terça-feira, 19 de julho de 2011

eSPINzofrenia...

   Dia desses, senti-me meio estranho, durante uma conversa com o insuperável professor Serra - não aquele do PSDB; até porque esse  de quem falo simpatiza mais com a Dilma.
   Sabedor de que sou um spinozano "convicto", o "polímata filosófico" Serra perguntou-me como iam minhas pesquisas sobre o luso-holandês. Informei-lhe que estava estudando mais profundamente o Estoicismo, para ver até que ponto realmente vão as semelhanças com Spinoza, que, inclusive, motivam muitos a dizerem que ele seria um "neo-estoico".
    Satisfeita a curiosidade de Serra, retomei um bate-papo anterior sobre Foucault como sociólogo e emendei: "Mestre, estava lendo sobre Durkheim, e achei coincidências com Spinoza em relação a alguns fatos". Ele me olhou de modo curioso, e antes que dissesse qualquer coisa, apresentei as tais "coincidências".
   Vejamos.
   Ambos nasceram em famílias judias e, ao que parece, estudaram para o rabinato. É verdade que, no caso de Spinoza, hoje em dia, já se questiona isso. De qualquer forma, ainda faz parte do "senso comum filosófico" que ele teria tido um início de preparação para tornar-se rabino.
   Além disso, Durkheim e Spinoza, embora em épocas diferentes de suas vidas, teriam abandonado a crença numa religião formal. Mesmo assim, o fenômeno religioso interessava a ambos. Durkheim chegou a ver a religião como uma chave para a compreensão da vida social. Em seu "Formas elementares da vida religiosa", indica que "certas representações coletivas 'sagradas'... servem à função de dar aos membros da sociedade uma identidade comum e favorecer a fidelidade". Não há como deixar de ouvir Spinoza "dizendo", na Introdução do "Tratado Teológico-Político", que "as leis reveladas por Deus a Moisés não eram senão o direito particular do Estado hebraico". Uma comparação leve, dá-nos a entender que ambos julgam a religião como fenômeno que mantém a trama social íntegra - seja sob o nome de "sociedade", em Durkheim, seja de "Estado", em Spinoza.
   A noção de "consciência coletiva" de Durkheim, em alguma medida, remete a uma certa falta de "livre-arbítrio", tese marcante - e muito problemática - em Spinoza. É certo que a noção durkheimiana não dá conta de todo o alcance da proposta spinozana. Se para o francês está se falando de um "determinismo psicológico", ditado por uma construção social, o luso-holandês radicaliza seu ponto de vista, tratando mesmo de um "determinismo metafísico".
   Em Durkheim, a ideia de "solidariedade orgânica" - aquela em que a divisão de funções numa sociedade estabelece uma solidariedade entre os indivíduos-componentes da mesma -,  que acaba por comparar o "todo", que é a  sociedade, a um organismo vivo, lembra, em certa medida, o que é a sociedade para Spinoza, visto que ele também percebe o "todo" como um ser vivo, com seu próprio conatus - aqui, um "conatus social", diria eu.
   Nem me lembro se fiz mais aproximações entre ambos. Mas parei, em determinado ponto. Vi o mestre olhando-me com um ar pensativo. Logo em seguida, ele disse algo como "Quando nos apaixonamos por algum pensador, vemos traços de suas ideias em vários lugares". Não pude deixar de concordar que é o que faço mesmo.
   Seguimos a conversa, com um viés mais específico: o judaísmo de Durkheim e Spinoza.
   Concluímos que outros pensadores judaicos, talvez por suas experiências pessoais no interior da comunidade, quando têm que "dialogar" com o mundo "extra-judaico" - seja ele secular ou cristão, por exemplo - parecem sempre colocar em perspectiva o fato de que a religião é algo fundamentalmente "organizador" da sociedade. Ou seja, esse não seria um ponto de vista deste ou daquele pensador exclusivamente, mas uma espécie de estofo comum a todos os egressos do Judaísmo.
    Pode ser verdade... mas o fato é que está nos dois; e que ambos têm alguns pensamentos que se "arranham", pelo menos.
   O fato é que saí da conversa com aquela afirmação - "Quando nos apaixonamos por algum pensador, vemos traços de suas ideias em vários lugares" - martelando minha cabeça. Surgiu, então, uma "preocupação": Será que estou vendo o mundo todo sob "óculos" spinozanos? Essa gerou outra questão: Será que estou "eSPINzofrênico"?
    Reflexões de cá; reflexões de lá... cheguei a uma "conclusão-diagnóstico": Estou eSPINzofrênico!
   Mas será que isso é realmente ruim? Enquanto uma espécie de "doença", certamente sê-lo-ia. Mas o que propõe um filósofo senão uma certa "visão de mundo", ou, talvez mais contemporaneamente - depois de Nietzsche, a Fenomenologia e etc. - uma "visada do mundo". 
   É essa "visão de mundo" proposta pelo filósofo que, ao fazer sentido para quem dela toma conhecimento, nos faz aderir ao seu "sistema" - por menos sistemático que ele possa parecer.
    Enchi o peito, ao final da minha reflexão, e gritei: "Eu sou um eSPINzofrênico!".   

Nenhum comentário: