quarta-feira, 31 de março de 2010

"A Presença do Mito"

  O título do post pertence, na verdade, a um livro do filósofo polonês Leszek Kolakowski - que já frequentou este blog em outras ocasiões.
  Acostumados que estamos a demarcar artificialmente nascimentos e mortes - tanto de eventos quanto de ideias -, lemos, sem nenhum espanto - esse sentimento tão necessário na Filosofia -, que a Filosofia começa como uma resposta ao Mito, e que instaura um novo modo de pensar, entre os gregos.
  A famosa imagem do "Milagre Grego" vem confirmar essa modificação "abrupta" entre a época do Mito - pretensamente inferior intelectualmente - e uma época da Razão/Filosofia. Obviamente, vários se insurgem contra esse reducionismo, vasculhando possíveis "continuidades" não aparentes sob essa visível ruptura... e milagre. Esse é o caso, por exemplo, de Jean Pierre Vernant, que não cessa de recusar essa imagem "lendária" do tal milagre. Aliás, em uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo, perguntado sobre esse tema, ele comentou: "Eu não acredito em milagres, já que sou um historiador". A frase soa elegante. Afinal, um cientista - da ciência História - não pode deixar de considerar a causalidade como parte necessária da ciência que estuda. Apesar disso, complicando um pouco a questão, ele prossegue dizendo: "Mas houve, como em todos os períodos de ruptura, algo que não estava contido naquilo que existia antes". E, embaralhando ainda mais nosso entendimento, afirma: "Ao mesmo tempo, a ruptura é também uma forma de herança".
  Mais dialético do que isso é impossível! Teses, antíteses e sínteses... que voltam a ser teses, abundam no pequeno trecho. Mas... voltemos um pouco.
   Se é fácil parar na primeira parte da resposta do historiador em questão, detendo-se na afirmação de que ele não pode acreditar em milagres, aceitando, então, que ele buscará "causas" para o acontecimento indefinidamente, o mesmo não parece acontecer quando se fala dos filósofos. Posta a diferença entre o discurso mitológico e o filosófico, a maioria destes especialistas dá uma espiada no que veio "antes", reconhece a diferença da intenção, do método investigativo, da construção das explicações para representação da realidade e segue em frente... no que concerne efetivamente à sua área, a Filosofia. Essa "espiada", se fundamental para "informar-se" sobre o que veio antes da Filosofia, não se torna parte do "conhecimento filosófico" em si.
  É certo que hoje não se desvaloriza tão enfaticamente o Mito, entendendo-o como um tipo de expressão da realidade. Isso é uma postura "politicamente correta"... quero dizer, "filosoficamente correta". Mas esse reconhecimento expresso nem sempre deixa de corresponder a  uma "subvalorização" implícita.
  É aqui que entra o filósofo polonês, autor do livro... "dono" do título do post.
  Um dos primeiros pontos levantados por Kolakowski é que o mito também corresponde a uma explicação coerente do mundo. Explica-nos o filósofo brasileiro José Guilherme Merquior, autor da apresentação do livro, que, segundo Kolakowski, "o mito se define pela referência a uma realidade incondicionada - e o que motiva essa referência ao incondicionado é a nossa irreprimível necessidade de viver o mundo como algo dotado de sentido [...] O horizonte mítico é o impulso de crença compreensiva, além da (mas não necessariamente hostil à) explicação científica". Ou seja, não basta a "crença", como usualmente se entende ocorrer no mito, há a necessidade de uma "crença compreensiva", isto é, a adesão se dá não só pela fé no conteúdo, mas também porque há a fé na inteligibilidade do mundo... que será efetivamente explicado pela exposição mítica, pelo menos, em tese.
  Merquior, aliás, continua explicando o mito de forma muito interessante quando diz: "Sonho de domesticação intelectual do ser, o mito penetra cada um de nossos caminhos existenciais, colorindo cada gesto humano da sua aguda paixão semântica - da sua sede de dar sentido às coisas". E perceba-se o "domesticação intelectual do ser" como uma compreensão real do mundo, não apenas como uma adesão a uma opinião.
  Como pensador filosófico, não tenho nenhuma pretensão de fazer apologia do Mito. Mas, parece-me, há uma possibilidade de olhá-lo como um discurso que ajuda a Filosofia a se estabelecer... ainda que, em alguma medida, esta  tenha que se defrontar com a linguagem anterior e fazer a escolha de ser diferente daquela.
  Que Kolakowski nos conte mais... depois!
 

terça-feira, 30 de março de 2010

Outro amigo! Uhu!

  Depois de um dia "complicado", nada melhor do que ver o que vi no nosso espaço "bloguístico". Em primeiro lugar, outro amigo... e outro "Ricardo". Seja bem vindo, xará, Ricardo Camacho! Espero que se sinta completamente livre para fazer comentários nesse espaço que é de todos nós, "amigos dos amigos". Esse Ricardo aqui serve de "fio condutor" de algumas ideias, mas os amigos complementam e ultrapassam, com grande brilhantismo, o que é registrado por mim. Torço para que você possa usufruir dessas lições dos amigos e possa, também, dar as suas. Eu sou só ouvidos!
  Logo depois da alegria de receber outro amigo, ainda constato um comentário elogioso ao nosso espaço. Embora anonimamente, o comentário fala do nosso blog, destacando nossa dedicação ao grande Spinoza - se bem que os "amigos de Spinoza" têm aparecido em grande número por aqui.
  Muito obrigado pelo registro... que foi uma forma de incentivo ao trabalho de todos os amigos que escrevem este blog comigo.
  E, aos meus amigos, a lembrança de que conto com vocês - mesmo perturbando-os um pouquinho - para continuar fomentando discussões interessantes no blog.
  Obrigado a todos!

segunda-feira, 29 de março de 2010

Atenção, atenção... nova publicação!!

  Amigos spinozanos, comemorem... ! Foi lançada mais uma publicação sobre o digníssimo filósofo holandês! Trata-se de "Vocabulário de Espinosa", de Charles Ramond, pela Editora WMF - Martins Fontes. São 88 páginas, contendo verbetes como "Deus ou Natureza", "Afeto", "Conhecimento" e "Amor", segundo informa a "notinha" publicada no caderno Prosa & Verso, do jornal O Globo deste último sábado.
  Aliás, corrigindo a notinha, no verbete "Amor" está registrada a seguinte informação: "Espinosa, filósofo racionalista por excelência, fala sem parar de amor".   E eu continuo me "debatendo" quando vejo esse termo "racionalista", de um modo tão frio, ligado ao nome deste magnânimo filósofo.
  É certo que não estávamos completamente desamparados no que concerne ao vocabulário spinozano, visto que o famoso livro de Deleuze "Espinosa - Filosofia Prática" já contava com um "Glossário" de termos da Ética. Mas esse novo "Vocabulário ..." contempla não só os termos da obra magna de Spinoza, mas também de outros textos dele - até mesmo do Breve Tratado, ainda não publicado no Brasil.
  Sortudo, que sou, já tinha o "Le vocabulaire de Spinoza", publicado pela Ellipses, de autoria de monsieur Ramond, que é professor da Universidade de Bordeaux III, e possui, aliás, mais algumas publicações sobre o holandês.
  Mas... que venham mais obras sobre nosso "afetuoso racionalista"! E, quem sabe, inclusive o seu Breve Tratado sobre Deus, o homem e sua felicidade?!

