sexta-feira, 29 de julho de 2011

Spinoza "neoestoico" (2)

   Se Spinoza é realmente um "neoestoico" - não stricto sensu, pois, como já vimos em post anterior, o termo tem um significado que não condiz especificamente com a doutrina spinozana, mas, pelo menos, lato sensu -, então teríamos que entender inicialmente o que quer dizer "estoico", a fim de compararmos os sistemas de ambos e chegarmos à tão esperada similaridade.
   O problema começa quando nos debruçamos mais detidamente sobre o Estoicismo. Vemos, logo de início, sem maiores preocupações doutrinárias, mas levando em conta apenas a historicidade, que há três "Estoicismos": o antigo (de Zenão, Cleanto e Crisipo), o médio (de Panécio e Posidônio) e o imperial (de Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio).
   O senso comum liga Estoicismo rapidamente a um dos aforismos mais típicos desta escola: "Domina-te e suporta". Um estoico é aquele que enfrenta corajosamente os reveses da vida. 
   Se não é errado fazer essa ligação, obviamente o Estoicismo não se limita ao que é representado por esse aforismo e, muito mais importante que isso, dispõe de uma fundamentação teórica ampla, a qual faz parte de um sistema muito bem estruturado, que suporta essa "coragem" estoica diante das vicissitudes.
    Para entender o que é o Estoicismo, não há como fugir da avaliação de sua fundação histórica e das circunstâncias em que ela se deu.
   Como todas as escolas helenistas - Estoicismo, Epicurismo e Ceticismo -, a teoria filosófica estoica deveria produzir um efeito prático: a tranquilidade da alma. Portanto, diz-se dessas escolas que elas produziram basicamente sistemas éticos, isto é, referentes ao ethos, ao comportamento prático do indivíduo frente ao mundo em que vivia. Embora liguemos o Ceticismo à Epistemologia, considerando-o sempre um "desconfiar" constante das "verdades" alcançadas pelas outras doutrinas, há que se lembrar que a proposta de "suspensão dos juízos" tem como finalidade última justamente a ataraxia, isto é, a "imperturbabilidade/tranquilidade da alma", conforme as demais escolas do período.
   Entretanto, Zenão de Cício (335-263aC), fundador do Estoicismo, não se limita a estabelecer simplesmente uma filosofia prática; realiza uma divisão de seu sistema em "partes": a Lógica, a Física e a Ética. Há uma analogia que compara o sistema estoico a uma propriedade rural, onde a Lógica é a cerca do terreno; a Física é o solo e a Ética seriam os frutos colhidos. Embora haja um interrelação absoluta entre as partes, pode-se perceber que elas exercem papéis diversos. Se a Lógica protege a doutrina de enganos e a Física dá suporte teórico, através do entendimento do mundo, às árvores que irão produzir, é a Ética, efetivamente, que fornecerá os frutos doutrinários, que poderão ser colhidos pelo sábio estoico. Apesar da imediata constatação, por conta da analogia, que a parte "principal" é a Ética, Zenão se furta a indicar isto, afirmando que todas as partes são igualmente importantes, bem como estabelecendo que, em realidade, não há "entrada" privilegiada para estudo da doutrina. Cada uma das "partes", sendo bem compreendida, permitiria acesso ao Estoicismo como um todo. De qualquer forma, pelo menos em termos pedagógicos, começava-se sempre pela Lógica, seguindo-se para a Física, até que se chegasse efetivamente à Ética.
   O Estoicismo tem início de um modo, na Antiguidade, mas logo recebe alguns retoques e inovações. Essas modificações vão se tornando mais severas, ao longo dos tempos, até que desembocamos em uma doutrina que praticamente abandona os aspectos lógico e físico - pelo menos enquanto especulação teórica, utilizando destes somente os aspectos imediatamente ligados à Ética -, no seu período dito "Imperial".
   A Lógica estoica é muito mais que um mero instrumento (organon) para a Filosofia, como fora para Aristóteles, dizendo respeito a toda uma Teoria do Discurso, incluindo uma poderosa Filosofia da Linguagem e, em certa medida, uma Teoria do Conhecimento. Em relação a ela, eu diria que acharemos poucos contatos com a filosofia spinozana.
   A Física e a Ética estoicas parecem produzir mais pontos de contato com a doutrina spinozana. E é isso que analisaremos em um próximo post.     

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