sábado, 28 de agosto de 2010

Para o pessoal de Niterói

  Deu no Globo-Niterói: "O Projeto Notas Filosóficas retoma os encontros com o filósofo Silvério Ortiz no Occhio Café, anexo do Hospital de Olhos de Niterói, terça, às 18 h. O debate será sobre "Oceano", música de Djavan, e os pensamentos de Nietzsche".
  Para quem for possível... vale a pena conferir!

Os oitenta anos de Ferreira Gullar

  Em homenagem aos oitenta anos do nosso Ferreira Gullar, lá vai o seu existencial, estético, ético, metafísico, linguístico...

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém,
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão;
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Devo, não nego... pago quando puder

  Nunca me canso de agradecer ao amigo Existenz - agora, reveladoramente assinando-se Bernardo - os comentários no blog. Na maioria das vezes, suas análises são tão profundas que me fazem demorar demasiado nas respostas. Sua paciência, infinita, comigo, perdoa essas minhas falhas... chegando ao cúmulo da benevolência quando diz, por exemplo, que se eu não quiser voltar àquele determinado assunto não há problema, como foi o caso da nossa última discussão sobre "Lógica".
  O fato é que ele, novamente, comenta de modo interessante aspectos políticos, sociais e éticos envolvidos nos diversos regimes de governo, tanto do Ocidente quanto do Oriente, em um dos últimos posts meus. Fiquei tentado a responder logo... entretanto, tenho, pelo menos na minha "consciência", o "peso" da resposta que falta no assunto "Lógica".
  Então, caro amigo Bernardo - veja que só o chamei pelo nome depois de assumida sua "identidade secreta". Rsss -, saldarei, primeiro, essa dívida com você. E, diferentemente do que você sugeriu, porque eu acho que ainda há algo a discutirmos sobre isso.
  Aguarde minha "tréplica", portanto... para, só depois, falar do seu último comentário.

Spinoza... na veia!

  Estou assistindo a um curso de um semestre na Uff com o professor Dr. Luís Antônio Cunha Ribeiro, com tese de doutoramento em Spinoza.
  Que delícia!!! Caminho vagarosa e prazerosamente pela Ética... definição por definição... axioma por axioma... proposição por proposição...
   E já penso: num dos últimos blogs, falei sobre o infinito em Spinoza e em Cantor. Chamei atenção para o paradoxo de um infinito maior que outro. Mas não é que na própria Ética isso já aparecia? É só lembrar da Substância como um conjunto de infinitos atributos, infinitos em si mesmos. Ou seja, existe o infinito do atributo, mas que é um só infinito, e os infinitos atributos da substância, que são vários. Portanto, o infinito da Substância é maior que o infinito dos atributos.
  Depois eu conto mais sobre o curso.
 

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Deus: mito ou realidade? (2)

  De qualquer modo, não podemos dizer que, a partir das definições prévias colocadas pelo mestre Faitanin, o argumento para comprovação da existência de Deus não foi válido. Pareceu-me, entretanto, que as definições iniciais estabeleceram limitações metodológicas que nos "arrastaram", quase sob vara, a um resultado que, em circunstâncias de maior "liberdade do método", poderia ser diferente.
  A definição, por exemplo, de "mito" como algo que necessariamente implica uma violação do "Princípio da Não-contradição"... e que este não pode ser racionalmente contrariado, guia-nos, sob uma certa "manipulação", a pensar que se falamos em Deus, e nos é dado o direito de raciocinar sobre Ele, não estamos incorrendo em nenhuma quebra do princípio lógico citado... logo, não estamos falando de um mito, mas de uma realidade.
   O discurso pode até convencer, mas penso, sinceramente, que partimos de uma definição viciada, o que nos levou a um resultado com uma marca de possibilidade de ser enganoso.
  Mas isso não foi o mais importante. Chegamos à hora das perguntas. Tchan, tchan, tchan, tchan!
  Mesmo sem ter pensado minha pergunta na íntegra, arrisquei-me a ir ao microfone. A dúvida era saber se a comprovação da existência daquele Deus-Motor Imóvel metafísico atendia às expectativas dos crentes/fiéis. Citei, por exemplo, que Spinoza, que "naturalizou" Deus, foi veementemente censurado pelos judeus, e considerado ateu - apesar da alegria suprema, para ele, vir justamente do "Amor Intelectual a Deus". Outra ideia posta por mim foi a de que os deístas, apesar de acreditarem num Deus criador, por não crerem na Providência desse novo "demiurgo", também eram chamados de ateus.
  O professor Faitanin fez diversas considerações sobre os pontos colocados. Entretanto, o amigo Alan - nosso amigo dos amigos, daqui do blog -, logo depois, inquiriu o palestrante sobre a possibilidade do "Deus" aristotélico encarnar, como teria feito o de Tomás. Ficou claro que não seria possível. Ora, ora... quer dizer que pelo menos uma das características do Deus aristotélico não combina com a do Deus revelado. Haveria outras? Ainda assim seriam o mesmo e único Deus, o de Aristóteles e o de Aquino?
  A melhor resposta à minha pergunta, entretanto, parece-me, veio na última pergunta feita. Um jovem foi ao microfone, e após perguntar se o palestrante acreditava em Deus - ouvindo a resposta positiva -; inquiriu o Dr. Faitanin se o mesmo se dava com relação a Jesus, o Cristo. Nova resposta positiva. Nova pergunta, agora dizendo respeito a Jesus ser o único caminho para a salvação - não antes sem uma confissão pessoal do "perguntador", de que esse era seu ponto de vista.
  Ficou claro, portanto, que não bastou ao "crente" saber que o Deus metafísico existia, ele carecia da "certeza" do Deus religioso. E essa carência só foi satisfeita quando um especialista da área do pensamento "carimbou" a carteira de identidade desse Deus bíblico.
  Eu quase vi Blaise Pascal tomando o microfone do professor Faitanin e gritando "Eu não quero saber do deus dos filósofos; eu acredito é no Deus de Abraão, Isaac e Jacó!"... e o jovem "perguntador" gritando, em resposta: "Aleluia!"

   

Deus: mito ou realidade?

  O título do post diz respeito a uma palestra a qual assisti, apresentada pelo sapientíssimo professor Dr. Paulo Faitanin, especialista em Aristóteles e Tomás de Aquino.
  O professor usou alguns "artifícios" lógicos e conceituais pretendendo provar a existência de Deus. Numa linguagem acessível, penso que, ao fim da primeira parte da apresentação, logo antes das perguntas da audiência, tivemos a nítida impressão de que restava comprovado racionalmente que o Deus metafísico existia necessariamente.
  Os "especialistas" invocados pelo ilustre mestre Faitanin foram, nada mais nada menos, que Aristóteles e Tomás de Aquino.
  O Estagirita deu os ares da graça primeiro. Conduzidos pelo discurso hábil do palestrante, chegamos ao "Motor Imóvel" aristotélico... que, nos últimos livros da Metafísica, ganha a denominação de "theós"... e - Zapt! - estamos diante de Deus.
  O Aquinate chega um pouco atrasado à palestra, simplesmente para dizer: "Vejam. As características desse 'theós' aristotélico são bastante próximas àquelas do Deus que já sabíamos existir por revelação, meus senhores! Portanto, um é outro, o outro é um... os dois são o mesmo. Logo, Deus existe necessariamente e conseguimos comprovar isso pela via racional!".
  Reverenciei Aristóteles, mas torci o nariz para Tomás.
  Imaginar a existência de uma causa incausada é quase necessário à razão humana, por maior que seja a antinomia presente. Como temos rejeição à ideia de falta de uma explicação para algo, e também não queremos regressar ao infinito, "engolimos" a parada brusca em um "ser misterioso" que é "causa sem causa". Nisso, Aristóteles nos premia, pavimentando o caminho gnoseológico até o tal "Motor Imóvel", ontologicamente necessário, eterno e infinitamente potente.
  A artimanha tomasiana é que não me parece elegante o suficiente. Quando ele toma "aquele" Ser primeiro aristotélico, como o "seu" Deus revelado, o passo parece ter sido grande demais... aliás, eu diria que, mais do que um "passo" foi um "salto"... talvez mesmo, o "salto cego" de Kierkegaard. Podemos até considerá-lo válido, mas apenas para quem tem a fé como "asas". Aos demais, resta o fundo do abismo.
  Depois eu continuo...

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O Edito de Milão

  É interessante como se tornou usual dizer que o imperador Constantino I estabeleceu o Cristianismo como religião oficial do Império Romano, através do Edito de Milão, em 313 dC.
  A bem da verdade, o edito imperial, também chamado de "Edito da Tolerância", estabelecia a liberdade de culto. Desta forma, revogava um edito do imperador Nero, que ordenava anteriormente a perseguição aos cristãos.
  Talvez, em função da conversão de Constantino ao Cristianismo, imaginou-se que ele tenha obrigado a instauração dessa crença, em vez do paganismo, majoritário então.
  Até o livro "Filosofia Medieval", organizado por A. S. McGrade, publicado pela Ideias&Letras, no artigo "A filosofia medieval em seu contexto", assinado pelo professor de História da Universidade de Tufts Steven P. Marrone, "escorrega" nesse fato histórico, quando fala do cristianismo se tornando a "religião oficial do Império Romano", após a "conversão legal, iniciada no princípio do século IV pelo imperador Constantino". Fala ainda que "a contribuição de Constantino foi ... tornar dominante a variante  cristã desse discurso [um discurso comum entre os pagãos, cristãos e judeus instruídos, que florescia no século III], eventualmente de maneira opressiva, a partir do século IV".
  Penso que não fica bem, para um livro especializado em Filosofia Medieval, num artigo escrito por um professor universitário de História, enganar-se dessa forma.
  Mais vexatório ainda passa a ser, quando constatamos que até a Wikipedia contém o texto traduzido do Edito de Milão, onde fica clara a mera legitimação do laicismo no Império Romano.

Uma "brincadeira" sobre o infinito

  Spinoza tem uma carta famosa explicando sua teoria sobre o infinito... aliás, sobre "os infinitos". Afinal, para ele, há diversos tipos de infinito.
  Lembrei disso - vagamente, é verdade - quando, dia desses, ouvi uma consideração sobre a Teoria dos Conjuntos de Georg Cantor, e um paradoxo interessante.
  O paradoxo ia na seguinte linha: o conjunto dos números naturais é infinito... bem como o conjunto dos reais. Mas, se considerarmos que entre dois números naturais, dentro do conjunto dos reais, há uma infinidade de números, chegaremos à conclusão - ou não?! - de que o conjunto de números reais é um "infinito maior" do que o infinito dos números naturais.
  É... intuitivamente, parece que a coisa funciona desse jeito mesmo. Portanto, teríamos um "infinito grande" e um "infinito pequeno".

O papa, a homossexualidade e Rorty

  Ainda sobre o livro "Uma ética laica", de Richard Rorty, desta vez, comentando uma opinião de S.S, papa Bento XVI - mas o que fez esse senhor escolher o nome do nosso querido Spinoza?
  Escreve Rorty:
  "Bento XVI lamentou-se sobre o fato de que a Igreja tem cada vez mais dificuldade para dizer em que acredita. Em breve, declara o papa, já não será possível afirmar que a homossexualidade constitui um distúrbio objetivo na estrutura da existência humana, como ensina a Igreja católica [...] Espero que seus receios sejam confirmados e que isso ocorra, pois acredito que a condenação da homossexualidade gerou uma considerável e desnecessária infelicidade humana".
  Eu continuo com uma dificuldade incrível - deve ser burrice, mesmo! - em entender com uma mensagem tão bonita como a de Jesus pode ter se transformado em uma doutrina tão "monstrengosa" quanto essa que vemos ser defendida pelo atual papa, ex-cardeal "Adolf Hitlerzenger".

"Ama o próximo..."

  Em algum post do passado, eu já havia indicado a opinião de Andre Comte-Sponville de que ele se contentaria em viver em uma sociedade em que, se cada um não amasse o próximo como a si mesmo, pelo menos que o respeitasse.
  À época, achei essa ideia fantástica. Penso que ela, talvez, reconheça a nossa realidade, enquanto simples seres humanos, portadores de vontades naturais e culturais que colocam o outro sempre um passo atrás nas filas das prioridades, onde somos sempre os primeiros.
  Por esses dias, lendo "Uma ética laica", de Richard Rorty, relembrei Sponville. Em determinada passagem, durante um debate, no interior da questão dirigida ao autor do livro, surge a famosa citação bíblica do "Ama o próximo como a ti mesmo" - que, aliás, como eu já escrevi várias vezes por aqui, já está contida no Antigo Testamento... não sendo, por isso, pelo menos formalmente, exclusivamente cristã.
  Vejam a resposta de Rorty, meio que confirmando minha visão, apoiada na de Sponville:
  "Creio que o ideal de uma sociedade em que todos amam a todos assim como amam a si mesmos é um ideal impossível. No entanto, o ideal de uma sociedade em que todos têm respeito suficiente pelos outros... é um ideal possível".
  Ele complementa ainda: "E é o segundo ideal que, através do crescimento da democracia social e da tolerância, realizamos pouco a pouco nos dois últimos séculos".
  Penso, então, o seguinte, fazendo uma ponte com outro assunto "do dia": será que a falta de uma "democracia social" - não falo apenas em "democracia" no sentido político - não acarreta, por si só, um certo nível de intolerância dentro de determinada sociedade?
  E mais: não seria justamente a falta dessa "democracia social" - e, aqui, também política - o que tem criado alguns problemas para aquilo que nós temos percebido como os "fundamentalismos islâmicos" para os "lados" do Oriente?

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Correntes filosóficas e seus sufixos

  Dia desses eu conversava com um amigo que me perguntou qual seria a forma correta: pensamento spinozano ou spinoziano. Disse-lhe que, a bem da verdade, os dois termos apareciam nos textos... bem como "spinozista"; sendo o "preferido" no meu uso "pensamento "spinozano"... e expliquei o porquê.
  A mim parece que não haveria necessidade daquele "i", acrescentado no meio do "za", visto que esta sílaba é que encerra o nome do pensador. Não é o que acontece, por exemplo, com nomes terminados em consoantes, como Hegel - que geraria o "hegeliano" -, Kant - que geraria o "kantiano" -, e por aí vai.
  Embora não fizesse parte do questionamento original, incluí a minha "fuga" do "spinozismo". Como diz um "guru da modernidade": "Já temos 'ismos' demais!", referindo-se às diversas linhas religiosas e espirituais. Portanto, para não transformar o pensamento spinozano em mais uma "seita", fiquemos com o "spinozano".
  A partir desse questionamento, pensei que as primeiras correntes filosóficas - coincidência, ou não - estavam mais bem representadas pelo sufixo "ico(a)". Vejamos: pensamento socrático, platônico e aristotélico, por exemplo.
  A partir das correntes helenistas, "migra-se" para o sufixo "ista" - e os "ismos". Por exemplo, Epicurismo, Estoicismo, Ceticismo... que acaba lembrando movimentos religiosos, como Hinduísmo, Budismo, Judaísmo e... Cristianismo.
  É certo que essa aproximação que faço é meio "forçada". Afinal, fala-se em "pensamento estóico e cético", neste último caso; e em "platonismo e aristotelismo", no primeiro. Mas... digamos, no mínimo, que estamos diante de possibilidades paralelas, cuja maior força consiste naquela primeira versão citada.
  Será que o sufixo grego "iké" - mais ligado às ideias organizadas conforme uma "técnica" - deram lugar ao "ismós" - com a ideia mais próxima de uma "doutrina"?
  Se é assim, essa história de "ismo" continua forte no "cartesianismo". Daí em diante, a coisa se modifica um pouco - e aqui se insere o pensamento "spinozano", kantiano, fichteano, hegeliano, etc e tal.
  Curiosamente, depois voltamos aos "ismos"... com o marxismo, o positivismo, o existencialismo, o estruturalismo e outros.
  É verdade que esses "rótulos" não são tão rígidos que não admitam outras "possibilidades", mas, em linhas gerais, parece haver esse "movimento"... ou, pelo menos, dá para "brincar" com essa "dança dos sufixos".
 

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Por que "peripatéticos"?

  Sabemos que um aluno de Aristóteles era um "peripatetikós" - "aquele que passeia". A explicação dada para isso, normalmente,  se faz indicando que o Estagirita lecionava enquanto caminhava pelos "jardins" do Liceu. Isso dá a impressão de que o grande filósofo se preocupava em transmitir suas lições de um modo agradável, sem a clausura das salas de aula... entretanto, o que se diz é que uma das lições aprendidas pelos "perípatoi", através desse método, era a de guardar os conteúdos em suas memórias, visto que, caminhando, não lhes era possível tomar notas.
  É... faz sentido!

"Os filósofos e a arte"

  Há algum tempo disse que estava "namorando" com a Estética e que, em breve, postaria alguma coisa sobre o assunto. A bem da verdade, minha investigação estagnou-se... questão de prioridades... como tudo na vida. Entretanto, não queria deixar de registrar uma leitura que aborda um tema bastante interessante nessa relação entre Filosofia e Arte: a oposição de Platão à arte.
  O texto a que farei referência faz parte do livro cujo título é o mesmo deste post: "Os filósofos e a arte". A organização é de Rafael Haddock-Lobo e a publicação é da Editora Rocco. Há textos tratando da arte envolvendo Kant, Schopenhauer, Nietzsche, Heidegger, Merleau-Ponty, Deleuze, Derrida e outros, produzidos por diversos pensadores brasileiros.
  Um desses textos é "Platão contra a arte", produzido pelo professor-doutor Fernando Muniz. Apesar de suspeito para efetuar juízos sobre materiais produzidos por esse magnífico professor, visto que já tenho um "preconceito"... positivo em relação às suas ideias, tendendo a achá-las brilhantes antes mesmo de as ler, tentei desvencilhar-me desses tais pré-julgamentos. Mas, ainda assim, o que aconteceu foi uma mera confirmação dos "preconceitos positivos": o texto é ótimo. E é ótimo porque, além de enfrentar o problema posto pela opinião platônica - ao contrário de outros que tentam "minimizar" seus efeitos -, não se limita às análises óbvias, que já vi em outros bons escritos, sobre a natureza mimética do ofício do artista. O professor Muniz trabalha não só esse aspecto - da mímesis -, mas também o de enthousiasmós - a inspiração - poética. Escreve Muniz: "Com a doutrina do entusiasmo, Platão retira dos poetas o direito de falar à Cidade em nome de um pretenso conhecimento; com a mímesis, ele caça a cidadania da própria poesia".
  Mais interessante ainda, na análise de Fernando Muniz, é que esta não se limita ao famoso Livro X, da República - e da possível incoerência deste face aos Livros II e III, onde "Sócrates" indica mesmo a poesia como parte da educação dos jovens. É feita uma gênese dos motivos que levaram Platão à expulsão dos poetas da cidade ideal. E esses motivos são apresentados como pertencendo a vários dos diálogos platônicos. Está escrito: "Nos primeiros diálogos... a... exclusão da poesia já se manifesta de modo inequívoco. A visão predominante desse período é fornecido pela doutrina do entusiasmo, ou seja, a poesia entendida como resultado de intervenção divina. Dos diálogos do período mediano em diante, a mímesis substitui o entusiasmo".
  E, para temperar mais ainda essa análise, Muniz inclui o Górgias, trabalhando o conceito de Kolakeia ("agrado"/bajulação).
  Depois escrevo mais...

"O que nos torna mais humanos...

  Ainda do livro "Política - para não ser idiota", gostei muito de uma frase de Cortella, reforçando a sua concordância com Aristóteles, sobre a natureza social/política do ser humano - ainda que com uma "pitada" de historicidade! -, quando diz: "O que nos torna mais humanos é justamente a capacidade do exercício da política como convivência e como conexão de uma vida".
  Boa essa, Cortella!

"Política - para não ser idiota"

  O título do post é o mesmo de um livro lançado recentemente pela Editora Papirus - Sete Mares.
  O livro apresenta um diálogo dos filósofos brasileiros Mario Sergio Cortella e Renato Janine Ribeiro. Ambos conhecidíssimos, eles dialogam sobre o tema Política. Como sempre acontece nos livros onde há a participação de Cortella, seja como autor, seja como debatedor, o nível é profundo, sem cair nas redes teórico-epistemológico-metafísicas (seja lá o que isso quiser dizer!) do rebuscamento desnecessário. Sobre esse modo de se expressar, talvez Cortella tenha ouvido a lição de Ortega y Gasset de que "a clareza é a gentileza do filósofo".
  Mas, voltando...
  A primeira informação interessante se refere à etimologia da palavra "idiota", que remete ao grego "idiotés", com o significado de "aquele que só vive a vida privada, que recusa a política". Ou seja, o "idiota", para os gregos, era aquele que não se importava em participar ativamente das decisões em sua comunidade... era uma espécie de "alienado", que não atendia ao chamamento básico da sua humanidade como "zoon politikon".
  Ainda na linha de etimologia, Cortella cita o "domus" (latim), com o significado de "casa", para mostrar que não temos "domus", mas "con-domínios". Portanto, "viver é conviver, seja... no prédio, seja no país, seja no planeta".
  Fica claro, desde o início do livro, que para "viver" - que é sempre "conviver" - é imprescindível um comportamento "político", ou seja, um comportamento que se interesse e cuide das relações que se estabelecem na "pólis", tenha ela a dimensão que tiver, seja um pequeno núcleo familiar, um prédio, um bairro, uma cidade, um país ou um planeta.
  Cortella cita uma frase típica fixada em veículos de empresas - "Como estou dirigindo?" -, que viu ganhar um acréscimo inesperado: "Mal? Dane-se, o caminhão é meu!". Segundo ele "Essa lógica 'do caminhão é meu' significa 'eu faço o que quero, sou livre'. Ora, esse exercício da liberdade como soberania é algo que se aproxima da ideia do idiotés. Não sou soberano".
  Pouco depois, ele mostra - etimologicamente, ainda - a diferença entre o "superanus" (latim), como "aquele que está sobre/acima de todos e não se subordina a ninguém", e o "autônomo" ("autós" + "nómos", do grego), como aquele que se regula por suas próprias normas... mas sempre entre outros "autônomos". Ou seja, há necessariamente um respeito, senão às normas "dos outros", pelo menos, aos outros.
  E já que estamos no campo etimológico...
  Cortella explica que a palavra "síndico" expressa a ideia de "syn" + "diké", ou seja, "alguém que se junta a outros para pedir justiça", em outras palavras, "o síndico é o representante de um grupo que vai agir para conquistar a justiça". Relacionada a essa explicação vem a ideia de que a participação, ou não, em uma reunião de condomínio é uma decisão política. Mas adverte, quanto a não participação: "Os ausentes nunca têm razão".
   Depois escrevo mais...

Recepcionando a 46ª amiga...

  O registro que tenho a fazer é sobre o aumento do nosso número de amigos dos amigos, com a entrada da nossa 46ª participante... a Cristina.
  Coloco esse nosso pequeno espaço à sua disposição, esperando que possa gostar... e participar, colocando aqui suas opiniões sobre as questões levantadas, bem como "provocando-nos" com algumas outras.
  Seja bem vinda e se sinta totalmente à vontade.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Frustração à la grega

  Dia desses, estava eu a conversar com uma amiga sobre a importância do idioma Grego para o estudo dos textos filosóficos da Antiguidade. Contei-lhe, então, que estudara o idioma - na versão ática -, a fim de enfrentar os "desafios" de um Platão, por exemplo.
  Nisso... eis que outra amiga ouviu e disse: "Ah... que legal! Como é que se diz 'Bom dia', em Grego?".
  Minh'alma se encheu de dor e frustração, mas eu tive que responder: "Não sei!". Logo emendei: "Mas é que estudamos o Grego daquela época... e coisa e tal...". Mas, cá entre nós, caros amigos desse espaço de confidências: Como é que alguém diz aprender um idioma, se não sabe nem falar 'Bom dia' nele?
  Da frustração à raiva, decidi comprar um livretinho desses de  "Grego - Guia de conversação para viagens".
  Para aqueles que já sofreram a mesma vergonha que eu... ou para os que só têm curiosidade no idioma, anotem aí:
  - Kaleméra = Bom dia;
  - Kalespéra = Boa tarde; e
  - Kalenýchta = Boa noite.
 Ainda mando, inteiramente grátis, só para os amigos:
  - Eucharistó = Obrigado(a); e
  - Parakaló = Por favor.
 Quem quiser, já pode comprar a passagem aérea para Ellas... e não morrerá de sede por lá, pedindo mpýra e krasí - cerveja e vinho, respectivamente.
  Boa viagem!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Olympia, de Manet

  Todos que leem o blog há algum tempo sabem que aprecio muito o movimento do Impressionismo. Por esses dias, O Globo publicou uma coluna do Cacá Diegues que contava a história do quadro Olympia, de Edouard Manet - embora esta história tenha servido apenas de introdução ao ponto de vista do cineasta sobre a participação de artistas no cenário político brasileiro.
  Pela curiosidade da história, deixo a parte política de fora, e passo a um excerto apenas do trecho que diz respeito à pintura.
  "Em 1865, o quadro Olympia foi recusado pelo Salão de Belas Artes de Paris. Exposto no Salão dos Recusados, provocou escândalo. O quadro retrata uma mulher nua deitada, enquanto uma criada negra lhe traz flores e um gato preto, aos pés da moça, nos encara. Atentado à boa pintura neoclássica, Olympia foi acusado também de indecente. Paris inteira linchava Olympia.
  Somente o escritor e jornalista Émile Zola ousou defender publicamente o pintor e sua obra. Zola só lamentava a presença do gato preto, que, segundo ele, servia apenas como elemento de distração no rigor poético da composição. Como Zola se recusou a atender pedido de retratação do editor do jornal, este despediu o escritor e as portas de todos os jornais se fecharam para ele. Manet, como agradecimento por seu gesto, pintou-lhe então um retrato - que se encontra atualmente exposto ao lado de Olympia. Nesse quadro, Zola está escrevendo, cercado de livros, e na parede está exposta uma reprodução do Olympia, sem o gato preto no canto da tela".
  Deixando a parte histórica, passo a uma reflexão interessante, que utiliza Zola como exemplo. Escreve Cacá: "De Émile Zola a Susan Sontag (que teve a ousadia de explicar ao americano comum o que ele não havia entendido do 11 de setembro), muitos desses intelectuais não arriscaram apenas seu reconhecimento, mas, às vezes, a própria vida no cumprimento da missão de pensar o mundo e o estado das coisas segundo sua própria consciência, conhecimento e intuição, sem se submeter à palavra de ordem majoritária de grupos, partidos ou corporações".
  Boa, Cacá!!!
 
 
   

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Por falar em filósofas...

  Já que o assunto do post anterior dizia respeito a "filósofas", quero falar de duas aquisições recentes, que têm a ver com a grande filósofa - se bem que ela recuse este "título" - Hannah Arendt.
  Uma dessas aquisições é o clássico "A vida do espírito - o pensar, o querer e o julgar", que, infelizmente, permaneceu inacabado, faltando-lhe a última parte. Vale lembrar que, quando da publicação original, esta terceira parte foi "composta" com excertos das conferências de Arendt sobre a "Filosofia política de Kant". Até hoje, entretanto, eu não tinha o livro, que estava esgotado. Consegui, então, um exemplar de 1991, da Editora Relume Dumará-UFRJ.
  A outra aquisição é um lançamento. Trata-se de mais um livro da coleção "Compreender...", da Editora Vozes. Desta vez, "Compreender Hannah Arendt", de Karin A. Fry, professora de Filosofia da Universidade de Wisconsin. Só folheei este último, mas, a julgar pela qualidade da coleção, deve representar uma boa fonte de estudo.

Maria Luísa Ribeiro Ferreira (2)

  Essa é só para fazer justiça à Dra. Maria Luísa, nossa tão cara pensadora lusa, registrando mais alguns títulos que contaram com sua participação - seja como autora, seja como organizadora -, sob a perspectiva do pensar feminino. São eles: "As teias que as mulheres tecem" (2003); "As mulheres na Filosofia" (2009); "Pensar no feminino" (2001) e "Também há mulheres filósofas" (2001).

Esqueci um aniversário...

  Daqueles que consigo lembrar - e a minha memória já tem dado sinais do "desgaste" -, sempre faço questão de registrar a passagem dos anos, aqui no blog.
  Mas a verdade é que esqueci de um aniversário relativamente importante... o do próprio blog. É verdade que são dois aniversários: um, daquele primeiro "Spinoza e amigos", do globolog, e este, mais recente, do blogspot. Mas podemos considerar que houve uma "metempsicose" daquele primeiro para este último e, por isso, dá para falar que são o mesmo "indivíduo".
  Comemoremos, então, a primeira "manifestação fenomênica" do "Spinoza e amigos", que se deu em 26 de julho de 2008.
  E, como eu sempre faço - quando lembro do aniversário -, registro o primeiro post: "Começo o blog citando Bertrand Russell, a respeito de Spinoza: 'Spinoza é o mais nobre e o mais amável de todos os grandes filósofos. Intelectualmente, alguns outros o superaram, mas eticamente é supremo".

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O "homem" para Marx

  O livro "Antropologia Filosófica", de Henrique C. de Lima Vaz, traz uma explicação interessante sobre a Antropologia Marxista. Evidencia-se, nessa antropologia de Marx, uma percepção bem aguda sobre o homem.
  Diz o livro: "Para Marx, a especificidade do homem se destaca sobre o fundo das características que ele tem em comum com os animais. Seja o homem, seja o animal se definem pelo tipo de relação que os une à natureza, isto é, pela forma como vivem sua vida. Ora, enquanto o animal é sua própria vida, ao homem cabe produzir a sua. Essa produção da própria vida irá implicar, no homem, os predicados especificamente humanos da consciência-de-si, da intencionalidade, da linguagem, da fabricação e uso de instrumentos e da cooperação com seus semelhantes. Conquanto algumas dessas características, como a intencionalidade, a fabricação e uso de instrumentos e o comportamento gregário, possam encontrar-se igualmente nos animais, pelo menos sob uma forma análoga, a consciência-de-si e a linguagem são predicados exclusivos do homem, e, como capacidades cognitivas, são capazes de imprimir uma feição especificamente humana às outras características".
  Ou seja, mesmo  aquelas características que  poderíamos  considerar como "compartilhadas", em alguma medida, com outras espécies  de animais,  ganham um  matiz diferenciado em função daquelas que são exclusivamente humanas.
  Parece-me que, deste modo, fica mais claro pensar o homem enquanto ser da natureza, mas não apenas de uma forma naturalista reducionista e banalizada. 
  Será que isso dá algum colorido especial à afirmação spinozana de que o homem não é "um império dentro de outro império"?

Maria Luísa Ribeiro Ferreira

  O nome do título deste post faz tremer de paixão aqueles que gostam de Spinoza. Isto porque esta senhora - especial até na data do nascimento: 29 de fevereiro - é autora de livros como: "Uma suprema alegria - escritos sobre Espinosa"; "Razão e Paixão - o percurso de um curso" e "A dinâmica da Razão na filosofia de Espinosa".
 Preocupada, também, com a valorização do pensar feminino, publicou, entre outros, "As mulheres na Filosofia".
  O fato é que, pela primeira vez, temos um livro organizado por esta brilhante portuguesa sendo publicado aqui no nosso Brasilzão. Trata-se de "O que os filósofos pensam sobre as mulheres", que saiu pela Editora Unisonos, agora, em 2010.
  Entre os filósofos que aparecem "dando o seu depoimento" sobre esses seres maravilhosos - e extremamente complexos -, que são as mulheres, temos: Platão, Aristóteles - que ninguém lembre que ele teria dito que as mulheres são homens "inacabados". Rsss -, Agostinho, Descartes, Spinoza, Kant, Foucault, etc.
  Como não poderia deixar de ser, o texto "Spinoza, Hobbes e a condição feminina" só poderia ter sido escrito pela fantástica Dra. Maria Luísa Ribeiro Ferreira.
  Aliás, esta nobilíssima senhora foi a primeira mulher a quem assisti  defender o nosso tão caro filósofo luso-holandês da confusão em que ele se meteu por emitir uma "truncada" opinião sobre a inadequação das mulheres para os cargos públicos de chefia, no seu "Tratado Político"... obra inacabada, diga-se de passagem. Aliás, a Dra. Maria  Luísa registra sua estranheza quanto à forma com que a opinião spinozana foi dada, e pensa que, podendo explicar-se melhor, no desenvolvimento do seu tratado, Spinoza desfaria o que restou apenas como uma má interpretação de sua opinião. 

  Bem... não sei se as feministas concordaram com ela... mas eu, sim!
  Só para deixar os amigos brasileiros babando, não só adquiri este exemplar nacional, como tenho todos aqueles portugueses citados antes... em parte, graças ao trabalho de pesquisa e à amizade da "nossa" Maria, aqui do blog, uma das amigas dos amigos de Spinoza.