 

Mais boas vindas

  É com grande satisfação que recebo mais um amigo, aumentando os "amigos dos amigos" para 34! Desta vez é o Jean Roberto.
  Seja bem vindo, Jean. Fique completamente à vontade para registrar seus comentários... inclusive aqueles que diversificam os caminhos que vão sendo imprimidos por mim ao blog. Ou seja, aqui os "off topic" não são apenas permitidos, mas também desejados.
  Já dei uma espiada no http://hellenizein.wordpress.com/feed/ , que tem notícias sobre o mundo helênico. Gostei, particularmente, do mapa que indica a "Grécia" antiga... muito antes dela ter efetivamente uma unidade oficial. Muitas vezes lemos sobre cidades e não temos a referência exata de sua localização. Valeu mesmo!
  E valeu, principalmente, sua visita e, a partir de então, participação entre os "amigos dos amigos".
  Novamente, seja bem vindo!

sábado, 27 de março de 2010

Aniversário da comadre

  Completa mais uma "Primavera" uma das amigas dos amigos de Spinoza, que, não por acaso, é minha comadre.
  De longe, vou acompanhando sua luta para, não só organizar a casa - enquanto mãe e dona-de-casa -, mas também a empresa da família. Alegro-me com sua determinação e força para conduzir-se nesses árduos caminhos... insistindo em navegar, mesmo quando os ventos não lhe são favoráveis.
  Diante disso, só posso torcer para que sua nau, chamada "Vida", singre vigorosamente o "Oceano das Dificuldades", avançando rapidamente quando for possível ir em frente; contornando obstáculos, quando eles se apresentarem diretamente instransponíveis, mas, acima de tudo, contando sempre com a coragem de sua destemida capitã Deia Mundy.
  Parabéns, comadre!
  Parodeando o ditado popular: "Muita força nessa hora!"

sexta-feira, 26 de março de 2010

Repensando um post sobre Tales

  Há algum tempo - e nem sei se foi nesse "Spinoza e amigos" Júnior (do blogspot) ou no "Spinoza e amigos" Sênior (do ex-globolog) - escrevi sobre o fragmento de Tales que dizia que o mundo estava cheio de deuses.
  Segundo minha concepção, à época, que concorda com a de muitos, o primeiro dos filósofos não só não teria ratificado a visão mítica,  ao contrário do que se poderia imaginar numa leitura descuidada, como também teria feito exatamente o contrário: ele teria justamente "dessacralizado" a presença da divindade ao "vulgarizá-la". Isto é, se os deuses estão por toda a parte é justamente porque não são "tão divinos" assim... e se abriu o espaço para filosofar, efetivamente, sobre a natureza.
  O problema é que eu posso estar sendo enganado pela falta de "adesão" à cultura da época. Como eu já escrevi em post recente, não se pode fazer uma análise crítica sem um mínimo de afastamento, mas essa distância, paradoxalmente, tem que, de algum modo, permitir uma proximidade com o que se critica.
  E por que eu coloco essa falta de adesão como problema? É porque, em alguma medida, os gregos entendiam uma "presença" real das divindades em seu quotidiano. A ideia, minha e de outros, de que a presença da divindade em "tudo", imiscuindo-se nos assuntos quotidianos e no mundo físico, viria a banalizar e vulgarizar a própria divindade cabe muito bem para deuses - ou um Deus - transcendentes a esta mesma realidade... mas não para deuses imanentes a ela. E esse último era justamente o caso da percepção da cultura grega em relação às suas divindades.
  Por esse novo ponto de vista, o fragmento em questão não teria o poder de "dessacralizar" a natureza, como eu escrevera antes... pelo menos, não tomado isoladamente... isto é, não em si mesmo.
  É óbvio, entretanto, que a consideração de uma arché, de um fundamento, de um princípio material como elemento estruturante da realidade toda - isso, sim! - tem esse condão de promover a tal dessacralização. Em relação a isso, com certeza, podemos falar em Tales como um filósofo.
  Fica, portanto, novamente o registro de que o historiador da Filosofia não pode simplesmente alienar-se do período que analisa, pensando que, com isso, está apenas ganhando, visto que é menos afetado pelas circunstâncias. Não! O historiador de Filosofia tem obrigatoriamente que "tocar" aquele tempo, sendo também tocado por ele, ainda que deva continuar investindo num certo distanciamento.
   Mas, afinal, a visão mítica foi refutada ou salvaguardada nesse princípio da Filosofia?
  Ah... isso fica para outro post!

quinta-feira, 25 de março de 2010

O "cogito agostiniano"

  Talvez o espaço mais adequado para responder a um comentário seja justamente o dos comentários. Mas eu sempre me dou o direito - talvez por falta de competência nesse "protocolo bloguístico" - de trazer comentários que acho muito relevantes para o corpo principal do blog... até onde penso, isso efetiva a participação dos amigos dos "amigos de Spinoza".
  Desta vez, trago um comentário feito a um post de 16 de janeiro de 2009 - Caracas... que "eternidade" tem um post, hein!?! -, por Márcio Fernandes, ontem... mais de um ano depois.
  Só relembrando, no post original, eu prestava um reconhecimento à boa análise de Paulo Ghiraldelli Jr. quanto ao "eu", em "A História da Filosofia - dos pré-socráticos a Santo Agostinho".
   Ghiraldelli Jr., inicialmente, nos posicionava quanto à concepção platônica da alma tripartida em razão, paixões e coragem ("ações irrefletidas") - ou, em termos mais convencionais, "razão, emoções e instintos". Explica-nos Ghiraldelli que Agostinho inova ao inserir um elemento decisório ativo, que corresponderia ao "eu".
  Nas minhas considerações finais, escrevi: "Eu, por exemplo, sempre questiono a possibilidade de falar em 'livre arbítrio', por acreditar no 'eu' justamente como essa 'interseção de forças psíquicas' e não como uma 'instância decisória' transcendente ao conjunto razão-paixão-coragem (ou, pelo menos, da dupla 'razão-paixão'). Agostinho, colocando a vontade acima do trio razão-paixão-coragem realmente possibilita a concepção do 'eu' como totalmente livre e, portanto, com um comportamento plenamente 'responsabilizável' no plano ético . Os antigos, limitando a alma ao trio em questão, possibilitam pensar no comportamento ético correto como uma restrição das paixões pela razão".
  Fica claro, portanto, que Descartes não inaugura, de modo algum, a "subjetividade"... conforme apregoam os manuais. Se procurarmos com cuidado, é Agostinho de Hipona que o faz.
  Márcio Fernandes pergunta se conheço o texto em que Agostinho faz referência diretamente a essa ideia. Pensei, imediatamente, nos "Solilóquios". Mas fui pesquisar mais. Deparei-me com duas fontes interessantes. A primeira é o livro "Santo Agostinho - a vida e as ideias de um filósofo adiante do seu tempo", de Gareth B. Matthews, publicado pela Editora Zahar. Desse livro, há um capítulo biográfico disponível, através do endereço http://www.zahar.com.br/doc/t1055.pdf . Entretanto, como há também o índice, pode-se ver que o livro aborda, no seu capítulo quinto, especificamente o "cogito agostiniano".
  Entretanto, o melhor que achei foi o trabalho de Sávio Laet de Barros Campos, filósofo pela UF de Mato Grosso, disponível no endereço http://www.filosofante.org/filosofante/not_arquivos/pdf/Cogito_Agostinho.pdf ,
que traz inclusive o registro de três obras de Agostinho onde o "cogito" é pensado - em "Solilóquios", que eu já havia mencionado acima; em "A Trindade" e em "A Cidade de Deus".
  Gostei muito desse último trabalho, e acho que ele pode muito bem servir ao Márcio, bem como a todos que quiserem apreciar essa inauguração do pensamento do "eu" na Filosofia.
  E... obrigado pela visita, Márcio. Volte sempre! 

O trigésimo terceiro...

  Se Jesus não ficou muito feliz com seus "33" - afinal, ele morreu com essa idade... segundo dizem -, eu fiquei muito alegre em ver que nosso blog ganhou mais uma amiga... justamente, a de número 33.
  Eu sempre defendo que quantidade não é necessariamente qualidade, mas se pudermos aliar as duas categorias melhor será.
  Seja bem vinda, Aracéli, a "Mulher Pedra", como ela se auto define... mas que, imagino, deva corresponder exclusivamente à "fortaleza" dessa representação mineral, visto que sua sensibilidade, por tratar com a linguagem literária, poética e pedagógica - como ela nos conta em seu perfil - certamente passa bem longe dessa imagem a que a pedra nos remete.
  Espero que se sinta à vontade nesse nosso espaço, nova amiga, e que faça dele um local de reflexão a mais, comentando o que lê... e o que não lê por aqui.

terça-feira, 23 de março de 2010

"O Portal da Filosofia" (3)

  Como eu dissera que faria, no segundo post dessa "série", começarei a contar o que diz o livro "O Portal da Filosofia" por Machiavelli e "O príncipe".
  Embora quase não haja novidades, o valor do livro, neste caso específico, é compilar uma série de informações que o público menos acostumado a ler o italiano desconsidera, e, a partir disso, toma-o como um "crápula".
  Conta-nos o livro que "O príncipe chama atenção ... pelo seu caráter de novidade e pioneirismo, independentemente de seu valor moral. (...) Pela primeira vez se contemplava a questão política 'a nu', sem acréscimos metafísicos, morais ou teológicos".
  Importante esse começo, pois já explica bem o caráter inovador da obra e o plano de trabalho dela, histórico e material, ao contrário das idealizações anteriores.
  E o aspecto de "precursor" do italiano é novamente destacado, logo a seguir, em: "A filosofia política inicia uma nova época a partir de Maquiavel, ao conceber o Estado como uma forma de organização criada pelos próprios homens e ao buscar examinar a ação política à parte de uma perspectiva moral. Nesse sentido, Maquiavel é menos imoral do que amoral, conscientemente abdicando da questão moral, desvinculando-a de sua filosofia política".
  O destaque para a "amoralidade", em vez de "imoralidade", no texto machiavellino é muito bem colocado, bem como a identificação da tese de um afastamento de um paradigma primeiramente moral nos assuntos políticos. Usualmente, vemos a política como um campo ampliado da moral, mas o italiano não vê as coisas por esse viés. Porém... que se preste atenção para o fato disso não significar a admissão de comportamentos "imorais".
  Reflita-se sobre o fato de que o assunto principal do livro é a "eficiência na manutenção do poder", mas, como eu sempre faço questão de destacar, com o objetivo primeiro de manter livre do domínio estrangeiro e em harmonia o que viria a ser a Itália moderna. Afinal, além dos conflitos internos, entre os diversos Estados, como Florença, Veneza, Milão, Roma e Nápoles, havia sempre um destes aliando-se a um Estado estrangeiro, assegurando internamente o atendimento de interesses externos.
  Reforçando, então: Machiavelli não estava ensinando um indivíduo a manter-se no poder apenas para realizar um desejo pessoal desse governante, mas para assegurar a unificação e a libertação da Itália do domínio estrangeiro. "O Portal..." nos conta que "O último capítulo do seu livro traz o seguinte título: 'Exortação para libertar a Itália dos bárbaros'. Por 'bárbaros', entendia ele os alemães, franceses, suíços e espanhóis. Com tal obra, Maquiavel pretendia contribuir para que essa pátria dilacerada 'finalmente encontrasse um salvador'".
   Certamente, as ideias "messiânicas" de Machiavelli podem ser questionadas em relação à sua executabilidade. Mas o fato é que ele pretendia criar os meios teóricos para fundamentar essa "aventura" política. E, reconheçamos, a diplomacia - da qual Machiavelli participou ativamente - não dispõe de todos os recursos para realizar uma obra de tal envergadura... ainda mais à época, com tantos príncipes e reis querendo expandir seus limites de poder a qualquer custo.
  Uma informação - essa, sim - que me era desconhecida é que "... o título O príncipe não fez muito sucesso inicialmente... por que havia muitas obras com esse título... Desde a Idade Média, esse tipo de livro se constituía em uma tradição, um gênero chamado de fürstenspiegel [literalmente: 'espelho de príncipes']... Nesses... pretendia-se apresentar ... a imagem ideal... de um governante perfeito (...) Os fürstenspiegel estabeleceram como norma moral da política a máxima de que só deveriam ser considerados bons governantes aqueles que orientassem sua atuação por princípios morais e respeitassem os direitos básicos de seus súditos. (...) Maquiavel recorre à tradição dos fürstenspiegel, mas a utiliza como um invólucro, no qual insere um conteúdo bem diferente. Os valores morais são impróprios, segundo Maquiavel, para orientar os príncipes em seu agir político. O príncipe não vive em um mundo de anjos, mas em um mundo de força, intriga e inveja".
  Talvez nos agrida um pouco ler estas palavras, mas o fato é que isso não é uma mera teoria, construída sobre bases metafísicas e especulativas. Machiavelli fez uma fenomenologia dos governos existentes.
  E o livro destaca bem isso - e muito mais -, quando diz: "A experiência concreta... leva Maquiavel, primeiramente, a uma imagem diferente do ser humano. A filosofia política clássica, como fora desenvolvida pela Antiguidade, sobretudo por Platão e Aristóteles, considerava o ser humano como um ser racional, no qual a razão se impunha naturalmente sobre as paixões e os instintos. A ordem política construída a partir desse modelo de soberania da razão significaria a natural autorrealização do ser humano. Foi desse modo que Platão se viu conduzido à ideia dos reis-filósofos. Para Maquiavel, contudo, são as paixões que dominam o ser humano. Um soberano que aja sempre de modo racional, ou que suponha que seus súditos reagirão de forma racional, fracassará forçosamente (...) Segundo Maquiavel, os soberanos que quisessem ter sucesso, em vez de se dirigirem à razão dos homens, deveriam, antes de tudo, atentar para suas paixões... A estratégia política antevista por Maquiavel é o que hoje chamamos de 'populismo'".
  Em termos meramente pragmáticos, parece que Machiavelli realmente constituíu uma escola poderosa.
  Mas há que se refletir se a visão construída por Machiavelli sobre a natureza humana estaria tão errada assim.
  Por hoje, é só...

segunda-feira, 22 de março de 2010

Lula, por Ricardo... lendo Eurípedes

  Há momentos em que, lendo algum pensador, me vem à cabeça o nome de outro alguém. Pode ser que eu nem sempre consiga estabelecer uma conexão de causalidade, em termos argumentativos, tão perfeita quanto devesse... mas, o fato é que essas ligações - ainda que intuitivas - me vêm de uma forma tão forte que não consigo negá-las.
  Por esses dias, lendo sobre Platão, deparei-me com uma citação do Hipólito, de Eurípedes - um dos três maiores tragediógrafos da Antiguidade grega -,  que diz: "Os oradores que, entre os sábios, não passam de medíocres, são os mais eloquentes ante as massas".
  E eu nem sei explicar por que lembrei do "nosso" presidente...

Mais outro amigo!!!

  Os amigos mais "antigos" certamente já perceberam a menor atividade de postagem no blog. As postagens, praticamente diárias, têm sofrido um intervalo maior. Isso, infelizmente, faz as possíveis discussões perderem em agilidade. Mas... nem tudo é como se planeja, e mesmo até como se pretende. Fato é que, em função das minhas novas atividades acadêmicas, a coisa ficou mais "complicada".
  Contando, sempre, com a boa vontade dos gentis amigos, continuo torcendo para que acompanhem e registrem suas opiniões neste nosso espaço.
  Entretanto, ao contrário do meu "desabastecimento" de posts e da minha falta de "incrementos" diários ao blog, eis que continuamos sendo "abastecidos" de novos amigos, que "incrementam" ideias novas por aqui... já são 32!
  Foi com surpresa que recebi o que vi no blog do nosso mais recente "amigo dos amigos", o Luís Baptista. Quanta imaginação, hein, Luís... "Unha negra"! Rsss. Estou rindo até agora com algumas das fotos. Muito bem "arquitetadas" as situações e as representações delas.
  Mesmo sabendo que "uma imagem diz mais do que mil palavras" e imaginando que o Luís Baptista seja mais um homem de imagens do que de palavras, coloco o nosso espaço à sua disposição para manifestação do seu pensar.
  Seja bem vindo, Luís Baptista! 

sexta-feira, 19 de março de 2010

O pós-morte grego

  Ainda no rastro do post anterior, continuando com a "investigação" sobre qual a crença popular do grego sobre a "estadia" no Hades, podemos acrescentar duas coisas. A primeira é a ideia mitológica sobre o Rio Lethe e a segunda é uma informação complementar dada pelo professor Fernando Muniz.
  Ambas reforçam a tese de que a crença popular era a de que, no Hades, não havia uma continuidade da individualidade. No primeiro caso, lembrando a narrativa mítica sobre o Rio Lethe, verificamos que há um rio no Hades, com este nome "Lethe" - que significaria, em grego, algo próximo ao "esquecimento" -, onde as almas teriam que mergulhar para chegar ao local onde permaneceriam. Sugere-se, então, um esquecimento da identidade anterior... ou seja, uma "morte" efetiva enquanto personalidade.
  Uma segunda confirmação vem do próprio professor Muniz - superespecialista em Platão - de que essa tese platônica era, à época, inovadora, não pertencendo ao "senso comum" grego.
  Há uma terceira colaboração, de um amigo nosso, o professor  Guilherme Fauque, que lembrou o Mito de Er. Essa estória, entretanto, só aparece na "República", texto que já pertence ao período da maturidade platônica. Parece, portanto, que se Platão chega a ter claramente essa ideia de uma continuidade da individualidade pessoal, ou seja, da personalidade em sua maturidade, a semente para isso já se encontrava na sua juventude, como expresso na "Apologia".
  Fico com a impressão, portanto, de que Platão inaugura, de certa forma, um novo paradigma para a visão pós-morte, onde, apesar de um esquecimento parcial, haveria ainda uma individualidade sendo mantida... e, portanto, em realidade não haveria "morte". E se ele "inaugura" - ou pretende inaugurar - essa visão, depreende-se que ela não existia à época. Isto é, o grego "comum" acreditava, sim, numa continuidade "anímica", mas despersonalizada.
  Quem pensa diferente?
 
  Uma observação apenas: não por coincidência, a "alétheia" - tão traduzida por "verdade" -, cujo sentido mais "puro" de "desvelamento", "desocultamento", Heidegger resgatará - e eu diria "recordação", também -, é a negação desse "esquecimento" provocado pelo Rio Lethe.
 

quinta-feira, 18 de março de 2010

Analisando uma cultura "de fora"

  Se, por um lado, é impossível fazer algum tipo de crítica sem um mínimo de afastamento, por outro, também não é viável analisar uma cultura a partir de um ponto totalmente externo, sem um mínimo de "simpatia" com ela - no sentido de "sentir com"... ou de "sentir do mesmo modo"... pelo menos, hipoteticamente.
  Faço essa observação a partir de uma dúvida que presenciei ser esclarecida, esses dias, referente às crenças do povo grego em relação a uma vida post mortem. Segundo o prof. Fernando Muniz, de um modo geral, o grego não cria na possibilidade de "continuidade" da vida, enxergando como fato natural esse termo do ente humano, que, por definição, é um ente finito.
  É verdade que alguns grupos específicos gregos acreditavam na "metempsicose", o que garantiria a continuidade do "princípio anímico" de cada ser humano, mesmo passando de corpo em corpo.
  A base da pergunta, muito bem feita, aliás, foi a ideia das "almas", após a morte do indivíduo, ficarem no Hades - o mundo mítico subterrâneo.
  No texto "Apologia de Sócrates", de Platão, o prestigiado tradutor Jaime Bruna, em nota de rodapé, informa que: "Segundo criam os gregos, após a morte, iam as almas para o Hades, espécie de limbo, lugar escuro e frio, situado no âmago da terra, onde continuavam a viver como sombras" (Grifo do tradutor, indicando que esse "viver" é diferente da nossa perspectiva mais corriqueira). Essa ideia apoia o que foi dito pelo ótimo professor Muniz, que explicara que a "alma" que ia para o Hades não tinha as qualidades individuais do ser humano a que pertencia... eram meros "duplos", ou "sombras", este último termo adotado pelo tradutor Jaime Bruna. Ou seja, a tal alma/psiquê era "desindividualizada", inconsciente de sua própria personalidade anterior... algo como uma espécie de "zumbi".
  Entretanto, o próprio texto indica algo um tanto diferente. Sócrates, já no final do escrito platônico, diz: "Se, em chegando ao Hades, ... a gente vai encontrar os verdadeiros juízes que, segundo consta, lá distribuem a Justiça... não valeria a pena a viagem? [...] Não me seria desagradável ... passar o tempo examinando e interrogando os de lá como aos de cá, a ver quem deles é sábio e quem, não sendo, cuida que é".
  A ideia que fica determinada pelo texto original, portanto, é a de que, sim, existiria uma continuidade da personalidade... tanto é que Sócrates pretende continuar sendo a "Mosca de Atenas", ou melhor, a "Mosca do Hades" na sua nova condição.
  E a dúvida continua...

quarta-feira, 17 de março de 2010

Mais uma amiga...

  Eis que recebemos mais uma "amiga dos amigos"... e já contamos com 31 amigos.
  O meu desejo - que sei que é o de todos os demais colaboradores do blog - é que você, Denise, se sinta completamente à vontade neste espaço, animando-se a participar ativamente de todos os assuntos que forem surgindo por aqui.
  Seja bem vinda, então, Denise!

Sobre o idioma grego

  O "performático" professor Fernando Muniz falava sobre a necessidade de conhecer o grego. No meio de seu discurso, eis que surge a expressão "escrita linear B"... Que coisa estranha é essa?
  O livro "Isso é grego para mim", de Nélio Schneider, fala sobre o assunto no capítulo "Como surgiu e se formou a língua grega?".
  Antes desse capítulo, porém, o livro explica que o "grego moderno" muito difere do "grego antigo".
  No capítulo em questão está escrito: "Os mais antigos registros escritos da língua grega encontram-se em textos redigidos no século XVII aC, em escrita linear B (escrita silábica das culturas cretense e micênica gregas, utilizada durante a época do domínio dessas duas civilizações no continente grego). Trata-se também dos mais antigos registros escritos de todas as línguas faladas ainda hoje (o mais antigo documento escrito em chinês, por exemplo, data de 1400 aC). Ao final dos assim chamados 'séculos da obscuridade' (1100- 700 aC) - também comentados pelo prof. Muniz -, nos quais a escrita linear B desapareceu em decorrência da destruição  dos centros que abrigavam essa cultura (cortes e palácios), os gregos assumiram e adaptaram o sistema de escrita fenício, que utilizam até os dias de hoje".
  O livro informa que "no período clássico, pode-se constatar um grande número de dialetos", e que "os poemas épicos de Homero, a Ilíada e a Odisseia, que remontam aos primórdios da tradição escrita, foram redigidos basciamente no dialeto jônico, com influência eólica (eles igualmente se serviram de palavras de outros dialetos, dependendo da métrica do texto)". O mesmo dialeto jônico teria servido à poesia didática de Hesíodo e aos textos de alguns filósofos pré-socráticos, como Xonófanes, Parmênides, Empédocles e Heráclito, segundo o autor.
  A explicação continua: "No século V aC, a cidade de Atenas alcançou a hegemonia política, econômica e cultural na Grécia; isso levou o dialeto ático, ali falado, a tornar-se a língua mais importante na comunicação entre as regiões. Esse amálgama dos dialetos ático e jônico foi transformado por Alexandre, o Grande, e seus sucessores na língua oficial do império greco-macedônio, tornando-se língua mundial. A partir dela desenvolveu-se a assim chamada língua comum, koiné. [...] Quando Alexandre conquistou ... a maior parte do mundo conhecido... a língua comum dos gregos tornou-se a língua ... empregada no comércio e na comunicação entre as culturas".
  O livro registra ainda que "uma forma de grego 'purificado' acabou se tornando, séculos após a divisão do Império Romano (em 330 dC), a língua oficial e literária do Império Romano Oriental, que desse modo assumiu definitivamente (cerca de 630 em diante) os contornos do Império Bizantino (sediado na cidade de Bizâncio, ou Constantinopla, ou, atualmente, Istambul)". E, chegando ao momento atual, explica que: "Após a fundação do moderno Estado grego (reconhecido como tal em 1830), a assim chamada língua purificada, cujas bases modernas foram elaboradas pelo erudito Adamantios Korais (1748-1833), foi declarada língua oficial. Por se tratar de uma língua padronizada artificalmente ... ela não representava a expressão mais popular e majoritária da língua grega. Esse fato constituiu a fonte de conflitos ... Somente em 1976 foi fixada em lei uma nova norma linguística, declarando a língua popular, o demótico, definitivamente como a língua oficial do Estado e da ciência; obviamente, muitas palavras da língua purificada foram absorvidas ao longo do tempo pelo demótico, de modo que, atualmetne, há para um grande número de objetos duas designações possíveis, uma própria da língua popular e outra própria da língua erudita".
  Um pouco de História, apenas...

Esse Leibniz...

  Vez por outra, sinto-me perseguido por Herr Leibniz. Não é um mero caso de esquizofrenia... pelo menos, acho que não! Mas o fato é que esse senhor gosta de cruzar os meus caminhos.
  Lá estava eu, tranquilamente, lendo meu livro "Introdução à lógica", de Cezar A. Mortari, quando, não mais que de repente, deparo-me com "O primeiro a ter a ideia de usar linguagens artificiais foi o matemático e filósofo alemão Gottfried Wilhelm Leibniz". Esse sujeito é irritantemente... (...) ... competente!
  Brincadeiras à parte, realmente Leibniz era um pensador brilhante - desonesto, mas brilhante! Rsss. Sua desenvoltura em dissimular as fontes de seu pensamento era tão impressionante quanto o próprio desenvolvimento que dava às ideias das quais partia.
  De qualquer forma, continuo o texto... talvez até como uma forma de que "derrotá-lo", mostrando que ele imaginou mas não realizou.
  Mortari continua: "Sua [de Leibniz] ideia era desenvolver uma lingua philosophica, ou characteristica universalis... Ao lado disso, propôs o desenvolvimento de um calculus ratiocinator, um cálculo que permitiria tirar automaticamente conclusões a partir de premissas representadas na lingua philosophica. Assim, quando homens de bem fossem discutir algum assunto, bastaria traduzir os pensamentos para essa linguagem e calcular a resposta. [...] Embora Leibniz tenha feito esta proposta, ele não chegou a desenvolvê-la". Uhuu!
  Para quem não tem a mesma "neura" que eu quanto a Leibniz, lá vai o fim da história: "A lógica, na verdade, só começou a fazer uso de linguagens artificiais no século XIX; primeiro, modestamente, com os trabalhos de G. Boole, e, finalmente, em sua plena forma, em 1879, com a publicação da Conceitografia de Gottlob Frege. ... Hoje em dia, é impossível pensar a lógica sem linguagens artificiais".
  Aliás, o que fez esse "pessoal" na área das "Matemáticas", por volta dessa época, não foi brincadeira. Até a certeza absoluta, tão caras a Descartes e a Spinoza, da soma dos ângulos internos de um triângulo ser igual a dois ângulos retos foi relativizada, valendo apenas para "uma" Geometria.
  Mas isso é papo para outro post!

sábado, 13 de março de 2010

"Nietzsche e o Pós-modernismo"

  Esse é o título de um livro recém adquirido por mim, escrito por Dave Robinson e publicado pelas Editoras UFJF e Pazulin. Não se pense em um projeto grandioso, que faz cruzamentos nunca d'antes imaginados entre o alemão e os pós-modernos. Até porque, isto não caberia um livro com cerca de noventa páginas e num formato semelhante ao de bolso. Mas, pelo menos do ponto de vista de uma possível abertura para o conhecimento tanto de Nietzsche, quanto do Pós-modernismo, e de alguma perspectiva relacional, parece-me, que o livro tem muito a dizer.
  O livro é dividido em três grandes partes: 1) o texto expositivo, com as notas; 2) uma bibliografia e 3) um conjunto de ideias-chave.
  Dentro da primeira parte, figuram subtítulos como: Nietzsche, o profeta; Contra o Cristianismo e a Transcendência; Palavras, realidade e pensamento; Perspectivismo, Progresso e Niilismo; Avaliando o ceticismo de Nietzsche; O Übermensch e o Eterno Retorno; Mas o que é Pós-modernismo?; Estruturalistas; Derrida e a Desconstrução; etc.
  Dentro da última parte, explicam-se ideias como: Apolíneo/Dionisíaco; Perspectivismo; Naturalismo; Sujeito; Verdade/Conhecimento; Vontade de Potência; etc.
  Acho que a leitura vai valer a pena... só não sei quando poderei realizá-la. Mas isso é outra estória...

sexta-feira, 12 de março de 2010

Ainda na aula de Lógica

  O prof. Guilherme, na mesma aula de Lógica da qual surgiu o post anterior, demonstrou que, em termos exclusivamente lógicos, o argumento como um todo - premissas e conclusão - não precisa ter relação com a realidade. Ou seja, tomemos o "frio" linguajar lógico.
Premissa 1: Todo A é  B
Premissa 2: Todo B é C
Conclusão: Logo, todo A é C
  Não há interesse lógico em saber se A, B e C fazem parte da "realidade efetiva". Isso é verdade! Mas... um aluno perguntou se nunca, historicamente falando, a Lógica teve essa preocupação com os "fatos". A resposta não foi direta... e abraçou, em seu corpo, alguns outros questionamentos feitos anteriormente.
  Particularmente, acho uma "injustiça" com o nobre estagirita Aristóteles dizer que ele, o "criador" da ciência Lógica, não tivera uma preocupação pragmática ao organizar sua ciência. Penso, sim, que a Lógica veio apoiar a "episteme" - a ciência -, na parte teórica, justamente para impedir que contradições meramente lógicas pudessem "contaminar" o tratamento dos dados empíricos. Nesse sentido, a formulação lógica teria um diálogo rico com a realidade efetiva.
  Basta ver que a Lógica criada por Aristóteles trabalhava com os "silogismos" (significando, em grego, "argumentos válidos"). Aliás, em termos técnicos, "um argumento é válido quando for impossível que suas premissas sejam verdadeiras e sua conclusão seja falsa". Aristóteles, então, na sua Lógica Silogística procurava premissas sabidamente verdadeiras - ou seja, onde havia relação de veracidade entre a afirmação e a realidade - para, atendendo a formas válidas de argumentos, chegar a uma conclusão que continuasse representando a realidade dos fatos.
  Obviamente, em sua sistematização, Aristóteles deparou-se com argumentos que não eram válidos. Só para encurtar a estória: das 256 formas possíveis, apenas 19 são válidas e "fortes" (têm grande poder de convencimento, digamos assim)... do restante, 5 são válidas e fracas (ou "subalternas") e todas as outras são inválidas.
  E lá se pôs o filósofo macedônio a fazer ciência com seus 19 silogismos!


Definição instrumental

  Em "Marx e a Ideologia (2)", houve um comentário de Existenz que me veio à cabeça por estes dias, enquanto eu assistia a uma aula de Lógica, do prof. Guilherme Wyllie. Por isso, vou resgatar o conteúdo da causa (meu post) e do efeito (comentário do amigo Existenz).
  No post, eu escrevi: "Uma constituição tem que organizar o Estado nas suas diretrizes maiores. Termos jurídicos são utilizados com um sentido 'positivo' e 'objetivo'. É verdade que podemos questionar filosoficamente, por exemplo, o que é a liberdade, mas isso não cabe numa constituição. Nesse ponto, acho, o regramento jurídico em questão foi perfeito e sinalizou que 'liberdade é seguir a lei' - fazendo um 'resumão'...", e, logo depois, coloquei que: "A liberdade, aqui, é uma liberdade prática".
  Nosso brilhante amigo Existenz ponderou: "A respeito do fato de que uma Constituição não pode questionar a liberdade, sendo algo pertinente somente à filosofia, acho que há alguma 'peça' no quebra-cabeça faltando. Qualquer menção à liberdade, esteja ela contida em um tratado de filosofia ou na letra de uma Constituição, já pressupõe alguma noção do que é 'liberdade', e será por esse viés que a menção se colocará. Logo, a Constituição não analisa e critica a liberdade, você está correto, mas não deixa de ser expressão de um pensar que já fez essa crítica, deliberadamente ou não".
  E agora entra o título do atual post: "definição instrumental", que poderia também responder pelo "apelido" de "conceito operativo".
  As diversas áreas do conhecimento não precisam "filosofar" sobre os conceitos que trabalham. Digo "filosofar" no sentido de realizar uma "arqueologia" do termo, procurando seus fundamentos, e uma "historiografia" dele, descrevendo seu "movimento" significativo ao longo do tempo. Basta às diversas "ciências", lato sensu, determinar uma "definição instrumental", ou seja, uma definição que possibilite operar com o termo e com os conceitos derivados daí, que surgirão posteriormente.
  Na área do Direito, por sua proximidade natural com a Filosofia - vários juristas foram e são filósofos -, penso, concordando com Existenz, que o registro efetivo em uma legislação compreenda um "pensar que já fez essa crítica", mas, permitindo-me discordar do amigo, não acho que isso valha para todas as áreas do saber.
  O prof. Guilherme, por exemplo, exemplificou sua explicação com a ciência Biologia. É lógico que um biólogo dirá que a sua ciência estuda os seres vivos. Perfeito! Mas, até que ponto ele radicalizou esse "pensar que já fez a crítica" sobre o que é o ser, sobre o que é a vida, sobre o que é uma ciência, etc? Aliás, a bem da verdade, sabemos que se discute, até hoje, o que é um ser vivo e em que limites se pode falar em vida.
  Portanto, mais do que um "pensar que já fez a crítica", imagino que haja, em vários campos do saber em que aparecem palavras como liberdade, humanidade, ação humana, intenção, etc. mais um mero tratar com "definições instrumentais" e "conceitos operativos/operatórios". Isso não é uma crítica a esses saberes. Talvez seja mais a identificação de que não se pode "filosofar" o tempo todo. Há que, nos campos práticos da atuação humana, tomar os conceitos sobre os quais se pode operar objetivamente - ainda que esses conceitos sejam basicamente convenções e representem apenas parcialmente o que se quer explicar - e utilizá-los... fazer com que sejam úteis - lembrando que a "utilidade" representa bem a "instrumentalidade" do título do post - para a produção de novos conhecimentos.
  Com isso, penso ter esclarecido qual seria aquela "peça faltando no quebra-cabeça", como disse Existenz.

Mais saudações...

  Ainda não recuperado completamente da euforia de ver o blog crescer de 28 para 29 amigos, entrei e vi que passamos a ser trinta companheiros de "bloguice".
  Inicialmente, saúdo a nossa nova amiga, professora Eloí Bocheco. Como procuro fazer, logo que percebo a presença de um novo amigo - amiga, neste caso -, vou procurar o que ele - ou ela - escreve em seu blog - quando ele existe. Fazendo isso, descobri que a nossa nova amiga Eloí é uma professora apaixonada por leitura, e que tenta "contagiar" outros com essa mesma paixão. Visitei um de seus blogs - http://wwwprosaseversos.blogspot.com/ - e afirmo que ele merece mesmo ser objeto de nossa atenção... o que poderá levar-nos ao outro.
  Reconhecendo o valor de cada um dos amigos que participam do blog, ou melhor, que constroem esse blog, não posso deixar de registrar, entretanto, que nossa mais recente amiga possui vários prêmios, os quais aparecem listados no endereço citado acima.
  Feliz por receber mais uma representante do espírito de levar adiante o pensamento e a palavra de quem produz conhecimento e experiência de vida, desejo-lhe, Eloí, as minhas... as nossas boas vindas. E, como fiz com todos os que aqui chegaram antes, peço-lhe que fique à vontade para escrever nesse nosso "mural", que acolhe o pensamento de tantos amigos diferentes - em essência e em existência... essa foi só para provocar o Existenz! Rsss.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Machiavelli... só para lembrar

  Paulo Ghiraldelli Jr. vem lançando, em bancas de jornal, livretos de nome "História Essencial da Filosofia". Serão cinco pequenos volumes que cobrem o assunto, desde a Filosofia Antiga até a Contemporânea.
  Os livrinhos têm o mérito de serem absolutamente acessíveis, tanto em preço quanto em linguagem, ao público em geral. E o local onde são vendidos, as bancas de jornal, por pertencerem ao quotidiano das pessoas, pode ser um ótimo ponto de partida para disseminar, ainda mais, o pensamento filosófico no Brasil.
  A única diferença que senti em relação aos outros livros de Ghiraldelli Jr. é que, nestes - pelo menos no terceiro volume, que é o que leio agora -, ele parece ficar mais "preso", deixando aquele seu típico "ar criativo" mais quieto. Talvez, porque saiba não falar para quem já foi "fisgado" pelo "espírito filosófico". Mas, mesmo assim, acho que ainda haveria espaço para o seu jeito próprio, menos "manualesco".
  Mas, volto a dizer que, para o objetivo da obra - que eu imagino seja disseminar a Filosofia para o grande público -, tem-se que elogiar os textos de Ghiraldelli Jr.
  Dito isto, gostaria de fazer apenas um pequeno comentário, que, muitas vezes, escapa aos menos avisados sobre Machiavelli... e que Paulo Ghiraldelli Jr. faz questão de comentar em seu livreto.
  Escreve o nosso filósofo: "Pode-se pensar, não sem alguma dose de razão, que o correto seria ler Maquiavel como quem escreveu antes para o povo do que para qualquer príncipe. Ele teria escrito para os que não sabem como os mecanismos reais da política se desenvolvem". Além disso, registra um outro engano muito comum para quem não está familiarizado com a história pessoal de Machiavelli: "Ele considerou que os cidadãos deveriam ter em mente a preservação de sua República", indicando em nota de rodapé que "Maquiavel coloca no livro O Príncipe regras autocráticas, mas nos Discursos ele mostra a sua própria preferência pela República comandada pelos cidadãos".
  Para quem se acostumou, também, a associar Machiavelli à frase: "Os fins justificam os meios", Ghiraldelli faz uma "correção de curso" de pensamento, com sutil diferença, na passagem: "... em Maquiavel, nunca houve qualquer dúvida sobre a prioridade dos meios, fossem quais fossem, quando se tratava de ter como fim a preservação do Estado"... ou seja, o fim era sempre "a preservação do Estado".
  Obrigado pelas aulas, professor Ghiraldelli Jr.

Saudações...

  Desatualizado que está o blog... e descumprindo a máxima kierkegaaardiana de escrever todo dia uma "linha", quero, pelo menos, registrar a satisfação em ver que mais uma amiga ingressou em nossas "fileiras". Trata-se da Claire.
  Como faço com todos os que chegam nesse espaço de "amigos do saber" - de modo mais amplo que a palavra de origem grega que a isso representa, "filósofos" -, faço questão de saudar nossa nova companheira de leitura e escrita. Dando-lhe as boas vindas, aproveito para entregar-lhe uma "caneta virtual", que permite que faça seus comentários totalmente à vontade, sejam eles referentes ou não ao assunto do post. Aliás, eu sempre faço questão de dizer que, por diversas vezes, os comentários são bem mais ricos que os posts, que acabam por servir como um impulso inicial para o aparecimento de boas discussões.
  Alguns dos amigos são mais "especialistas" do que outros, e isso enriquece as discussões, pelo menos, enriquece a mim. Espero que esta seja a sua sensação, também. E, logicamente, desejo que suas contribuições possam agregar valor a esse nosso espaço virtual de troca de opiniões.
  Seja bem vinda, Claire!

segunda-feira, 8 de março de 2010

"O Portal da Filosofia" (2)

  Acho que, de certa forma, fui um pouco injusto com o livro "O Portal da Filosofia", no post do dia 1º de março.
  Nesse dia, eu escrevi, após a leitura dos capítulos referentes à "Crítica da Razão Pura" e "Ser e Tempo", que o livro não teria  "aprofundamento teórico suficiente".
  É verdade que há livros em que o desenvolvimento dos argumentos é o que há de principal nos textos. Nesses, normalmente, a "costura racional" entre um conceito e outro é justamente o que há de mais importante. Ou seja, se os conceitos forem simplesmente apresentados, um a um, não se dá aquela "química" que permite o entendimento global da obra. Penso que esse é o caso dos livros que citei acima, de Kant e Heidegger. Entretanto, há livros filosóficos em que os conceitos estão lá, mas são "alinhavados" por uma "costura estética". Nesses, o estilo do pensador é fundamental para que os conceitos criados no texto "brotem" e se apresentem ao leitor.
  Parece-me que, neste último caso, é possível, à custa obviamente de um empobrecimento da expressividade do pensamento, extrair do texto original alguns conceitos, explicando-os, de modo a que o leitor consiga absorver a "essência" do que o filósofo quer dizer.
  Advirto que, certamente, não se pode substituir a leitura do original, sob o argumento de que o estilo é apenas "acessório". A estética da obra constrói o "terreno" - e quiçá as "raízes" - a partir do qual os conceitos filosóficos poderão florescer. Mas... há que se reconhecer que há um "atalho" possível - embora não ideal - para se chegar ao que seria efetivamente o núcleo da construção intelectual do filósofo em questão.
  Dentre os capítulos lidos por mim, neste livro, eu diria que aqueles que tratam de "Ou/ou", de Kierkegaard; de "Assim falou Zaratustra", de Nietzsche, e mesmo de "O príncipe", de Machiavelli, pertencem a esse segundo tipo de textos.
  Sobre esses, ganha-se muito em fazer o "reconhecimento prévio" das obras originais através do livro "O Portal da Filosofia".
  Aliás, quando meu compadre Mundy me disse que comprara um livro de Nietzsche, eu falei: "Só não comece por Assim falou Zaratustra!". Ele, então, contou que era justamente o que ele comprara. Não que o livro seja ruim. O que acontece é que o livro parece um romance "esquisito", mas que pode ser acompanhado por qualquer um, mas no qual  a força do simbolismo pode atrapalhar um entendimento mais profundo da intenção original de Nietzsche. Uma vez lido o capítulo referente à obra, em "O Portal...", esses símbolos - pelos menos sob uma determinada perspectiva - são "traduzidos", ganhando sentido para o leitor menos "preparado", possibilitando um entendimento mais "adequado".
  Começarei uma série de posts sobre o livro. Por enquanto, conto só uma piada referente a Machiavelli, que consta do livro.
  Conta-se que, em seu leito de morte, instado a renegar o diabo e suas obras, o italiano teria respondido: "Este não é o momento para se fazer inimigos". Rsss. Boa essa, hein!

Dia Internacional da Mulher

  Já começamos nossa existência dependendo dessas maravilhosas mulheres que são as nossas mães. E passamos o resto de nossas vidas, senão "dependendo" do gênero feminino no sentido mais estrito da palavra, pelo menos, ganhando muito com sua presença em nossas vidas.   São vovós, babás, professoras, médicas, etc, etc, etc, até nossas esposas e filhas - quando as temos -, cada qual ocupando um espaço precioso em nossas vidas.
  Hoje, Dia Internacional reservado a elas, parabenizo-as, torcendo para que possam desfrutar de dias mais felizes, sem determinadas violências que temos presenciado através dos meios de comunicação, seja por maridos e namorados enciumados; seja por exércitos - oficiais ou marginais - que lhes roubam a alegria de criar seus filhos; seja por filhos que se esquecem, na velhice delas, de quanto carinho e abnegação elas foram capazes de doar a eles; seja por tudo o mais que lhes extrai lágrimas de tristeza dos olhos.
  Feliz Dia das Mulheres, amigas do blog!

domingo, 7 de março de 2010

Registro - atrasado - de um aniversário

  Como os amigos do blog já devem ter percebido, tenho tido algumas dificuldades em atualizar os posts. Tem-me faltado tempo. Aliás... a quem não tem faltado? Sem discordar totalmente de um amigo que diz  que "Tempo é questão de prioridade", não posso deixar de confessar que tenho ficado meio incomodado com esse relógio apressado.
  Não pude nem ao menos programar, na sexta-feira, um post parabenizando meu outro compadre, o Paulo, para o sábado, dia 06 de março, dia do seu aniversário.
  Se não consegui registrar o fato por escrito, aqui, pelo menos, tive o prazer de telefonar para ele e desejar o que pode haver de melhor para esse queridíssimo irmão (por escolha), que apadrinha minha pequena filha.
  Entretanto, depois do comentário postado pelo meu outro "irmão" - o compadre Mundy -, desejando os parabéns para o Paulão, senti-me na "obrigação" de efetuar o registro "oficialmente".
  Então, apesar do atraso de um dia, deixo por transcritas nestas linhas toda a felicidade que é ter esse meu amigão como padrinho de minha filhota e desejar-lhe toda a felicidade e alegrias possíveis, mesmo sabendo que o momento atual em sua vida é mais de semeadura do que de colheita. Mas, tendo certeza da qualidade com que ele se aplica em tudo o que faz, sei que há garantia de que, num futuro próximo, as coisas comecem a dar frutos frondosos.
  Parabéns, meu irmão Paulo!

quinta-feira, 4 de março de 2010

"A Monadologia"

