quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Despotismo "atualizado"

  Achei atualíssimo um trecho escrito em 1835, por Alexis Henri Charles Clérel, visconde de Tocqueville (1805-1859), pensador político e historiador francês, do livro "A democracia da América".
  Perguntando-se sobre o despotismo, Tocqueville - como era chamado - nos faz refletir não só sobre as "lideranças" modernas - sejam elas políticas, religiosas e etc. -, mas também sobre nós mesmos.
  Segue a transcrição do trecho.
  "Procuro descobrir sob que traços novos o despotismo poderia ser produzido no mundo" - até aqui, tudo relativamente bem. Mas agora, apresenta-nos uma profunda crítica em relação aos "umbigólatras" modernos, quando diz: "Vejo uma multidão inumerável de homens semelhantes e iguais, que sem descanso se voltam sobre si mesmos, à procura de pequenos e vulgares prazeres, com os quais enchem a alma. Cada um deles, afastado dos demais, é como que estranho ao destino de todos os outros: seus filhos e seus amigos particulares, para ele, constituem toda a espécie humana; quanto ao restante dos seus concidadãos, está ao lado deles, mas não os vê; toca-os e não os sente; existe apenas em si e para si mesmo". Nossa... o quadro é tão realista que choca um bocado.
  Tocqueville, então, gira o timão e se encaminha para a tal "liderança" que eu havia mencionado, sobre a qual incide sua reflexão central, com um certo "ar machiavelliano" - escolho esse adjetivo para me apartar do tendencioso e enganoso "maquiavélico" - e mesmo orwelliano (lembrando o Big Brother, do livro "1984"). Escreve: "Acima destes [dos cidadãos], eleva-se um poder imenso e tutelar, que se encarrega sozinho de garantir o seu prazer e velar sobre a sua sorte. É absoluto, minucioso, regular, previdente e brando. Lembraria mesmo o pátrio poder, se, como este, tivesse por objeto preparar os homens para a idade viril; mas, ao contrário, só procura fixá-los irrevogavelmente na infância; agrada-lhe que os cidadãos se rejubilem, desde que não pensem senão em rejubilar-se. Trabalha de bom grado para a sua felicidade, mas deseja ser o seu único agente e árbitro exclusivo; provê a sua segurança, prevê e assegura as suas necessidades, facilita os seus prazeres, conduz os seus principais negócios, dirige a sua indústria, regula as suas sucessões, divide as suas heranças; que lhe falta tirar-lhes inteiramente, senão o incômodo de pensar e a angústia de viver?".
  Particularmente, mesmo considerando que toda a passagem produz uma imagem forte, fixei-me em "Que lhe falta tirar-lhes inteiramente, senão o INCÔMODO DE PENSAR e a ANGÚSTIA DE VIVER?". Diagnóstico perfeito de Tocqueville para tornar o "homem" em massa de manobra.
  Continuando.
  "É assim que, todos os dias, torna menos útil e mais raro o emprego do livre arbítrio; é assim que encerra a ação da vontade num pequeno espaço e, pouco a pouco, tira a cada cidadão até o emprego de si mesmo. A igualdade preparou os homens para todas essas coisas, dispondo-os a sofrer e, muitas vezes, até a considerá-las como um benefício. Depois de ter tomado cada um por sua vez, dessa maneira, e depois de o ter petrificado sem disfarce, o soberano estende o braço sobre a sociedade inteira; cobre a sua superfície com uma rede de pequenas regras complicadas, minuciosas e uniformes, através das quais os espíritos mais originais e as almas mais vigorosas não seriam capazes de vir à luz para ultrapassar a multidão; não esmaga as vontades, mas as enfraquece, curva-as e as dirige; raramente força a agir, mas constantemente opõe resistência à ação; nunca destrói, mas impede de nascer; nunca tiraniza, mas comprime, enfraquece, prejudica, extingue e desumaniza, e afinal reduz cada nação a não ser mais que rebanho de animais tímidos e diligentes, dos quais o governo é o pastor".
  Caramba, pessoal... que crítica contundente! Como registrei, no começo, parece-me um retrato fiel do que temos visto em várias dimensões da sociedade atual.
  Bem... se é assim, resta-nos o consolo de, se não melhoramos, não termos também piorado tanto... É sempre a mesma coisa, embora mude o tempo e o local!

2 comentários:

mariaalinesaferreiragomes disse...

parabéns!!

Gostei dos seus comentarios!!

te leio sempre...não para não para!!!!

Ricardo disse...

Cara Maria Aline:
Inicialmente, agradeço pela sua visita. Depois, pelo seu comentário... que é o "combustível" de qualquer blog.
Muito obrigado pelo "Não para"... e espero conseguir não parar mesmo.
Esteja sempre à vontade para, além de ler, escrever.
Abraços e obrigado pelo comentário.