sexta-feira, 31 de julho de 2015

Até os animais?


   Eu pensei que a sem-vergonhice estava limitada ao mundo humano. Mas eis que, através de uma notícia publicada estes dias, me dei conta que ela é mais ampla do que eu imaginava.
    Vejamos: 
   "Panda 'forja' gravidez para receber tratamento especial
   Uma panda do zoológico de Taipé, em Taiwan, teria apresentado falsos sinais de gravidez para garantir melhores condições no verão. Quando engravidam, elas são transferidas para quartos individuais com ar-condicionado e recebem mais frutas e bambu. O animal teve perda de apetite, espessamento do útero e aumento da concentração de progesterona fecal. Segundo especialistas, pandas inteligentes são capazes de forçar comportamentos para se beneficiar".
   Caramba!!!
   Agora, eu até entendi o "forçar comportamentos", mas não seria demais conseguir alterar até índices fisiológicos, como "espessamento do útero" e a "concentração de progesterona fecal"?
   Começo a ver que nós humanos somos até pouco competentes nas nossas tentativas de logro. Rsss.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Reflexões pós-revolução francesa


   Depois da leitura de Modelos de Filosofia Política, percebi a angústia de certos filósofos em compreender melhor o movimento completo da Revolução Francesa - de uma origem que pretendia a igualdade até uma carnificina "democrática", que não poupou nem mesmo alguns de seus maiores líderes.
   Chamou muito minha atenção a apresentação do pensamento de homens como Benjamin Constant (1767-1830) e Alexis de Tocqueville (1805-1859). 
   Prometendo posts futuros, neste momento só quero registrar a feliz coincidência de a Folha de São Paulo ter publicado, em versão econômica, para ser vendida em bancas de jornais, O Antigo Regime e a Revolução, de Tocqueville.
   Ah... lembro também que existe publicado em Português, pela Editora Edipro, Reflexões sobre a Revolução na França, de Edmund Burke.

Democracia


   O mesmo Dicionário de Política, de Bobbio, Matteucci e Pasquino - que já citei aqui, tratando do termo "demagogia" -, deixa de lado o que efetivamente diz Aristóteles, quando registra, no vocábulo "Democracia":
   "Na teoria contemporânea da Democracia confluem três grandes tradições: a) a teoria clássica, divulgada como teoria aristotélica, das três formas de Governo, segundo a qual a Democracia, como Governo do povo, de todos os cidadãos, ou seja, de todos aqueles que gozam dos direitos de cidadania, se distingue da monarquia, como Governo de um só, e da aristocracia, como Governo de poucos [...]".
   Fico pensando qual o motivo de não registrar pelo menos "Democracia/Politeia". Quem lê o dicionário fica com a nítida impressão de que, para o Estagirita, a democracia era algo positivo, sem nenhuma possibilidade de avaliação crítica da questão.

O Spinoza de Bertrand Russell


   Tenho o volume III de uma coleção antiga do Bertrand Russell em que ele trata de Spinoza. O texto está todo marcado, mas teria que relê-lo para lembrar exatamente como o filósofo inglês apresenta seu amigo holandês. Prometo fazer isso em breve, e comentar aqui. Ultrapassadas as leituras obrigatórias da professora Marilena Chauí, este foi um texto de referência lido por mim... mas lá se vão anos.
   Contudo, o post de hoje tem a ver com outro texto de Russell, o "The elements of Ethics", que se encontra no livro Philosophical Essays. 
   Neste texto, em dado momento, Russell se propõe a analisar a questão do mundo ser completamente bom... ou, pelo menos, de alguns assim o considerarem. Diz ele, então:
   "The belief that the world is wholly good has, nevertheless, been widely held. It has been held either because, as a part of revealed religion, the world has been supposed created by a good and omnipotent God, or because, on metaphysical grounds, it was thought possible to prove that the sum-total of existent things must be good."
   Russell indica que não tratará do aspecto teológico da questão. Sem problema. Afinal, não seria essa a análise que a mim interessaria. Prossegue, então, um pouco mais adiante:
   "As a mattter of fact, those who have endeavoured to prove that the world as a whole is good have usually adopted the view that all evil consists wholly in the absence of something and that nothing positive is evil. This they have usually supported by defining 'good' as meaning the same as 'real'."
   É curioso como essa discussão remete claramente ao filósofo alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716). Quem não lembra do "melhor dos mundos possíveis"? Mas existe uma diferença: Leibniz indicava que este mundo não é completamente bom, mas que, numa reunião daquilo que é bom com o que é mau, a harmonia favorável seria a que efetivamente se materializa. Portanto, não é dele a posição que Russell indica como daqueles que usualmente o fazem definindo "bom" como significando o mesmo que "real".
   Eu só lembrei isso porque Russell tem um livro específico sobre a filosofia leibniziana. 
   Note-se, também, que há uma pequena diferença técnica entre "the world is wholly good" e "the world as a whole is good". A mim parece que a primeira se coaduna com o que Russell quer dar a entender como a pura negatividade do mal, mas que a segunda forma diz respeito mais à posição leibniziana de que o todo, isto é, retirado o foco sobre cada parte - a qual pode até ser individualmente má -, sempre será bom.
     Mas voltemos à discussão principal.
   Então, segundo Russell, a forma mais usual de afirmar que o mundo é completamente bom consiste em identificar "bom" e "real". Que seja. O problema vem com o que o filósofo inglês indica depois:
   "Spinoza says: 'By reality and perfection I mean the same thing'; and hence it follows [...] that the real is perfect". 
    Eu falo em "problema" não tanto pelo que Spinoza diz, mas pelo que Russell depreende da fala do holandês. Vejamos...
    Spinoza não diz, em momento algum, que sua definição de perfeição é a mesma de bom. Aliás, o filósofo holandês começa explicando a etimologia de "perfeito" - que quer dizer apenas "feito até o fim". Imaginemos, por exemplo, que uma casa é construída de cabeça para baixo. Se o plano do arquiteto - seja lá por quais motivos - era justamente produzir uma casa de ponta-cabeça, ao final desta loucura, a casa se dirá perfeita. Contudo, é usual estabelecermos - ainda que imaginativamente - um "modelo" universal a ser seguido e tentar identificar se o objeto de estudo se encaixa neste padrão, o que, não ocorrendo, dá ensejo a que falemos em "imperfeição" da coisa. 
   Spinoza lembra ainda que temos uma tendência a tentar identificar esses modelos - que seriam uma espécie de "projeto" - mesmo para as coisas naturais, a respeito das quais, em realidade, não temos como vislumbrar um "projeto" estabelecido por um designer.   
   Explicado isto, devemos, sim, reconhecer que Spinoza identifica "realidade" e "perfeição", como Russell indica em seu texto. Contudo, visto que não há aquele "modelo ideal" a ser seguido, o holandês simplesmente quer dizer que aquilo que existe, ou seja, o "real" está feito completamente, isto é, está perfeito. Mas... isto não quer dizer, em absoluto, que esteja "bem feito"... ou, mais ainda, que seja "bom".
   O "bom", segundo Spinoza, é o que é "verdadeiramente útil". Envolve, portanto, algum grau de subjetividade - ainda que essa possa não corresponder à de um indivíduo. Eu diria, reunindo todas as correlações de Spinoza, que "bom" é o que tem a capacidade de nos fazer verdadeiramente felizes... embora para conhecer aquilo que efetivamente nos faça felizes, tenhamos que nos deslocar rumo à sabedoria.
   Deste modo, resta-nos reconhecer que mesmo uma "fera" da Filosofia pode, talvez por açodamento, embaralhar as coisas, e se enganar em algumas de suas afirmações.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Demagogia


