quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Superestimadas


   A revista "BBC History Brasil" nº 7 - 2015 trouxe uma matéria de título "Superestimadas - Dez personalidades mais louvadas do que deveriam". O texto diz: "Especialistas comentam por que muitas personalidades valiosas não merecem tantas honras assim. Muitos nomes da lista vão surpreender você".
   Realmente surpreendem. A lista final é a seguinte: Spartacus, Henrique V, Eduardo IV, Maria da Escócia, Napoleão Bonaparte, John Locke, Oscar Wilde, Charles Darwin, Wiston Churchill e Malcom X.
   Depois, posso até comentar algo sobre os outros, mas inicialmente chamo a atenção para o filósofo Locke.
   Fiquei com a impressão de que a matéria original deveria ter uma extensão maior do que a apresentada, visto que a argumentação para "destronar" uma figura tão amplamente reconhecida me pareceu muito pobre.
   Registrada essa impressão inicial, fui verificar quem era o "sujeito" que considerava Locke um superestimado. Trata-se do professor Justin Champion, que, após brevíssima pesquisa, descobri ser PhD por Cambridge e ter sido chefe do Departamento de História da Universidade de Londres. Não é pouca coisa! Além disso, é um inglês diminuindo outro. Talvez, se fosse francês, eu teria dado menos crédito à sua opinião. E mais, por alguns dos títulos de seus trabalhos, percebi que a época que o interessa é realmente o início da Modernidade. Há trabalhos sobre Thomas Hobbes (1588-1679) e John Toland (1670-1722).
   Mesmo reconhecendo a grande capacitação técnica do avaliador, fico com a opinião de que faltou muito a ser dito, caso se queira mostrar que a figura de Locke está superestimada, mas principalmente que faltou uma avaliação filosófica do conteúdo da obra do inglês seiscentista. Vejamos o pequeno texto:
   "Locke foi um homem de sorte. Como muitos de seus contemporâneos, era bem conectado, escreveu e pensou em boas ideias. Mas sua boa sorte foi deixada em um arquivo bem preservado. Volumes de cartas, numerosas obras de suas emoções, livros e cadernos, bem como uma série de best sellers de filosofia, teoria política e religião, fizeram com que historiadores criassem 'a Indústria de Locke'. Na atualidade, Locke vende mais livros do que em qualquer outro período.
   Suas ideias sobre as origens do governo, a natureza do conhecimento, as bases da tolerância religiosa, passaram a dominar o século 18. Seus argumentos sobre a natureza da obrigação política distorceram os conceitos modernos de liberdade; sentimentos de defesa da tolerância são considerados a melhor defesa da liberdade de pensamento (apesar de ser fundamentalmente um argumento cristão).
   A hegemonia do legado do liberalismo de Locke tem deformado a compreensão dos séculos 17 e 18: indiscutivelmente, isso definiu também a forma do discurso político no mundo moderno.
   Sem Locke, mais tempo, energia e veneração poderiam ter sido direcionados aos seus contemporâneos. Para muitos historiadores, Locke tem sido um par de mãos seguras, não contaminada por radicais. Um rapaz 'legal', mas definitivamente superestimado".
   Discordo, mas...

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

"Não dá nem um Barusco"


   Ontem, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, pegou pesado com o governo do PT. 
   Disse o ministro:
   "Me parece que há uma mesma raiz tanto para o fenômeno do mensalão quanto para este chamado 'petrolão', e agora 'eletrolão', e quantos 'ãos' venham ainda. Me parece que há uma mesma matriz, é uma forma de governar, é um modelo de governança. E isso que é problemático nessa história toda. (No mensalão) ficamos com aquele número cabalístico de R$ 170 milhões. Mas, agora, isso não dá nem um Barusco. Então, a gente vê o tamanho".
   Gilmar Mendes se assustou com o tamanho do rombo descoberto pela Lava-Jato, mas o mais importante foi seu diagnóstico sobre o estilo de governar do PT - "forma de governar" ou "modelo de governança", nas suas palavras -, o que também fica demonstrado em outra passagem de sua fala, em que diz:
   "A corrupção como sistema de governo, como forma de organizar a administração, realmente é algo impensável".
   Pode ser até "impensável" para pessoas honestas, mas, pelo visto, para quem estava operando esse sistema, a coisa estava muito bem pensada.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Golpismo?


   Embora, em princípio, eu seja contra o impeachment da Dilma, não acho correto falar em "golpismo", referindo-se a quem o defende. 
   O apelo ao fato de Dilma ter sido eleita "democraticamente" não me parece correto, a fim de validar a tese do "golpismo" contra quem quer retirá-la da Presidência. Isto porque é necessário lembrar que a democracia não se esgota na eleição. Ou seja, pode haver uma votação majoritária em alguém sem que esta pessoa realmente esteja "democraticamente eleita", no sentido exato da expressão. Difícil entender? Não acho. E explico minha opinião.
   A eleição de alguém implica que esta pessoa foi considerada digna de representar as posições daqueles que a escolheram. Além disso, que os métodos empregados no processo eletivo respeitaram as regras previamente estabelecidas. Desta feita, se é descoberto que houve compra de votos, ou "Caixa 2", ou pressão indevida sobre os eleitores, etc. e tal, o candidato eleito pode ter seu mandato cassado... apesar de, aparentemente, tudo ter corrido de acordo com o devido processo eletivo.
   Em resumo, há que se saber se houve legitimidade naquela outorga da representação ao candidato. Embora não haja nenhum impedimento previsto para casos de "estelionato eleitoral", em tese, um governante perde legitimidade se ele começa a fazer o que disse que não faria antes das eleições. Para não ficarmos só no caso brasileiro, pensemos no que ocorreu na Grécia. O primeiro ministro Tsipras foi escolhido pelo povo justamente porque prometia romper com o modelo de submissão dos gregos aos credores que impunham uma forte austeridade a eles. Sob essa bandeira, Tsipras conquistou o voto e se tornou a voz daqueles que o elegeram. Num movimento contrário, contudo, às suas propostas, ele teve que assinar um novo acordo com a União Europeia, a fim de obter recursos para poder continuar saldando suas dívidas. E este acordo submetia o povo, novamente, a duras restrições. Será que ele ainda tem legitimidade para continuar sendo o mandatário popular? Pelo menos em teoria, acho que não. Isto não quer dizer que simplesmente por tomar medidas impopulares alguém tenha que ser demovido do poder, mas que deve ter bastante cuidado com o que promete antes de chegar lá.
   Voltando ao nosso Brasilzão querido. Se a presidente Dilma não sabia o que estava ocorrendo em primeiro governo, não tinha competência para continuar nele... mas, se assim o povo quis, que ela continue até os eleitores resolverem trocar. Mas se ela sabia e, descaradamente, mentiu para os eleitores, simplesmente a fim de viabilizar uma continuidade no poder, ela vendeu uma imagem falsa àqueles que votaram nela. Neste caso, pelo menos em tese, ela não pode legitimamente representar seus eleitores, e, por esse motivo, não deve continuar conduzindo os rumos da nação. Mais ainda, se houve irregularidades na prestação de contas - as tais "pedaladas" -, ela cometeu crimes que precisam ser punidos, e ela, repito, não tem mais a legitimidade que se espera de alguém vencedor em eleições ocorridas de forma justa... e democrática.