quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Giambattista Vico

 

   Herbert Spencer (1820-1903) é considerado o pai do Darwinismo Social. Este tipo de pensamento marcou profundamente a gênese da Antropologia Social. Na esteira desse discurso, o antropólogo americano Lewis Morgan (1818-1881) escreve, em 1877, Sociedade Antiga, em que descreve os três estágios de evolução das sociedades - selvageria, barbárie e civilização.

    Decerto que podemos lembrar de Auguste Comte (1798-1857), com sua Lei dos Três Estados - Teológico, Metafísico e Positivo -, divulgada no seu Curso de Filosofia Positiva, entre os anos de 1830 e 1842 - anterior, portanto ao A origem das espécies por meio da seleção natural, de Charles Darwin, publicado em 1859. Contudo, eu gostaria de voltar um pouco mais do que isso.

    Volto ao ano de 1725, ou seja, ao século anterior a esse do qual falamos. Encontro, então, La scienza nuova, de Giambattista Vico (1668-1744). Reconheço que ainda não estamos falando de "ciência" nos moldes que esta viria a ser definida posteriormente, com o rigor do método científico - embora a mesma procure argumentar em favor de um entendimento científico da História. De qualquer modo, gostaria de registrar algo sobre esse pensador italiano - com apoio do livro História da Antropologia, de Thomas H. Eriksen e Finn S. Nielsen, que registra:

    Vico propõe um esquema universal de desenvolvimento social segundo o qual todas as sociedades passariam por quatro fases com características própria e bem definidas. O primeiro estágio seria uma "condição bestial" sem moralidade ou arte, sendo seguida de uma "Idade dos Deuses", caracterizada pelo culto à natureza e por estruturas sociais rudimentares. Adviria, então, a "Idade dos Heróis", perpassada por perturbações sociais generalizadas resultantes de uma grande desigualdade social. Por fim, viria a "Idade do Homem", uma era em que as diferenças de classe desaparecem e a igualdade predomina. 

    Interessante perceber a visão antecipatória da proposta de Vico. Mas ainda há mais coisas que merecem destaque, no texto que cita o italiano. Vejamos:

    Vemos aqui, pela primeira vez, uma teoria do desenvolvimento social que não apenas contrapõe barbárie e civilização, mas especifica também alguns estágios de transição. A teoria de Vico serviria de modelo para os evolucionistas posteriores, de Karl Marx a James Frazer. Mas Vico detém um elemento que está ausente em muitos de seus seguidores. As sociedades não necessariamente se desenvolvem linearmente em direção a condições sempre melhores, mas passam por ciclos de degeneração e desenvolvimento. 

        Isso porque Vico indica que aquela tal fase da "Idade do Homem" seria "ameaçada pela corrupção interna e pela degenerescência em direção à 'bestialidade'". Ou seja, adeus "fim da História"!


    

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Paulo Freire


   Confesso-me um quase ignorante completo em Paulo Freire (1921-1997)... como em muitas coisas mais. Minha formação em Filosofia se deu como bacharel. Portanto, nenhuma necessidade houve de me debruçar sobre questões pedagógicas e educacionais. Agora, fazendo nova graduação, desta vez, de licenciatura em Sociologia, deparo-me com as disciplinas pedagógicas e... encaro Paulo Freire, entre tantos outros pensadores da educação.

    Vejo as ideias de Rousseau, Piaget, Vygostky, Dewey, Anísio Teixeira e mais um monte de pensadores, e me encanto com alguns dos aspectos apresentados. Mas por que falar especificamente de Paulo Freire, então?

    Inicialmente, gostaria de dizer que o blog não está vetado aos citados, bem como a outros que não fazem parte da lista ínfima acima. Mas... Paulo Freire está em moda no Brasil. Talvez, entre os educadores, ele nunca tenha saído de moda. Contudo, para o público em geral, as referências a ele, penso, são muito vagas. O "estar em moda" a que me refiro diz respeito ao uso - e, talvez, abuso - político que se faz de sua figura.