   O Dicionário de Política, organizado por Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, registra neste vocábulo a seguinte definição:
   "A Demagogia não propriamente uma forma de Governo e não constitui um regime político, é, porém, uma praxe política que se apoia na base das massas, secundando e estimulando suas aspirações irracionais e elementares, desviando-a da sua real e consciente participação ativa na vida política. Este processo desenvolve-se mediante fáceis promessas impossíveis de ser mantidas, que tendem a indicar como os interesses corporativos da massa popular ou da parte mais forte e preponderante dela coincidem fora de toda lógica de bom Governo, com os da comunidade nacional, tomada em seu conjunto.
    [...] Na história das doutrinas políticas se faz necessário remontar a Aristóteles, que primeiro individualizou e definiu a Demagogia indicando-a como aquela prática corrupta ou degenerada da Politeia, pela qual se chega a instituir um governo despótico das classes inferiores ou de muitos que governam em nome da multidão (Política, IV, 5, 1292 a)".
    Em primeiro lugar, sendo sinceros, temos que indicar que o termo a que os autores se referem com sendo aristotélico, "demagogia", não é o que o filósofo grego usa. Ele, em realidade, usa "democracia". Podemos até concordar que, o termo vai ganhando ares diferentes com o passar dos anos, e que o conceito aristotélico, do modo que está registrado, poderia contaminar o entendimento - positivo - atual, com a visão de algo degenerado, como é o caso no Estagirita. Por esse motivo, valeria à pena substituir o "democracia", original, pelo "demagogia", conforme vemos. Que seja... o mais importante, contudo, é perceber como se dá esse tipo de "praxe política".
   Vemos que o que se faz é estimular as "aspirações irracionais" da "massa", "desviando-a da sua real e consciente participação ativa na vida política". O que está dito não é outra coisa que aquilo que Spinoza indica como sendo a manipulação dos afetos passivos, as paixões - no sentido técnico do termo -, diminuindo a capacidade de o ser humano direcionar-se para o que efetivamente lhe faz bem. Os desejos de honra, riquezas e prazeres sensuais tomam a liderança na motivação das ações. Este tipo de homem faz parte do "vulgo", afastando-se do sábio, que escolhe o que verdadeiramente lhe faz bem, e também à sua comunidade, que é uma espécie de macroindivíduo.
   Por último, vale ressaltar como vemos essa prática política grassando em nosso país.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Linha da pobreza


   O livro Globalização e Filosofia, de Michael Reder, diz, logo em sua Introdução, que "a pobreza é um problema grave como sempre: mundo afora, mais de um bilhão de seres humanos vivem abaixo da linha da pobreza, o que significa que eles dispõem de menos do que um dólar americano por dia para viver".
   Na verdade, o valor exato considerado como índice para determinação da pobreza varia. O mais aceito usualmente é o do Banco Mundial. Embora este utilizasse o valor de referência per capita da pobreza como US$ 1/dia, há algum tempo isto foi revisto. Hoje, a instituição citada utiliza US$ 1/dia como "linha de indigência" e US$ 2/dia como "linha de pobreza".
   Se fizermos uma conta rápida, estando o dólar hoje custando aproximadamente R$ 3,30, veremos que um casal com dois filhos cuja única fonte de renda seja a do responsável, recebendo um salário mínimo nacional (R$ 788), terá uma renda per capita diária de  US$ 1,99. Diríamos, portanto, que uma família deste tipo - nada tão impensável no nosso país -, simplesmente está beirando a pobreza. 
   A questão é saber quantas são as pessoas que se enquadram nesta faixa. Um dado da ONU, entre 2000 e 2007, mostra que, utilizando o índice per capita de US$ 1,25/dia, o Brasil tem aproximadamente 20%. Imaginem, então, se passássemos a utilizar os US$ 2? Talvez chegássemos à conclusão de que um em cada quatro brasileiros esteja vivendo em estado de penúria... ou, melhor dizendo, sobrevivendo em estado de penúria.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Ainda as paixões


   Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) concordava com Diderot, pelo menos no Emílio, em relação às paixões. Ele escreveu: "Nossas paixões são os principais instrumentos de nossa conservação; portanto, é um empreendimento vão e ridículo querer destruí-las".
   Já o também fracófono Jean Paul Sartre (1905-1980) pensava diferente. Disse ele, em O existencialismo é um humanismo: "O existencialismo não acredita no poder da paixão. Jamais pensará que uma bela paixão é uma torrente devastadora que conduz fatalmente o homem a certos atos e que, consquentemente, é uma desculpa. Pensa que o homem é responsável por sua paixão".
   A visão de Sartre corresponde coerentemente ao seu projeto existencialista, no que diz respeito à liberdade do homem. Contudo, penso que sua percepção da natureza humana - e, principalmente, da psicologia humana - perde, em termos de qualidade, para a de muitos outros filósofos que vieram antes dele. O reconhecimento de algo que nos escapa e que nos motiva abaixo do nível da consciência, ou da razão, ou pelo menos ao lado destas - ainda que não necessariamente nos determine completamente -, parece-me algo inelutável. Discutir se "fatalmente" determina nossos atos e em que medida "o homem é responsável por sua paixão" me parece interessante e válido, mas não reconhecer a onipresença deste "algo" em nós, penso beirar o excesso de inocência filosófica.

Diderot e as paixões


   Interessante a opinião de Denis Diderot (1713-1784) sobre as paixões - acabando por fazer eco ao modelo spinozano de pensá-las, ainda que se deva guardar uma diferença entre os dois pensadores.
   Diz Diderot, nos seus Pensamentos Filosóficos: "É o cúmulo da loucura propor-se a ruína das paixões. Que belo projeto o de um devoto que se atormenta violentamente para nada desejar, nada amar, nada sentir e que acabaria se tornando um verdadeiro monstro se fosse bem-sucedido!"

terça-feira, 21 de julho de 2015

Post nº 1000


   Apesar de este não ser um blog tão prolífico, ele chegou, com as citações de Burke, ao seu milésimo post.
   Legal!

