Conforme eu sempre digo, sou um "inespecialista" em pintura. Mas... também sempre repito que nunca cedo, em função dessa ignorância teórica assumida, a usufruir do prazer estético de belos quadros.
Apesar de tudo, continuo tentando entender melhor o fenômeno estético... e conto com a Filosofia, para isso. Alguns perguntariam por que não me dirijo às artes para interrogar sobre pintura. E eu respondo, talvez racionalisticamente demais, que acho que a justificativa das coisas está sempre fora delas, apesar de só se dar através delas.
Um perigo na Filosofia da Arte foi destacado por Friedrich Schlegel ao dizer: "Naquilo que se chama Filosofia da Arte falta habitualmente uma das duas: ou a Filosofia, ou a Arte". Enfrento esse perigo, carregando comigo, pelo menos, um pouco de crítica sobre o que vejo e leio.
Voltando à minha "inespecialidade" declarada, digo humildemente - reconhecendo que me falta maior profundidade na opinião - que não gosto de "Arte Moderna" - "moderna", aqui, com o sentido do que nos é contemporâneo. Falta-me sensibilidade suficiente para entender como um ponto preto numa tela branca pode ser belo. Da mesma forma, não me toca o senso estético ver pinceladas "erráticas", com uma mistura um tanto "grotesca" de cores, que poderiam ter sido produto de uma criança em fase pré-escolar. Nem estou falando de "sentido", pois este, por vezes, nem é necessário. Mas comento a própria organização e técnicas "impressas" na tela.
A última edição de "Filosofia - Ciência & Vida" trouxe uma matéria confrontando a "estética tradicional normativa e prescritiva" com a "estética do gênio". A primeira, conhecemos bem. A segunda, informa-nos o autor, seria aquela "na qual a criação encontraria sua liberdade em relação à subordinação das regras".
Parti, ávido, para a leitura do texto cujo título era "Criação artística e crítica filosófica: a origem da reflexão estética moderna", de autoria do professor da PUC-RJ e da UFRJ, Pedro Duarte de Andrade. E me deparei, apesar daquele incômodo "moderna" no título, com a referência à pintura do Romantismo. Ufa... arte de verdade! "Olha o juízo de valores acrítico, Ricardo!", disse-me a "voz da consciência".
O texto é muito interessante. Logo no início, explica-se o "moderna", sem o sentido comum do "Arte Moderna", com uma citação do poeta e teórico da arte Charles Baudelaire: "Quem diz Romantismo diz Arte Moderna". Depois, o autor escreve sobre a origem da "estética moderna", que estaria no conceito de gênio: "Hegel afirma que, ... no fim do século XVIII, surgira... o 'período do gênio', aberto pelas primeiras produções poéticas de Goethe e de Schiller. Por esta expressão, ele buscava denotar a quebra com a obediência às ordens classicistas para a Arte". Ou seja, começava a imperar a liberdade para criar, enquanto "as regras fixas... perdiam sua força coerciva".
O texto destaca uma observação de Maurice Blanchot de que "achamos [no Romantismo] não a glorificação do instinto ou a exaltação do delírio, mas, bem ao contrário, a paixão do pensamento". Mas escreve Pedro de Andrade que "se depois o movimento caiu várias vezes no emocionalismo exagerado que conhecemos, foi porque abandonou, em outras vertentes, aquilo que buscaram - e como o buscaram - os primeiros românticos. Na origem da estética moderna, a criação estaria distante tanto da obediência a preceitos prontos quanto do extravasar voluntarista subjetivo". E reforça a perspectiva "pensada" da liberdade, quando diz: "[a] liberdade, porém, não se encontra no simples instinto do artista [...] Liberdade só ocorre quando o pensamento entra em jogo". E dá um desfecho interessante a essa ideia, que é a de que "por isso, a própria criação de Arte aproxima-se da reflexão filosófica". Não sei se essa aproximação se fez de modo muito apressado pelo autor do texto, mas é fato que muitos filósofos e artistas enxergaram essa vizinhança... se bem que também não sei se pelos mesmos motivos do autor.
Um ponto bastante interessante no texto é o que repensa o papel da "crítica de arte". Reflete muito bem o autor que "se o artista, ao criar, não obedece a prescrições, ao mesmo tempo, a crítica não procede como avaliação judicativa das obras, já que elas não teriam parâmetros préviso que tivessem orietado sua constituição". Ou seja, fazer um juízo de valores de uma manifestação artística fica muito mais difícil, já que não há parâmetros "objetivos" que devam ser cumpridos para que se chame determinada "coisa" de "arte". Explica o autor que "a tarefa da crítica não seria... avaliá-la [certa obra] com padrões dados, mas sim pensá-la. Refletir sobre a obra". Mais duas boas passagens sobre esse aspecto são: "Para a consideração sobre a arte abandonar o paradigma do 'juiz' e abraçar o paradigma da 'crítica', era preciso que ela se tornasse filosófica, já que o procedimento, agora, não visava achar os erros e acertos da obra, mas pensá-la" e "Se as obras pretendem originalidade, a crítica não pode julgá-las com os parâmetros que já conhece, ou perderia o que traziam de novo". Essa última passagem é por demais "desafiadora". Poderíamos resumir isso na seguinte pergunta: "Como julgar a inovação a partir de categorias 'velhas'?". Que não se pense que esses rótulos de "novo" e "velho" dizem respeito apenas à cronologia. O autor, em passagem anterior, nos adverte que "Platão e Michelangelo não passaram a ser menos atuais por conta de Heidegger e de Matisse. Provavelmente, a verdade é até o contrário".
O autor do texto insiste no papel da crítica da arte - que, no fundo, é o nosso próprio papel, enquanto espectadores dos movimentos artísticos - e coloca de modo bastante perfeito que "toda a tarefa da crítcia sobre as obras surge da ausência da escala de valores prontos para julgá-las". Se só podemos julgar a partir da "escala de valores" em vigor, mas se essa se torna inadequada para ser aplicada às inovações, qual é a saída... se é que existe uma? O autor, a partir das reflexões de Walter Benjamin, propõe que "a crítica não se situa fora da obra. Ela desdobra aquilo que a própria obra põe. Ela continua a obra. Tal continuação, porém, não é somente o acréscimo da opinião subjetiva deste ou daquele crítico de arte. Se as opiniões forem de fato críticas, elas serão o desenvolvimento da obra conhecendo-se a si mesma, 'o autoconhecimento desta', como dizia Benjamin". E continua, escrevendo: "reconhece-se, assim, que a obra-de-arte não é completa em si mesma [...] a crítica carrega a obra adiante, potencializa, desdobra. Não está lá e a obra cá".
Ficamos, então, com uma pergunta problemática: como "carregar" a obra adiante sem ser, também, um artista?
Heidegger dizia que "talvez se possa falar de poesia poeticamente". E a pergunta anterior ecoa: como falar poeticamente sem ser, também, um poeta?
Agora a coisa se complicou. Se meu juízo sobre uma pintura depende de minha qualidade artística para "desdobrar" a obra de arte, eu estou proibido de estabelecer qualquer avaliação em relação às artes. Prefiro simplesmente assumir minha "inespecialidade" e continuar fruindo do gozo estético que me dão os "belos" quadros.