    Em função deste uso político... ou, melhor dizendo, ideológico que se faz de Paulo Freire é que me decidi a tentar conhecer um pouquinho mais do que está escrito em meu livro de referência da disciplina. Comprei outros livros, mais especificamente sobre ele, os quais, confesso, ainda não tive oportunidade de ler, bem como a Pedagogia do Oprimido - igualmente não lido. Em realidade, registro apenas as primeiras impressões - estas, vindas da internet. Trata-se de um pequeno embate entre um detrator e um defensor de Paulo Freire. Deixarei o link no final deste post, para quem se interessar pela interessante leitura. Contudo, gostaria de registrar algo que me pareceu importante, logo de início: talvez seja necessário falar em "Paulos Freires", no plural. Vamos lá...

    Poderíamos pensar, pelo menos, em três Freires diferentes: (1)  o de antes do Golpe de 1964; (2) o do exílio e (3) o que volta ao país, quando da redemocratização.

    Segundo Hugo Cristo, o defensor de Paulo Freire, este, quando apresentou seu famoso método de alfabetização para adultos, não tinha nada de político, no sentido de fomentador de uma revolução da ordem política vigente. Obviamente, num sentido lato, poderia ser considerada uma ação política, visto que visava permitir o acesso à leitura - ainda que minimamente -, o que dificultaria a manipulação dos atores políticos a quem interessava um povo completamente iletrado. Mas isso é outra estória.

    Aliás, em outro momento, pretendo refletir acerca do  fato de o método de Freire ser realmente autoral ou não. Bem como se já haveria esse ingrediente revolucionário nessa época. Porém, sigamos.

    O segundo Freire seria aquele do exílio. Este, segundo Hugo Cristo, "incorpora formalmente a discussão crítica da condição social do aprendiz". Ou seja, aqui temos, realmente uma caracterização mais politizada do educador Freire. Vale lembrar, então, que a crítica não recai mais sobre o Método Paulo Freire, mas sobre o seu posicionamento político, de viés marxista. 

    Sem entrar no mérito da questão, há que se registrar, como faz Hugo Cristo, que um posicionamento crítico à visão ideológica daqueles que o expulsaram de seu país é até afetivamente justificável. Porém, sigamos, já que o importante, neste post, é a demarcação dos três Freires.

    Por último, teríamos o Freire que retorna ao Brasil em 1980, e se filia ao Partido dos Trabalhadores. Este último teria uma atuação mais institucional, como planejador da educação, já integrado ao novo cenário democrático brasileiro. Portanto, já mais transformador da realidade dada do que propositor de uma revolução marxista no Brasil.

    Como introdução à reflexão sobre Paulo Freire, acho que valeu.

   O link da embate sobre Paulo Freire - embora devam existir outros - é: https://medium.com/@hugocristo/o-fracasso-da-pedagogia-de-paulo-freire-qual-delas-a0171dc9e254

     

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

O caso Carol Solberg (2)

 

   Vale ressaltar o que disse o presidente do STJD do Vôlei, Otacílio Soares de Araújo: "Ela está lá para falar do que ocorreu dentro da quadra, e não sobre a política brasileira ou mundial".

   Ainda bem que a atleta vai poder continuar jogando, depois da punição considerada branda.

O caso Carol Solberg


   Como alguns devem se lembrar, a atleta do vôlei de praia Carol Solberg, no mês passado, após conquistar o terceiro lugar em uma competição, gritou "Fora, Bolsonaro".

   O Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Voleibol, ontem, a condenou com uma multa, convertida em advertência apenas. Segundo o entendimento do tribunal, Carol teria descumprido um determinado artigo do Regulamento do Circuito de Vôlei de Praia. Este artigo indicava, de modo resumido, que nenhum atleta pode se valer de meios de comunicação para expressar uma opinião crítica que possa vir a prejudicar a competição ou seus parceiros.

   Não vou entrar no mérito do regulamento, nem mesmo da punição. Gostaria de refletir acerca de duas outras coisas: o opinar de Carol e um pedido de sua defesa, durante o julgamento.

   Primeiro, em relação ao ato de emitir um juízo político, por parte da atleta.

   Em princípio, sou a favor da plena liberdade de expressão. Penso que isso implique, inclusive, aceitar opiniões antidemocráticas; que defendam coisas que achamos desumanas - como o nazismo, por exemplo. Uma opinião é a externalização do que é pensado. Nesse sentido, acho que ela deve ser respeitada como um ponto de vista, entre outros tantos existentes. Respeito, contudo, não quer dizer concordância e adoção daquele ponto de vista como motivador de uma ação. Além disso, quem emite uma opinião deve assumir sua responsabilidade pelo que foi dito, incorrendo até em crime, dependendo do que for afirmado.