Burke


   O irlandês Edmund Burke (1729-1797) é considerado o pai do Conservadorismo. Ele tem algumas frases bem interessantes. Vamos a algumas.
   - "Todas as reformas que fizemos até hoje foram realizadas a partir de referências ao passado; e espero, ou melhor, estou convencido de que todas as reformas que possamos realizar no futuro estão cuidadosamente construídas sobre precedentes análogos, sobre a autoridade, sobre a experiência."- Talvez essa seja a maior comprovação do seu espírito conservador-;
   - "dificuldade é um severo instrutor";
   - "superstição é a religião dos fracos";
   - "Aqueles que tentam nivelar nunca igualam. Em todas as sociedades compostas de diferentes classes de cidadãos é necessário que algumas delas se sobreponham às outras. Os niveladores, portanto, apenas mudam e pervertem a ordem natural das coisas, sobrecarregando o edifício social ao colocar no ar o que a solidez do edifício exige que seja posto no chão.";
   - "O exemplo é a escola da humanidade, a única que pode instruí-la.";
   - "O Parlamento é uma assembleia deliberante de uma nação, com o único interesse: o de todos; onde não deveriam influir fins e preconceitos locais, mas o bem comum."; e
   - "[Partido é] Um grupo de homens unidos para a promoção, através de seu esforço conjunto, do interesse nacional, com base em algum princípio determinado com o qual todos concordam." - Os políticos brasileiros precisavam dar uma olhada nestas duas.
   Há mais outras atribuídas a Burke, que também são muito boas - uma, inclusive, é a mais famosa "dele".
   - "Ninguém comete erro maior do que não fazer nada porque só pode fazer um pouco";
   - "É um erro popular muito comum acreditar que aqueles que fazem mais barulho a lamentarem-se a favor do público sejam os mais preocupados com o seu bem-estar"; e
   - "Tudo que é preciso para o triunfo do mal é que os bons homens não façam nada." - Esta é frequentemente citada como dele, mas nunca foi encontrada entre seus escritos.

A "Política", de Aristóteles


   O Estagirita é um estupendo cunhador de frases. Eu sempre lembro a "Uma andorinha não faz verão", da Ética a Nicômaco, mas há outras. Agora, lendo a Política, vejo outras, como:
   - "O homem é naturalmente um animal político" - a mais famosa de todas -;
   - "Terrível calamidade é a injustiça que tem armas na mão" - difícil não lembrar aqui do Estado Islâmico -;
   - "O macho é mais perfeito, e governa; a fêmea o é menos, e obedece" - ainda bem que não havia feministas na época de Aristóteles. Rssss -;
   - "A natureza nada faz em vão e sem um objetivo" - é curioso que Aristóteles fale isso, mas não tenha um "projetista" que estabeleça o tal objetivo e concatene as coisas em vista deste -; e
   - "A própria natureza desculpa a guerra" - Ai, ai, ai... Os sujeitos beligerantes adoraram essa.
   
   E isto tudo ainda dentro do primeiro livro!

"Por que virei à direita" VS. "Marx estava certo"


  Minha ideia de escrever um pouco sobre o livro Por que virei à direita diz respeito a uma "promessa" que fiz aqui no blog de analisar, mais detidamente, o Marx estava certo.
   Penso que a melhor análise começa sempre pelo entendimento claro do objeto de estudo - como disse Marcelo Consentino, "discernir o princípio essencial", que citei no post anterior. A partir desse pressuposto, vale à pena tentar olhar o que seria a "direita" que se contrapõe à "esquerda" que Terry Eagleton defende no Marx estava certo.
   Esse olhar o que seria a "direita" começará, então, com comentários retirados dos três ensaios contidos em Por que virei à direita. São eles: "Dez notas para a definição de uma direita", de João P. Coutinho; "A formação de um pessimista", de Luiz F. Pondé, e "A esquerda na contramão da história", de Denis Rosenfield.
   Depois escrevo mais.

"Por que virei à direita"


   O título do post é o mesmo de um livro a respeito do qual eu já falei aqui no blog. Os autores são João Pereira Coutinho, Luiz Felipe Pondé e Denis Rosenfield - havendo um Prefácio de Marcelo Consentino.
   O subtítulo do livro, que não registrei no do post, é "Três intelectuais explicam sua opção pelo conservadorismo". E essa última palavra parece criar uma confusão na cabeça de um leitor menos preparado. Isto porque a posição de "direita" poderia ser mais bem aproximada, num primeiro momento, apenas ao "liberalismo" - ou, talvez pior, ao "neoliberalismo" -, e não simplesmente ao "conservadorismo". 
   Para iniciar um comentário a esse respeito, talvez valesse à pena ler a abertura do Prefácio.
   "É fácil tipificar o homem de direita como o moralista hipócrita e pedante, ou então como o burguês satisfeito de si e indiferente a todo o resto, e opô-lo à sua contraparte esquerdista, o poeta militante que avança entre barricadas urbanas combatendo todas as forças de opressão[...]. [Mas] Seria igualmente fácil inverter os sinais e seguir os passos deste último [...] até o alto de um palanque jacobino, de onde comanda o despencar das guilhotinas para o espetáculo da plebe, ou até o interior de um gabinete bolchevique, de onde planeja usinas, gulags e o destino de multidões em uma planilha, e contrapô-lo ao homem de mentalidade conservadora, forjado pelo ideal da honra e do dever, temperado numa vida de renúncias, ora dando as costas a sonhos utópicos na rotina anônima e maçante da administração dos bens públicos e privados, ora usando mão forte em defesa da sociedade civil contra o banho de sangue em que guerrilhas e rebeliões armadas ameaçam mergulhá-la sempre que esses mesmos sonhos se pervertem em alucinações maníacas".
   Obviamente, cada uma das oposições mostradas acima atende a um viés ideológico distinto. E, em certa medida, correspondem à verdade - mas também à inverdade. 
   Segue o Prefácio.
   "Imagens como essas, no entanto, mais movem e comovem do que esclarecem [...] [A] condição primeira de toda boa crítica [é] discernir o princípio essencial de tal ou qual fenômeno intelectual ou social e, se possível, por seu lado bom". 
   Talvez esse "por seu lado bom" já seja um excesso. Em tese, pelo menos, deveria ser buscada a neutralidade. Desta forma, bastaria tentar "discernir o princípio essencial" do objeto de estudo, a fim de efetivamente poder confrontá-lo com suas posições pretensamente antagônicas.
   Um conservador prefere o que já está posto do que aquilo que é modificação. Contudo, não é um cego que prefere o pior, porque já está aí, ao melhor, que ainda não está. Por exemplo, não imagino que alguém com um mínimo de bom senso seja contra uma distribuição mais justa de bens e direitos em nossa sociedade. Portanto, que seja contra uma modificação do status quo que implique aumento da justiça. E, em sendo contra, que se negue a dar apoio a tal alteração na sociedade. Isso, por puro "conservadorismo". Contudo, imagino que o mesmo cidadão de bom senso não se empolgue muito com aventuras "utópicas" que preguem alterações práticas baseadas em um ponto de vista teórico que não pareça se coadunar com a natureza humana, sob a justificativa simples de tal modificação representa uma "inovação" e um "progresso" para a sociedade.
   Lembrando ainda que ser conservador não é ser reacionário!!!