O texto destaca uma observação de Maurice Blanchot de que "achamos [no Romantismo] não a glorificação do instinto ou a exaltação do delírio, mas, bem ao contrário, a paixão do pensamento". Mas escreve Pedro de Andrade que "se depois o movimento caiu várias vezes no emocionalismo exagerado que conhecemos, foi porque abandonou, em outras vertentes, aquilo que buscaram - e como o buscaram - os primeiros românticos. Na origem da estética moderna, a criação estaria distante tanto da obediência a preceitos prontos quanto do extravasar voluntarista subjetivo". E reforça a perspectiva "pensada" da liberdade, quando diz: "[a] liberdade, porém, não se encontra no simples instinto do artista [...] Liberdade só ocorre quando o pensamento entra em jogo". E dá um desfecho interessante a essa ideia, que é a de que "por isso, a própria criação de Arte aproxima-se da reflexão filosófica". Não sei se essa aproximação se fez de modo muito apressado pelo autor do texto, mas é fato que muitos filósofos e artistas enxergaram essa vizinhança... se bem que também não sei se pelos mesmos motivos do autor.
Um ponto bastante interessante no texto é o que repensa o papel da "crítica de arte". Reflete muito bem o autor que "se o artista, ao criar, não obedece a prescrições, ao mesmo tempo, a crítica não procede como avaliação judicativa das obras, já que elas não teriam parâmetros préviso que tivessem orietado sua constituição". Ou seja, fazer um juízo de valores de uma manifestação artística fica muito mais difícil, já que não há parâmetros "objetivos" que devam ser cumpridos para que se chame determinada "coisa" de "arte". Explica o autor que "a tarefa da crítica não seria... avaliá-la [certa obra] com padrões dados, mas sim pensá-la. Refletir sobre a obra". Mais duas boas passagens sobre esse aspecto são: "Para a consideração sobre a arte abandonar o paradigma do 'juiz' e abraçar o paradigma da 'crítica', era preciso que ela se tornasse filosófica, já que o procedimento, agora, não visava achar os erros e acertos da obra, mas pensá-la" e "Se as obras pretendem originalidade, a crítica não pode julgá-las com os parâmetros que já conhece, ou perderia o que traziam de novo". Essa última passagem é por demais "desafiadora". Poderíamos resumir isso na seguinte pergunta: "Como julgar a inovação a partir de categorias 'velhas'?". Que não se pense que esses rótulos de "novo" e "velho" dizem respeito apenas à cronologia. O autor, em passagem anterior, nos adverte que "Platão e Michelangelo não passaram a ser menos atuais por conta de Heidegger e de Matisse. Provavelmente, a verdade é até o contrário".
O autor do texto insiste no papel da crítica da arte - que, no fundo, é o nosso próprio papel, enquanto espectadores dos movimentos artísticos - e coloca de modo bastante perfeito que "toda a tarefa da crítcia sobre as obras surge da ausência da escala de valores prontos para julgá-las". Se só podemos julgar a partir da "escala de valores" em vigor, mas se essa se torna inadequada para ser aplicada às inovações, qual é a saída... se é que existe uma? O autor, a partir das reflexões de Walter Benjamin, propõe que "a crítica não se situa fora da obra. Ela desdobra aquilo que a própria obra põe. Ela continua a obra. Tal continuação, porém, não é somente o acréscimo da opinião subjetiva deste ou daquele crítico de arte. Se as opiniões forem de fato críticas, elas serão o desenvolvimento da obra conhecendo-se a si mesma, 'o autoconhecimento desta', como dizia Benjamin". E continua, escrevendo: "reconhece-se, assim, que a obra-de-arte não é completa em si mesma [...] a crítica carrega a obra adiante, potencializa, desdobra. Não está lá e a obra cá".
Ficamos, então, com uma pergunta problemática: como "carregar" a obra adiante sem ser, também, um artista?
Heidegger dizia que "talvez se possa falar de poesia poeticamente". E a pergunta anterior ecoa: como falar poeticamente sem ser, também, um poeta?
Agora a coisa se complicou. Se meu juízo sobre uma pintura depende de minha qualidade artística para "desdobrar" a obra de arte, eu estou proibido de estabelecer qualquer avaliação em relação às artes. Prefiro simplesmente assumir minha "inespecialidade" e continuar fruindo do gozo estético que me dão os "belos" quadros.
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