   Mas minha concordância ampla com o ato de opinar - e, obviamente, com o responsabilizar-se pelo que foi dito - exige uma reflexão a mais: as figuras públicas precisam de um cuidado a mais quando se posicionam de forma aberta. Isso porque muitas pessoas, pela simples fama daquele que profere a opinião, aderem irrefletidamente à mesma, como se a opinião do "famoso" tivesse um peso maior do que aquela de quem estudou o assunto e contradiz o que foi afirmado. Portanto, uma manifestação pública de uma figura amplamente conhecida, mesmo que fora da sua área de atuação, tem um peso diferente da de outras pessoas - inclusive daquelas que teriam mais "confiabilidade" no assunto. 

   Sob essa perspectiva, acho que tanto a manifestação de Carol - fosse, também, a favor do presidente -, quanto a de juízes, atores e outros, deveria ser bem avaliada pelos seus emissores. Digo isso, principalmente, porque a reverberação dessas opiniões pode criar tantos antagonismos na sociedade, que acabam por fazer mais mal do que bem.

   Quanto ao segundo ponto que levantei - aquele que diz respeito a uma solicitação específica da defesa de Carol -, gostaria de registrar que penso ser algo incoerente. Trata-se do pedido de que o julgamento não fosse político, mas exclusivamente técnico. Isso porque houve a preocupação de que a citação depreciativa ao presidente da República pudesse pesar contra a atleta - até porque uma das patrocinadoras e a própria organizadora têm a ver com o governo federal.  

   Dá até para entender o pedido da defesa, não fosse o caso de a origem da causa ter sido, justamente, nossa atleta ter deixado de lado exclusivamente o aspecto técnico da competição, para se imiscuir justamente no plano político. 

   Fica aí a reflexão, para quem quiser pensar junto comigo. 

    

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Covid-19 (2)

 

    Não são novidades... mas vale à pena relembrar:

- em 31/12/2019, a China notificou a OMS sobre o aparecimento de um tipo estranho de pneumonia em seu domínio territorial;

- em 11/01/2020, oficialmente, ocorre o primeiro óbito causado pelo, já então identificado, coronavírus ;

- ... doença se espalha pelo mundo; número de mortes aumenta dia a dia; OMS declara estágio de pandemia; governos locais assumem diferentes estratégias distintas; número de mortes aumenta dia a dia; número de mortes aumenta dia a dia; número de mortes aumenta dia a dia...

- em 28/09/2020, chega-se à incrível marca de UM MILHÃO de mortos em todo o mundo - com o Brasil registrando algo em torno de 141 mil óbitos desse total

    Hoje, 8 de outubro de 2020, recorro aos noticiários e vejo que o Brasil apresenta aproximadamente 148 mil pessoas que faleceram com causa atribuída ao coronavírus. 

    Não sou estatístico, nem infectologista, por isso, na falta de dados sobre os mortos no mundo, farei uma simples regra de três, extrapolando o dado de 5% a mais de mortos no Brasil, nestes dez dias, para obter os números mundiais, que ficariam, então, em torno de 1 milhão e 50 mil falecimentos por conta do coronavírus.

    Obviamente, a morte de cada pessoa dessas é uma dor enorme para a família e para aqueles que conviviam com o falecido. Isso, não há como negar. Por outro lado, também não há como desprezar o fato de que, uma vez perdida aquela vida, há que se tirar algum ensinamento disso. As políticas públicas devem trabalhar com esses dados, não para transformar uma pessoa em um número, mas, pelo contrário, para transformar números (de pessoas falecidas) em pessoas (que possam ser cuidadas e salvas pela adoção de estratégias sanitárias eficientes).

    Contabilizando já quase 150 mil óbitos no Brasil, obviamente, não há que se falar em "gripezinha"; contudo, acho que estamos muito longe de poder falar em "apocalipse". Senão vejamos...