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Dilma Antonieta


   O título do post é o mesmo de uma notinha da coluna do Ancelmo Gois. Através da nota, dá para perceber o quanto a nossa presidente Dilma anda conhecida no exterior... ou não.
   Vamos à nota:
   "Um guia francês conduzia um grupo de brasileiros, dias atrás, pelo Palácio de Versalhes, na França, quando começou a defender Maria Antonieta (1755-1793), a rainha casada com Luís XVI. Disse que 'os erros da monarquia, injustamente, foram creditados a ela', e concluiu: - É o mesmo que acontece agora com a Dilma no Brasil...
   Há controvérsias." 
   Boa essa...

O que é isso, Cunha?


   Fiquei surpreso ao ouvir a declaração do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) de que estava sendo perseguido politicamente, através da Operação Lava-Jato, de forma orquestrada pelo governo federal. Ora, pensei eu, como o governo pode comandar uma ofensiva contra alguém valendo-se de uma arma que está, antes de tudo, fazendo estragos em sua própria tropa? "Não é possível que o nobre deputado esteja acreditando no que diz!", refletia eu. "Ou será que eu perdi alguma parte dessa estória?", ponderava cá com meus botões.
   Por sorte, o estranho proferimento de Cunha soou mal nos ouvidos de outras pessoas também. Assim é que, nas suas colunas do jornal O Globo, Ilimar Franco, Jorge Bastos Moreno e Miriam Leitão exibiram a incongruência da fala do deputado.
   Ilimar disse: "Uma teoria conspiratória de péssima qualidade, pois, se o governo tivesse condições de controlar os controladores e os investigadores, não estaria na situação de penúria política em que se encontra".
   Jorge Bastos escreveu:"As alegações de Cunha de que há dedo do Palácio nisso não se sustentam, pelo simples fato de que a Lava-Jato atinge também o governo, e quem tem poder para botar alguém na roda tem também para tirar os seus do mesmo escândalo".
   Por último, Miriam: "Por elementar, se pode afastar essa visão persecutória. Se tivesse capacidade de manipular o órgão policial e as instituições do Ministério Público e Justiça, o governo o faria em seu próprio benefício. Não tem conseguido no MP nem na Justiça de primeira instância".
   Ufa... eu pensei que eu estava emburrecendo. Mas, aparentemente, só continuo tão burro quanto sempre fui. Rsss.
    Miriam ainda diz mais: "A reação do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, é uma tentativa de se desvincular de um escândalo que o pega de frente. Na sua declaração se vê a tentativa inútil de camuflar algo que está visível".
    Aliás, a coluna da Miriam começa com algo muito engraçado, que lembra muito aquela declaração do Romário  - "O Pelé calado é um poeta" -, embora prossiga com uma avaliação muito séria. Diz ela: "Quando a presidente Dilma fala, a gente nota que o silêncio lhe cai bem. Quando nada diz, pode-se ter a esperança de que ela esteja entendendo o grau de confusão no qual o país está. Ao falar, Dilma confunde confissões extraídas sob tortura na ditadura com delações previstas em lei, feitas por criminosos à Justiça, em pleno Estado de Direito. Nas reuniões que faz para avaliar a crise, a presidente mistura governo com partido ou tem encontros que, do ponto de vista institucional, não deveria ter para tratar deste tema, como o que manteve com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)".
   Eita, crise!!! Realmente, as instituições políticas brasileiras estão meio "alopradas". 

quinta-feira, 16 de julho de 2015

O segundo sem um primeiro


   Outro dia, conversava com um amigo sobre Filosofia Política. Tratamos brevemente sobre a coincidência cronológica entre Spinoza e Locke, mas da provável não influência teórica de um sobre o outro.
   O assunto foi seguindo, e ele me perguntou: Por que só se ouve falar no Segundo Tratado sobre o Governo Civil? E o primeiro?
   Realmente, fiquei sem uma resposta naquele momento. Sei que a Filosofia Política de Locke realmente se apresenta de forma clara no Segundo Tratado, com todo seu arcabouço teórico sendo aí proposto. Mas e o Primeiro Tratado?
    Humildemente fui procurar a resposta. Em primeiro lugar, nem o texto do Primeiro Tratado, eu tenho. Achei, contudo, uma apresentação resumida do mesmo, capítulo a capítulo, no site da organização Arcos ( http://www.arcos.org.br/cursos/teoria-politica-moderna/john-locke/primeiro-tratado-sobre-o-governo-civil ). A partir dessa breve leitura, penso que, como se tratava de uma polêmica feita diretamente com o texto de Robert Filmer (1588-1653), O Patriarca, a obra fica muito "datada" e restrita à produção de contra-argumentos. Embora se depreenda que também são geradas ideias que poderão fundamentar o projeto posterior de Locke, efetivamente realizado no Segundo Tratado, de uma visão mais abrangente e melhor fundada teoricamente sobre o Governo Civil, ou seja, sobre o Estado, realmente parece que seria necessário para compreender sua visão geral apenas este último texto.
    Além disso, o ponto de vista de O Patriarca, apoiando a monarquia absolutista fundamentalmente a partir da Bíblia, parece incomodar àqueles que estão pretendendo filosofar sem as barreiras impostas pela autoridade eclesiástica, como é o caso de Locke, mas também de Spinoza, entre outros.
   O Dicionário de Obras Filosóficas, de Denis Huisman, publicado pela Martins Fontes, diz o seguinte, no verbete "Dois Tratados sobre o Governo":
   "O primeiro [tratado] trava uma polêmica com Robert Filmer, autor de uma obra política que tivera alguma repercussão: Patriarcha (1680) [publicada postumamente]. Filmer, que também será atacado com violência por Rousseau, defendia o absolutismo monárquico, identificando o poder real com o poder paterno; para isso, baseava-se numa referência aos textos bíblicos. Locke, assim como mais tarde Rousseau, empenha-se em refutar essa confusão. O exercício do poder político não apresenta nenhuma analogia com a autoridade do chefe de família, e a comparação é objetivamente ilegítima. Por outro lado, nenhum dos dois poderes é transmitido por herança (segundo Locke, a herança só deve ser aplicada à propriedade). Ademais, esse primeiro tratado denuncia a utilização abusiva da autoridade da Bíblia por parte de Filmer. A lei natural não autorizaria, portanto, o poder de uma única pessoa sobre todas as outras; ao contrário, ela determina a liberdade".
   Dito isto, e após uma leitura do resumo do Primeiro Tratado, disponibilizado no site da Arcos, sugiro que permaneçamos lendo somente o Segundo Tratado mesmo... validando o título do post "O segundo sem um primeiro". Rssss 


Gosto...


   "Gosto não se discute!". Esta é uma citação muito comum, principalmente quando vemos dois interlocutores não conseguirem chegar a um veredito sobre um objeto de discussão, ainda mais se este envolver uma valoração subjetiva.
   Mas será mesmo que gosto não se discute? Será mesmo que o "padrão" do gosto é sempre algo completamente subjetivo? Será que introduzir alguma objetividade neste quesito de avaliação é tirar a liberdade do sujeito, cerceando-o e colocando-o sob a pressão da "moda" ou da "média"?
   Uma interessante discussão desta matéria é feita pelo filósofo David Hume, em seu O padrão do gosto, que se pode encontrar em http://www.fafich.ufmg.br/bib/downloads/HUME_vestibular_2013.pdf
    Ah... essa lembrança só me surgiu depois de ver o equivalente da citação que abre este post mas em latim. É assim: "De gustibus non disputandum".
   Ficará bem mais chique, em meio a uma discussão sobre a melhor cerveja, no boteco da esquina, diante do impasse entre a Antarctica, a Brahma ou a Skol, soltar um "De gustibus non disputandum" que um "Gosto não se discute", não é? Rsss.


quarta-feira, 15 de julho de 2015

O "Não" da Grécia (3)


   O Parlamento grego aprovou quatro das exigências imediatas da União Europeia para liberação da ajuda de 86 bilhões de Euros. Dos trezentos parlamentares, 229 votaram a favor. É um número expressivo. Da mesma maneira que eu coloquei no post anterior, parece que o "não" ideológico cedeu ao "sim" pragmático. 
   A única coisa estranha neste caso é que o FMI, um dos credores da Grécia, se manifestou dizendo que, do modo que está, a dívida grega é impagável, sendo necessário, portanto, que os credores abram mão de parte do que têm a receber.
   Parece que os partidários do "Não" poderiam até ter usado isso para reforçar sua posição. Afinal, se o próprio credor considera a dívida impagável, a não ser que haja um desconto no valor dos títulos, mais fácil parece ser, para o devedor, justificar a não aceitação de termos de negociação que só exijam mais sacrifício seu.
   Segundo notícias, a greve convocada por centrais sindicais não contou com a adesão esperada. Parece que a prudência manda cumprir o acordo, apesar das dificuldades que serão enfrentadas.
   Será que a "novela grega" acabou?

Badminton brasileiro no Pan


   Os Jogos Panamericanos estão acontecendo no Canadá, agora em 2015. Neste momento, o Brasil está na terceira colocação, atrás apenas de Canadá e Estados Unidos. O comentário que quero fazer, contudo, não é da equipe brasileira no geral, mas especificamente das equipes de Badminton, feminina e masculina.
   Sobre a equipe feminina, primeiro. Nota 1000 para as "Irmãs Williams" brasileiras - como são conhecidas, em referência às irmãs americanas do tênis de quadra. Luana (20) e Lohaynny (18) Vicente começaram a praticar o esporte em um projeto social, dentro de uma comunidade carente no Rio de Janeiro. E acabaram de conquistar a medalha de prata. Lembrando o passado, Luana disse: "Se não fosse o badminton não sei o que seria da minha vida. Muitas das meninas que começaram conosco no projeto ou estão mortas, ou estão grávidas. O esporte entrou no momento certo em nossas vidas". Mas, de alguma forma,  não foi só o Badminton que fez a diferença. Afinal, como ela mesma disse, outras meninas também compartilharam desta oportunidade, e hoje padecem de males relativamente comuns dentro das localidades em que vivem.
   Então, a diferença está mesmo é nas próprias irmãs, que agarraram a oportunidade, e fizeram dela um trampolim para um caminho melhor. E ainda há um fato a ser destacado: o pai das moças foi assassinado, em 2000, justamente por estar ligado ao tráfico. Novamente, parabéns às "irmãs Williams" brasileiras!
   O outro destaque vai para a dupla masculina. Apesar de também conquistarem a medalha de prata - o que deve ser elogiado -, fiquei sem entender a inscrição "Brazil", na parte posterior dos seus uniformes. Que coisa foi aquela?
   De qualquer modo, parabéns ao Brasil pela participação bastante representativa, até o momento.

terça-feira, 14 de julho de 2015

O "Não" da Grécia (2)


   A novela grega continua. Depois do ideológico "Não" da população, parece que o premier Tsipras não aguentou a pressão, e assumiu - ainda que temporariamente - um pragmático "Sim". 
   Segundo o que tenho lido, não há muita diferença entre o que era exigido inicialmente dos gregos e o que foi efetivamente aceito após aquela reunião de dezessete horas. Aliás, O Globo, em uma matéria cujo título é "Rendição ao ajuste", chega a dizer que as "exigências dos líderes europeus [foram] por um ajuste fiscal ainda maior que o rejeitado em referendo pela população grega há apenas uma semana". No entanto, mesmo que fosse "apenas" igual, é importante lembrar que ainda há a necessidade de o Parlamento grego aprovar o acordo. Contudo, em isso acontecendo, fico a pensar com que cara o Tsipras vai se apresentar diante dos eleitores, que o escolheram justamente para fugir à austeridade imposta pelos partidos que se alternavam no poder antes dele - o Nova Democracia (de centro-direita) e o Pasok (de centro-esquerda).
   A verdade é que a situação não é nada simples.
   Vejam os pontos do acordo. 

1. Pedir ajuda contínua ao Fundo Monetário Internacional (FMI), já que o atual programa expira no começo de 2016.
2. Ajustar o imposto ao consumidor e ampliar a base de contribuintes para aumentar a arrecadação do estado. Estas mudanças deverão ser aprovadas até esta quarta-feira (15).
3. Fazer reformas múltiplas no sistema de aposentadorias e pensões para torná-lo financeiramente viável. As reformas iniciais deverão ser aprovadas até esta quarta-feira (15), e outras em outubro.
4. Garantir a independência do sistema de estatísticas do país, responsável por divulgar dados econômicos e populacionais.
5. Criar leis até que assegurem "cortes de gastos quase automáticos" se o governo não cumprir com suas metas de superávit fiscal. Estas leis devem ser criadas até quarta-feira.
6. Reformar o sistema de justiça civil até 22 de julho, para torná-lo mais eficiente e reduzir gastos.
7. Fazer reformas comerciais que permitam abrir estabelecimentos comerciais aos domingos e ampliar os horários de vendas, entre outras.
8. Privatizar o setor elétrico, a menos que se encontre medidas alternativas com o mesmo efeito.
9. Reformar o sistema trabalhista. Isso inclui revisar negociações coletivas e regulamentações de demissões coletivas.
10. Reduzir a oferta de crédito de alto risco e regulamentar o sistema bancário.
11. Aumentar de forma importante o programa de privatizações com a transferência de € 50 bilhões em ativos gregos a fundos independentes com sede na Grécia.
12. Modernizar, fortalecer e reduzir os gastospara o governo grego, com uma primeira proposta que deverá ser feita até 20 de julho.
13. Permitir que a troika – Banco Central Europeu, FMI e Comissão Europeia – volte a Atenas. O governo deve consultar estas instituições para fazer todas as reformas relevantes antes de submetê-las à consulta pública ao Parlamento.
14. Voltar a examinar, e se for o caso mudar, as leis aprovadas nos últimos seis meses que podem ter levado ao retrocesso dos programas de resgate anteriores.

