a aprender um pouco sobre as condições - não necessariamente mais humanas, porém menos ferozes - que podemos criar para o exercício do poder.
A tarefa é grave e delicada. Cumpre enfrentá-la com prudência. Bobbio sabe disso e evita se apresentar como 'dono da verdade'. Seu método lembra o do velho Sócrates: ele aparece diante de nós como um arguto perguntador. Não casual que todos os ensaios deste volume tenham títulos interrogativos. Qual socialismo? - como notou Celso Lafer - contém perguntas 'incisivas e bem formuladas', relativas a temas para os quais Bobbio não pretende ter 'respostas definitivas'".
Destaco que a necessidade de "renovação" do pensamento socialista já era motivo de reflexão em 1975/1976 - quando os ensaios foram escritos -, não esperando pelo inesquecível 1989, com a queda do Muro de Berlim, ícone da "morte da Esquerda", para serem iniciados.
Outro ponto interessante é a constatação de que a "verdadeira renovação [do socialismo] passa a depender, cada vez mais, do pluralismo". O neoliberalismo deveria "pegar carona" nessa constatação e ponderar sobre a necessidade da sua própria renovação. E, quem sabe, não poderemos nos livrar saudavelmente dos dois "rótulos" - esquerda e direita?
Por último, apenas, a constatação de que, se uma catástrofe atômica já não é tão provável, e por isso poderia deixar a reflexão de Bobbio ultrapassada, o esgotamento dos recursos do planeta é cada vez mais perceptível, atualizando bastante as considerações do italiano.
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