    Notícia recente foi a de que o Nobel de Medicina de 2020, dividido entre os cientistas Harvey J. Alter, Michael Houghton e Charles M. Rice, pela descoberta do vírus da Hepatite C, que, segundo reportagens de jornais, mata 400 mil pessoas por ano, no mundo todo. Ora, em três anos de Hepatite C, perdemos mais pessoas que nesses nove meses de Covid-19. Sim, são escalas diferentes. Mas essa comparação bem superficial, mesmo reconhecendo a diferença de quase quatro vezes mais tempo na contabilização de falecimentos acumulados, indica que há várias mazelas que não resolvemos e que, somadas ano após ano, formam o que se deseja atribuir ao estado atual da Covid-19 como sendo o "apocalipse".

    Outra comparação comum que tem sido feita é entre a Covid-19 e a Gripe Espanhola. Esta última esteve presente no mundo entre janeiro de 1918 e dezembro de 1920. Os relatos da época mostram estratégias relativamente parecidas com as propostas atualmente, como o distanciamento social; uso de máscaras; etc. 

    Se avançarmos nessa comparação, em que pese a diferença de arsenal técnico-científico que temos entre as duas épocas, vamos perceber que os números de óbitos atribuídos a uma e outra são bem favoráveis, do ponto de vista de enfrentamento da doença e manutenção da vida, ao Covid-19.

       Diante dos 7,8 bilhões de habitantes do planeta Terra nos dias atuais, com 1.050.000 mortos, temos uma razão de 0,01% da população atual levada pelo Covid-19. Enquanto que os números, controversos, da Gripe Espanhola, falam em algo entre 2,5 a 6% da população mundial da época morta por esta doença.

    Vale ressaltar que os números da Gripe Espanhola são fruto de reanálises periódicas, variando entre 17 milhões e 100 milhões de mortos, pelo mundo, naqueles três anos de ação da doença.

    De novo, ainda que não se possa falar em "gripezinha", também não dá para fechar o discurso em torno de "apocalipse"... mesmo fazendo a ressalva de que estamos comparando algo finalizado (a Gripe Espanhola) com outra coisa em curso (o Covid-19).

    Depois, continuamos...



Covid-19

     Faz muito tempo que já não registro minhas ideias e o resultado de leituras por aqui. Ainda bem, para mim, que não fui vítima - letal, pelo menos - da pandemia que assolou nosso mundão. Então, mesmo com um tremendo atraso, ponho-me a fazer uma breve consideração sobre este momento.

    Infelizmente, a Covid-19 entrou para o rol das questões que são politizadas... ou melhor, partidarizadas. Como já deve estar claro para quem me lê, sou um entusiasta da Política (essa com "p" maiúsculo), mas tenho muitas reticências em relação à "política partidária". 

    Decerto que precisamos da política partidária para fazer Política. Mas não podemos confundir conquista e manutenção de poder, objetivo principal da primeira, com organização e administração da sociedade, a ser viabilizada pela última.

    Mas, vamos lá...

    Volto à ideia de que a pandemia passou a servir às disputas de poder, mais do que à administração da sociedade. Dados técnicos são lidos, por um e outro lado da disputa, com o viés que lhes interessa. Além disso, uma novidade, como a representada pelo coronavírus, passa a cristalizar "conhecimentos" tão seguros, sem que se perceba que estes podem ser - como diversas vezes foram - desmentidos na semana seguinte.

    A própria Organização Mundial da Saúde foi reinterpretando dados; ampliando saberes e se reposicionando, quanto às instruções, ao longo desse processo. E... os defensores e detratores de um determinado lado, aproveitavam esses redirecionamentos para se apegar à sua opinião acrítica e/ou atacar a do adversário.

    Fato é que, em vez de nos unirmos contra um adversário comum, o vírus, ficamos tentando tirar partido dos cadáveres que se somavam dia a dia, numa disputa estéril pelo poder. Como se ganhar a batalha, conquistando terra arrasada, valesse mais do que manter nosso solo pujante, para, vencido o inimigo comum, disputarmos o poder dignamente nesse ambiente salutar.

       Sem entrar em questões como "gripezinha" ou "apocalipse", que são narrativas, e não análises do fato real, gostaria de registrar alguns números... o que farei em outros posts.

    Mas... foi dado o pontapé inicial.

    E... grande abraço a quem me lê.