Edivaldo e Edvardo...


   Dois irmãos humildes vêm do Ceará, ainda meninos. O mais velho, Edivaldo, ingressa na Polícia Militar e chega ao oficialato. O mais novo, Edvardo, delinque e vai para o presídio.
    Histórias bastante diversas. Afastados por estas histórias, os irmãos passam quase vinte anos sem se encontrar. Ao sair da prisão, Edvardo, com 46 anos, é recebido pelo irmão Edivaldo, de 53, que lhe oferece apoio, na forma de uma casa mobiliada, roupa, comida e um emprego.
   Essa boa acolhida poderia sugerir que o irmão ex-presidiário fosse se corrigir. Contudo, não foi o que ocorreu. Edvardo participou, na última sexta-feira, do assassinato de um trabalhador que transportava valores, no meio de uma movimentada estação do metrô do Rio de Janeiro.
   Por si só, esse afastamento dos dois caminhos já seria algo notável de ser mencionado. No entanto, ainda tem mais. As câmeras de circuito interno da estação filmaram o grupo de bandidos - entre eles, o Edvardo. Reconhecido pelo irmão coronel, o irmão bandido foi denunciado e teve sua identidade revelada.
   Declaração do irmão mais velho: "Dizer que ele não teve oportunidade é mentira. Eu o ajudei. Somos irmãos do mesmo pai e da mesma mãe. É lamentável que ele tenha tirado a vida de uma pessoa de bem de uma forma tão estúpida".

sexta-feira, 10 de julho de 2015

A volta da barbárie?


   Há algum tempo, venho manifestando minha preocupação com o aumento da barbárie, sob o ponto de vista local - deixando de lado a dimensão global, por ora.
   Um dos aspectos mais alarmantes desta materialização da barbárie de âmbito local, penso, é a banalização da violência produzida nos assaltos. Não fosse a violência do próprio ato de expropriar alguém dos seus bens - por vezes, tão dificilmente obtidos -, agora temos que lidar com os "objetos perfurocortantes" sangrando nossa sociedade. 
   Esse é um fato que já me perturba e preocupa. Contudo, é na esteira deste tipo de acontecimento que vejo a grande possibilidade de instalação da barbárie. Uma sociedade organizada reconhece a existência deste "descompasso" no seu seio e mobiliza suas instituições para operar os instrumentos inibidores do mesmo. Já uma sociedade "bárbara" trata de caçar os elementos viciosos e "dar cabo" deles. E aí começamos a ver, por exemplo, os linchamentos... e, pior, o aplauso a eles.
   Hoje, leio no jornal que, no bairro de Senador Camará, no Rio de Janeiro, um homem foi salvo pela Polícia de ser morto pela própria população, num apressado movimento de julgamento e execução penal popular. Caso isolado? Antes fosse. Por esses dias, um homem foi assassinado em semelhante situação, no Maranhão.
   Uma sociedade que não crê nas instituições que devem organizá-la está se perdendo. E o pior é quando, além de não crer nelas, esta sociedade pretende fazer o papel do Estado. Como dizia Weber, o Estado é aquele que detém o monopólio da violência. Justamente isso que queremos retirar do Estado? Por que não escolher a disseminação da civilidade, de que o Estado já não consegue dar conta?
    Não aos linchamentos! Não à barbárie que bate às nossas portas!

quinta-feira, 9 de julho de 2015

O Problema da Merda


  Em A insustentável leveza do ser, como eu disse no post anterior, o autor registra opiniões suas, fora da trama. Assim é que, na sexta parte do livro, conta como se deu a morte do filho de Stalin. Logo depois, narra sua leitura de uma edição do Antigo Testamento para crianças, com gravuras de Gustave Doré. Inocente seria a estorieta, não fosse o que viria como decorrência dela, uma análise sobre "O Problema da Merda", quase tão angustiante para os teólogos quanto o famoso "Problema do Mal". Vejamos o trecho do livro.
   "via nele [no livro ilustrado] o Bom Deus em cima de uma nuvem [...], tinha olhos, nariz, uma barba comprida e eu dizia comigo mesmo que, como ele tinha boca, devia comer. E se comia, devia ter intestinos. [...] Sem o menor preparo teológico, espontaneamente [...] já compreendia [...] que existe incompatibilidade entre a merda e Deus e, consequentemente, percebia a fragilidade da tese fundamental da antropologia cristã segundo a qual o homem foi criado à imagem de Deus. Das duas uma: ou o homem foi criado à imagem de Deus e então Deus tem intestinos, ou Deus não tem intestinos e o homem não se parece com ele. [...] Para resolver esse maldito problema, Valentim, grão-mestre da gnose do século II, afirmava que Jesus 'comia, bebia, mas absolutamente não defecava'. 
   A merda é um problema teológico mais espinhoso que o mal.[...]
   Enquanto foi permitido ao homem permanecer no Paraíso, ou (como Jesus segundo a teoria de Valentim) ele não defecava, ou, o que parece mais verossímil, a merda não era considerado algo repugnante. Ao expulsar o homem do Paraíso, Deus lhe revelou sua natureza imunda e o nojo.[...]
   Se, ainda recentemente, a palavra merda era substituída nos livros por reticências, isso não se devia a razões morais. Afinal de contas, não se pode pretender que a merda seja imoral! A objeção à merda é metafísica [ROLANDO DE RIR, AO LER ESTA FRASE]. O instante da defecação é a prova cotidiana do caráter inaceitável da Criação. Das duas uma: ou a merda é aceitável (e nesse caso não precisamos nos trancar no banheiro!), ou a maneira como fomos criados é inadmissível".
   Diverti-me com essa! 
   

quarta-feira, 8 de julho de 2015

A insustentável leveza do ser


   Ainda dentro do meu espírito sabático, li A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera. Já há muito tempo desejava conhecer esta estória... talvez, a bem da verdade, menos pelo próprio enredo do que pelo instigante título. Por que a leveza seria insustentável? Sempre fiquei com a impressão de que uma alma pesada é que seria ruim. Aliás, o próprio livro comenta os pares de opostos apresentados por Parmênides, e o "pesado" é sempre o negativo, diante do "leve".
   Adorei o livro. Apesar da narrativa ir e vir - do que eu normalmente não gosto -, essas circunvoluções são tão bem feitas que não há como deixar de admirá-las. O pano de fundo, da invasão russa à Tchecoslováquia, após a Primavera de Praga, traz um profundo peso às estórias individuais dos personagens que se entrecruzam.
    Achei também superinteressante o autor "aparecer" no livro vez por outra, falando da própria criação e dando opiniões.
    Minhas considerações críticas sobre o livro certamente são dispensáveis, visto que não sou nenhum literato, mas separei algumas observações que achei interessantes. Seguem algumas.

Sobre fofocas, por exemplo:
"as pessoas se alegravam demais com a humilhação moral alheia para deixar esse prazer ser estragado por uma explicação".

Sobre o idioma alemão:
"Na língua de Kant, mesmo a expressão 'bom dia', devidamente articulada, pode parecer uma tese metafísica. O alemão é uma língua de palavras pesadas".

Sobre a individualidade:
"A unicidade do 'eu' se esconde exatamente no que o ser humano tem de inimaginável. Só podemos imaginar o que é idêntico em todos os seres, o que lhes é comum. O 'eu' individual é o que se distingue do geral, portanto o que não se deixa adivinhar nem calcular antecipadamente, o que precisa ser desvendado, descoberto, conquistado no outro".
   
Sobre a humanidade do homem:
"O verdadeiro teste moral da humanidade (o mais radical, situado num nível tão profundo que escapa a nosso olhar) são as relações com aqueles que estão à nossa mercê: os animais".

Sobre a eutanásia:
"Os cães não têm muitos privilégios sobre o homem, mas um deles é apreciável: para eles, a eutanásia não é proibida por lei; o animal tem direito a uma morte misericordiosa".

No entanto, a mais interessante citação, eu vou deixar para um próximo post. Trata-se de um paralelo com o famoso Problema do Mal, que tanto trabalho dá aos teólogos...

Dois aniversários


   Gostaria de registrar dois aniversários - um bom e um ruim. 
   O primeiro, muito bom, eu diria, vai junto com um pedido de desculpas, visto que ocorreu, na verdade, ontem. Trata-se do aniversário de nossa querida amiga dos amigos deste blog, a Maria. Parabéns!
   O segundo, muito ruim, acontece hoje mesmo. Trata-se do aniversário da surra que o Brasil levou da Alemanha (7 a 1!?!?!) na última Copa do Mundo... ocorrida bem aqui no território nacional. Antiparabéns...

Polética


   Qual a relação entre Política e Ética? Nenhuma... ou são temas inseparáveis? Será por um certo pudor moralista que costumamos esperar que o comportamento dos políticos se enquadre em modelos que deveriam reger as relações intersubjetivas?
   Embora, em alguma medida, várias das reflexões deste blog já coloquem estas mesmas perguntas, haverá um esforço maior, de minha parte, em recolocar organizadamente estas questões.
   Eu gostaria de usar um termo específico para estas reflexões: "Polética".

Dilma, a culpada... Será?


   Outra matéria da mesta revista diz que "O esporte do momento em Brasília [...] é ridicularizar Dilma". Obviamente, uma sequência de considerações infelizes na abertura dos Jogos Indígenas, com o enaltecimento da mandioca e a referência a "mulheres sapiens", deu material para as piadas. Contudo, parece que o aumento dos índices de rejeição à presidente está fazendo com que seus aliados tradicionais, inclusive o maior deles, o ex-presidente Lula, exagerem no tom das críticas. Será que eles não estão sendo simplesmente oportunistas?
   A matéria propõe uma pergunta: Mas será ela [Dilma] a verdadeira responsável pela crise que acomete o Brasil em 2015?
   E a resposta é: "Ninguém discorda de que a presidente tem responsabilidade - e muita - pela crise econômica. Mas os fatos políticos dos últimos meses, e em especial das últimas semanas, demonstram que a crise prolongada - política, social, criminal e econômica - é sintoma da ruína de uma era, uma era definida não por Dilma, mas por quem a concebeu politicamente: Lula, o pai".
    Ah... o Lula é? Justamente ele, que acusa sua "filha" de estar no "volume morto"?
   Eu só não sei se o próprio estilo pessoal de Dilma, autoritário e, até certo ponto, grosseiro - de acordo com informações que vazam dos corredores do Palácio do Planalto -, acaba ajudando a inflacionar as críticas e troças. Talvez, numa espécie de "vingança", aqueles que a cercam carregam nos discursos contra ela.

Saindo do armário


   A expressão que dá título ao post já se tornou comum, significando a revelação de alguém, há muito oculta, de que era gay. No entanto, no texto do jornalista Guilherme Fiuza, na revista Época de 29 de junho, ela foi usada, inteligentemente, para outra situação.
   No texto, ela faz referência a um discurso do ex-presidente Lula, que desgostoso com seu partido, reconhece que "A gente só pensa em cargo". Fiuza, de bate pronto, mandou essa: "Demorou, mas finalmente o fisiologismo petista saiu do armário". 
   Ainda rindo...

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Nobreza


   A revista Veja de 1º de julho trouxe uma matéria chamada "Nobreza sem monarquia". Falava dos "nobres" brasileiros que brigam pelo reconhecimento de seus títulos de barão, conde, marquês, etc. e tal, em um órgão lá de Portugal. O processo parece ser bem rígido, e pode ter um custo aproximado de R$ 10 mil. Sinceramente, não me interessei muito pelo assunto, mas passei os olhos pelo texto. Achei um dos entrevistados tão engraçado.
   O conde de Wilson (Eduardo Pellew Wilson) que me perdoe, mas ri com suas opiniões. É verdade que ele só me chamou atenção por um outro dado apresentado: o conde é professor de Filosofia. Vamos, então, ao que nos disse o conde-filósofo sobre uma nobreza que vive como classe média: "Classe social é uma invenção inglesa do século XIX. Para nós, o conceito econômico não tem validade. Ter ou não dinheiro depende das circunstâncias, mas ser nobre é uma situação perene". Até aqui, poderíamos dizer que o conde é um aristotélico que vê uma diferença natural entre os homens... se bem que, para o Estagirita, isso não era caracterizado por títulos nobiliárquicos hereditários. Mas aí vem uma opinião do conde-filósofo sobre sua digníssima esposa, que é sua prima, descendente do médico de imperadores do Brasil (de todos... os dois? Rsss). A matéria informa: "Wilson deixa claro que jamais se casaria com alguém sem 'um fio' de nobreza. 'Para um nobre, o passado familiar é a coisa mais importante do mundo. Eu não sou nada além de uma sucessão do que veio antes. As pessoas de fora não compreendem essa mentalidade'".
   Eu realmente, por não ser nobre, não compreendo bem as opiniões do conde de Wilson. Mas, como filósofo, me preocupo muito com a opinião do professor Wilson.

Conselho de um CEO


   O ex-CEO da IBM Louis Gerstner dizia que "People don't do what you expect, but what you inspect". Ou seja, é necessário ser ativo, verificando o que se promete, e não apenas esperando a materialização do que foi prometido.

