terça-feira, 27 de maio de 2014


   Dia desses, comprei uma versão portuguesa do Tractatus De Intellectus Emendatione. Na verdade, era uma edição bilíngue, latim-português. Gosto muito de ter as publicações em mais de um idioma para cotejar as opções de tradução.
    No caso específico desse escrito de Spinoza, o título já representa um problema. Vemos, por exemplo, "Tratado da Reforma do Entendimento", "Tratado da Emenda do Intelecto", e todas as opções que combinem "Emenda", "Reforma", "Aperfeiçoamento", "Intelecto", "Inteligência" e "Entendimento".
    Certa vez, quando fazia um curso com o professor André Martins, na UFRJ, sobre este escrito, nosso mestre indicou sua preferência por "Tratado da Reforma do Intelecto", se não me falha a memória. Não sei se sua opinião já se modificou. Mas a opção era explicada pelo seguinte: "emenda" parecia alguma coisa que era acrescentada externamente ao original e "inteligência", ainda segundo nosso querido professor, parecia aquilo que distinguia os capazes intelectualmente dos incapazes.
    Obviamente, André estava tratando do uso que nós fazemos desses termos no "nosso" Português. Nisso, acho que, em muito, ele tem razão. Mas, já na época, lembrei da "emenda" que se faz a um projeto de lei, e que, apesar de ser algo aposto ao original, tem o condão de modificar o projeto original, em tese, aperfeiçoando-o. Quanto à "inteligência", um dos aspectos negativos quanto ao termo foi eliminado quando li esta versão portuguesa. Lá constava um pequeno texto, antes do escrito de Spinoza propriamente dito, que falava da inclusão de algumas notas que melhoravam a "inteligência" do livro. Ou seja, "inteligência", ali, é sinônimo de "compreensão" e "entendimento".  
    Portanto, concluímos que há uma confusão entre o agente que entende (o "intelecto", mas também a "inteligência") e o processo de entender (o "entendimento", mas também, novamente, a "inteligência"). Vou pesquisar se, no latim, haveríamos de dar essa questão por encerrada. Mas lembro bem que, no grego, isso é facilmente resolvido. O nous, através do processo de noesis, produz um noema. O poietés, através da poiesis, produz o poiema. Ou seja, o agente poietés, através de um processo de confecção, a poiesis, produz o produto final, o poiema
    Particularmente, gosto do Tratado da Emenda do Intelecto, tanto pelo vínculo direto com o título latino, quanto por achar que "emendar" e "intelecto" correspondem bem ao processo de aperfeiçoar e ao agente do entendimento, que, neste caso, será paciente do processo de aperfeiçoamento.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Mais dois novos amigos


   Queria agradecer ao Antônio Carlos Di Tullio e à Marcela Leite por se juntarem aos "amigos dos amigos". 
   Sejam bem vindos! Qualquer comentário será bem recebido. Portanto, mãos à obra, na construção deste nosso espaço.
   Será que eu registrei que o blog já ultrapassou os cem amigos?! Somos 102, hein, gente!

quarta-feira, 21 de maio de 2014

"Ancient Ethics and Modern Morality"


   Por força da minha pesquisa, acabei esbarrando com o texto que tem o título do post. Trata-se de um escrito da famosa Julia Annas que acaba por desmitificar a crença na imensa distância que existe entre a "ética da Antiguidade" e a "moralidade da Modernidade". 
    A autora vai apresentando o que é tido como diferença radical entre as duas perspectivas, e defende uma minimização do gap entre os dois pontos de vista para cada um dos itens expostos. 
    O texto é muito bom. Pena, entretanto, que não seja tão facilmente obtenível numa pesquisa na net. Mas como eu sei que há os "feras" desse mundo virtual, valeria à pena procurar o texto em algum site gratuito.
    Existe um outro texto com o mesmo título, que pode ser encontrado na Internet Encyclopedia of Philosophy. Apesar de não ser tão bom quanto o da J. Annas, também merece ser lido. Para quem tiver curiosidade, aí vai o link: http://www.iep.utm.edu/anci-mod/

terça-feira, 6 de maio de 2014

"Justiça"

   
   Quando um rapaz foi preso, com uma trava de bicicleta, a um poste, aqui no Rio, abriu-se uma discussão sobre a "barbárie" que estávamos vivendo em nossa sociedade. Diga-se de passagem, discussão absolutamente pertinente e necessária.
    De um lado, aqueles que diziam que, como a Polícia não dava jeito na situação, o povo deveria "tomar as rédeas" da situação e fazer "justiça" com as próprias mãos; de outro, aqueles que, falando em nome dos Direitos Humanos, defendiam que ninguém pode sofrer tal violência.
    De minha parte, sempre defendo que quem tem que fazer justiça são as instituições do Estado. A Polícia tem que prender e investigar e o Judiciário tem que julgar a culpa e determinar a pena de quem se põe à margem da organização social.
   Agora, se a questão era importante quando prenderam um garoto que, segundo tudo indica, era realmente "culpado", o que dizer do espancamento, até a morte, de uma moça que, segundo tudo também indica, era inocente da acusação que lhe foi feita?
   Falo do caso da moça que foi acusada de sequestrar crianças, em São Paulo, e que, arrastada e espancada, veio a falecer. Parece que seu maior "delito" foi ser meio "diferente", o que tem a ver com um transtorno  mental do qual poderia ser portadora.
    Eu nem estou discutindo a questão da pena capital, em relação a qual sou favorável, embora em casos especialíssimos. No entanto, a Justiça - e não a "justiça" -, mesmo que seja tirar a vida de um indivíduo considerado, por exemplo, irrecuperável, tem que ser feita com toda a possibilidade de defesa, ainda que isso torne a responsabilização mais lenta.
    Não sou um sujeito "mórbido", e evito ver imagens de coisas terríveis desnecessariamente. No entanto, fiz questão de acessar os vídeos deste caso, para ter a real dimensão do que é um possível inocente ser massacrado por uma turba irracional e insensível. Vendo as imagens, senti-me como Spinoza querendo sair às ruas com um cartaz onde escrevera "Ultimi barbarorum", quando algo parecido ocorreu com seus amigos, os irmãos De Witt.
    Em vez de "Somos todos macacos", acho que é mais apropriado dizer "Somos todos insensíveis".