"A conspiração de imbecis"


   Umberto Eco deu várias entrevistas ultimamente por conta do lançamento de seu novo livro Número Zero. Uma delas foi à revista Veja. Algumas opiniões do grande literato são bastante interessantes. 
- Sobre as informações que circulam na net:
"Num mundo com mais de 7 bilhões de pessoas, você não concordaria que há muitos imbecis? [...] Com a internet e as redes sociais, o imbecil passa a opinar a respeito de temas que não entende.";
"A primeira disciplina a ser ministrada nas escolas deveria ser sobre como usar a internet: como analisar as informações.";
"Os jornais, em vez de se tornar vítimas da internet, repetindo o que circula na rede, deveriam dedicar espaço para a análise das informações que circulam nos sites."
- Sobre as "teorias da conspiração" que se multiplicam na net:
"A característica de uma conspiração verdadeira é que ela é invariavelmente descoberta. Houve uma conspiração para matar Júlio César, e todos sabemos. O perigo está nas conspirações falsas, pois você não consegue desmenti-las - mas elas se prestam à manipulação".
- Sobre o Estado Islâmico... e a natureza humana:
"Veja o Estado Islâmico, que eu chamo de o novo nazismo: querem aniquilar outras etnias, impor um credo, conquistar o mundo. Nunca nos livramos permanentemente dessa atitude."

Delação...


   Fico na dúvida se deveria completar o título do post, após a palavra "delação", com "premiada" ou "criticada". Isto porque, conforme soubemos, a presidente Dilma tratou do tema "delação" de modo bastante crítico, apesar do nome do instrumento jurídico ser chamado "delação premiada". Disse nossa líder máxima que: "Em Minas (Gerais), na escola, quando você aprende sobre a Inconfidência Mineira, tem um personagem que a gente não gosta porque as professoras nos ensinam a não gostar dele. Ele se chama Joaquim Silvério dos Reis, o delator. Eu não respeito delator. Até porque eu estive presa na ditadura e sei o que é. Tentaram me transformar em delatora; a ditadura fazia isso com as pessoas presas. E eu garanto para vocês que eu resisti bravamente".
     Antes de tudo, tenho que parabenizar a ex-ativista Dilma, pois eu não garanto que eu mesmo, sendo submetido à tortura, manteria os segredos necessários para assegurar a vida de amigos envolvidos em atividades revolucionárias... não que eu conheça algum, a bem da verdade. Rssss.
   Feito esse registro positivo sobre nossa presidente, enquanto ativista, teríamos que lembrar o outro lado da estória. Poucos dias antes de sua reeleição, a presidente Dilma deu uma entrevista à revista Carta Capital, onde dizia: "Para obter as provas, a Justiça e o Ministério Público valeram-se da delação premiada, um método legítimo, previsto em lei. E muito útil para desmontar esquemas de corrupção. Na Itália, contra a máfia, funcionou muito bem".
   Deve ficar claro que as duas situações são bem distintas - aquela da Inconfidência Mineira e esta que envolve políticos, vários deles do partido da presidente.
   Se o "subversivo" Tiradentes tinha um espírito libertador para com um país submetido ao jugo explorador da metrópole, o daqueles que estão envolvidos nesta delação de agora são, em conjunto com aqueles que estão sendo denunciados, uns aproveitadores. E da mesma forma que aproveitaram o momento em que os políticos estavam distribuindo o dinheiro, agora tentam se dar bem quando o barco está afundando. Por este motivo, presidente, acho que sua primeira opinião deveria ter se mantido inalterada.

O "Não" da Grécia


   Fico pensando que, se a professora Leda Paulani estiver certa com sua tese de que se propagandeia a ideia do caos econômico para aplicar os remédios neoliberais da austeridade, não pode ser isso o que está acontecendo com a Grécia?
   Aparentemente, não. Afinal, muitos parecem reconhecer que a Grécia não acertou suas contas públicas com a celeridade necessária, o que, pelo menos em parte, tornou alguns problemas mais agudos do que deveriam ser. 
   Esperemos pelos próximos capítulos desta novela. O que fará agora a União Europeia? O que farão os credores? Não seria melhor receber menos, mas receber? Será que punir "exemplarmente" um país, a fim de evitar que outros possíveis "caloteiros" reneguem seus compromissos, é a melhor solução?
    Será que nossos amigos Sócrates e Sólon seriam melhores negociadores que Tsípras? Rsss. Seria Nietzsche menos rigoroso que Angela Merkel? Rsss 

Leda Paulani


   Dia desses, assisti na televisão uma entrevista com a economista Leda Maria Paulani - professora da USP -, no programa "Diálogos com Mário Sérgio Conti". Ela foi apresentada como alguém que, apesar de ser petista "de carteirinha", estava desencantada com os rumos da economia brasileira. Mesmo já tendo sido secretária do governo petista do município de São Paulo, capitaneado pelo prefeito Fernando Haddad, ela apresentou críticas às ações implementadas por Dilma e seu ministro Levy, neste momento. 
   Sua tese central é a de que: "Dizer que tem descontrole faz parte da estratégia de terrorismo para a austeridade aparecer como única opção". Ou seja, segundo ela, a mídia se presta a um papel de alardeadora do caos econômico a fim de garantir a adoção de políticas neoliberais.
   Particularmente, gostei da entrevista. Acho que pode haver, sim, exagero em algumas informações, tentando provocar uma reação popular a uma política mais voltada para o social e menos para o capital. Penso, também, que alguém que é especialista no assunto - uma economista, acadêmica e ex-secretária de governo, portanto, teórico e prática - deva apontar esses excessos. Temo, contudo, que alguns "erros" apontados possam estar incluídos nessa categoria apenas por uma postura ideológica de quem os identifica. E, ainda que reconhecendo meu despreparo econômico, diante de tão excelsa figura, penso ser o caso que se dá com a professora Leda Maria Paulani.
   Como sempre gosto de fazer, fui pesquisar "o outro lado" dessa estória. Encontrei, por exemplo, o Rodrigo Constantino insistindo em uma visão incorreta da professora Leda no que se refere à política de juros. Porém, mais importante do que a posição de Rodrigo, parece-me a do colunista da Folha de São Paulo Alexandre Schwartsman - aliás, o "colunista", como eu coloquei, é de uma imprecisão absurda. O senhor Alexandre é doutor em Economia pela Universidade da Califórnia, e já foi diretor de Assuntos Internacionais do nosso Banco Central. Em um de seus artigos, chamado "Leda no País das Maravilhas", Schwartsman aponta vários enganos da professora Leda.
   Acho que sempre acrescenta podermos ver os dois lados de uma contenda. Desta forma, podemos observar fragilidades em cada posição, bem como argumentos fortes, que parecem imunes aos golpes alheios. Para quem quiser, há pelo menos duas leituras interessantes:
Leda Paulani:
http://novo.clipclipping.com.br/impresso/ler/noticia/2401592/cliente/496
Alexandre Schwartsman:
http://rota2014.blogspot.com.br/2015/05/leda-no-pais-das-maravilhas-por.html
   Boa leitura!