  A Editora Hedra tem lançado alguns livros, no formato "de bolso", bastante interessantes. Comprei, há algum tempo, "A Monadologia e outros textos". Apesar de "adversário" de Leibniz, ainda não havia lido esse seu livro. Como o alemão vem frequentando, vez por outra, este blog, resolvi dedicar-me um pouco mais a ele. Visto que o texto "A Monadologia" é pequeno, não foi difícil encaixá-lo entre minhas leituras.
  Antes de comentar o texto, propriamente dito, gostaria de citar algumas informações obtidas na Introdução, escrita por Fernando Luiz Barreto Gallas e Souza.
  Em primeiro lugar, o destaque de que "o próprio Leibniz chegou a afirmar que conheceria mal sua filosofia, aquele que se dedicasse tão somente ao estudo de suas obras então publicadas". Isso corrobora a informação, já amplamente divulgada, de que Leibniz guardava o seu "baú de inéditos" muito bem... e que, dali, viria muita coisa mais.
  Depois, Fernando Luiz escreve especificamente sobre a "Monadologia", dizendo: "Leibniz compôs a Monadologia em 1714, dois anos antes de sua morte, como um resumo de sua filosofia. Por seus noventa parágrafos, ele apresenta uma elaborada exposição do mundo por meio das lentes da razão pura" - se bem que essa "razão pura" não se limita, em Leibniz, à "luz natural", visto que Deus é chamado a participar de suas construções filosóficas em vários momentos... senão em todos, como pano de fundo.
  Mas... continuando: "A doutrina das mônadas, tal como apresentada na Monadologia, é o ponto culminante do pensamento leibniziano sobre a substância"... e "A Substância" era o ápice da Metafísica, também, na Filosofia Moderna. Portanto, em tese, tratamos do "ponto culminante... do cume da Metafísica". Sem falar que, para muitos, a própria Metafísica já era o que havia de superior na Filsofia. Rsss.
  Depois, a Introdução apresenta vários dos conceitos que Leibniz construirá ao longo de seu texto. Essa apresentação prepara melhor para a leitura da "Monadologia", embora não seja imprescindível para seu entendimento. É quase uma transcrição com uma paráfrase explicativa.
  De qualquer forma, algumas explicações são interessantes. Por exemplo, ao dizer que, para Leibniz, "Deus é a substância simples originária, e todas as mônadas criadas nascem de contínuas fulgurações da divindade momento a momento", o autor explica que "Leibniz utiliza a palavra 'fulgurações' para expressar o modo pelo qual as mônadas criadas nascem a partir de Deus, a fim de evitar dois extremos. A utilização da palavra 'criação' sugeriria uma enorme independência por parte das mônadas finitas. As pessoas imaginam o mundo criado como tendo sido produzido e persisitindo de modo independente. Por outro lado, 'emanação' torna o mundo criado quase uma parte da divindade, e é difícil dissociar suas imperfeições da própria natureza divina"... e, aqui, ficaria difícil "escudar" Deus do famoso "Problema do Mal".
  É muito interessante esse "cuidado" de Leibniz. Eu gosto muito do termo "emanações", mas ainda acho que se tem, utilizando-o, uma certa exterioridade do "criado" em relação ao "incriado"... o que não combina, por exemplo, com o pensamento spinozano da total imanência dos modos à Substância. E é esta última, a minha visão.
  Nessas explicações, fica bem clara a proximidade - que obviamente Leibniz tentará dissimular... ou até, eliminar - com alguns conceitos spinozanos.
  Já nesse próprio item exemplificado, constrói-se a figura de uma "substância simples originária", em relação à qual não há como deixar de sentir uma "fantasmática" presença do "monismo substancial" spinozano.
  Em outro ponto da Introdução, Fernando Luiz explica que, para Leibniz, "o que reconhecemos como um corpo vivo pode ser entendido como uma colônia de almas, cada uma com sua mônada dominante". Não há como negar, retirada a presença desse ente imaterial criado por Leibniz, resquícios dos "entes" que se reúnem através de um "bom encontro" e permanecem harmonizados, formando um ente mais complexo, através do conatus, mas que as diversas "partes" também têm seus respectivos conatus indivíduais.
  Aliás, penso que Spinoza é muito contemporâneo - e Leibniz acaba por segui-lo nisto - quando mostra que nós humanos, e os entes em geral, são muito mais "relações" do que "indivíduos".
  Feita essa introdução (da Introdução), passarei, em breve, aos comentários sobre o livro de Leibniz propriamente dito.

terça-feira, 2 de março de 2010

Marx e a "ideologia" (5)

  Os comentários de todos os amigos do blog são lidos e considerados. Até por respeito a eles, procuro sempre me dedicar a leituras específicas sobre o tema em questão, a fim de concordar - ou mesmo refutar - com o que foi dito, de uma maneira mais refletida do que intuitiva e com pouca profundidade.
  Apreciando o estilo argumentativo de Joaos, com inúmeras citações específicas dos textos sobre os quais ele escreve, resolvi pedir-lhe esclarecimento, no terceiro post da série, sobre a minha visão do "materialismo histórico" já fazer parte do pensamento de Marx, apesar dele não utilizar a expressão claramente. Isto, porque Joaos já havia comentado que eu estaria certo, em determinado ponto de minha exposição, caso estivesse me referindo ao "materialismo histórico e não a Marx" - em comentário feito no segundo post da série.
  Joaos, solicitamente, mostrou meu possível engano - em comentário ao post de número (3) -, expondo a "diferença entre as duas concepções". Ele escreveu que "O Marx maduro e os materialistas históricos (ou seja, o leninismo e todas as suas derivações: trotskistas, maoístas, stalinistas, castristas...) usam a mesma expressão literal: 'forças produtivas'... [mas com] sentidos completamente diferentes".  Novamente, citou um texto de Marx - "A Ideologia Alemã" -, onde a tal concepção de Marx sobre as "forças produtivas" estava esclarecida.
  Essa abordagem, entretanto, não conseguiu se desvencilhar, penso, do que eu havia registrado no corpo do terceiro post, como sendo a ideia de que "materialismo histórico" significa o entendendimento de que "as causas materiais (causas econômicas), de um dado momento histórico, constituem o fundamento pelo qual se explica toda a 'superestrutura' jurídica, política, religiosa, filosófica e científica desta época", e de que Marx compartilhava esse mesmo ponto de vista.
  A "amplitude conceitual" do que seriam as "causas materiais/econômicas" - no meu post - e "forças produtivas" - no comentário em questão - pode variar, mas não acho que a essência do que se discute sob o "rótulo" de "materialismo histórico" perca em precisão se esta distinção for momentaneamente deixada de lado.
  Dito isto - e reconhecendo meu menor conhecimento específico no pensador em questão do que o de Joaos -, socorro-me da lição de Battista Mondin, que, no seu "Curso de Filosofia", volume 3, ao tratar de "Os materialistas" - onde se fala, de modo separado, em Engels, em Marx, em Lenin e em Mao-tse-tung - escreve: "O materialismo histórico é... aquela concepção da história segundo a qual o fator fundamental na existência humana é o econômico. MARX FAZ SUA, SEM RESSALVAS, ESTA CONCEPÇÃO, já sustentada, aliás, antes dele, por Saint-Simon e Engels" (GRIFOS MEUS), e ainda prolonga a explicação, ao dizer que "Vimos que TAMBÉM ELE ensina que a evolução econômica determina a evolução social (a das classes) e, através desta, a política".
  Obviamente, não há como deixar de reconhecer que o manual em questão tem um caráter menos específico do que estudos feitos apenas sobre o pensamento de Marx. Reconhecido isto, entretanto, não há como fugir à identificação de que, pelo menos sem elaborações mais profundas... ou, talvez, mais "comprometidas" com a necessidade de uma leitura "padrão"/"ortodoxa", Marx pertence ao movimento do "materialismo histórico"... penso eu.
  E a série continua...

segunda-feira, 1 de março de 2010

"O Portal da Filosofia"


  Interessante o livro publicado pela Editora Martins Fontes, de autoria de Robert Zimmer, sob o título de "O Portal da Filosofia - uma entrada para as obras clássicas", volume 1.
  O título dá a real dimensão da obra: trata-se de um acesso à Filosofia. Dessa vez, entretanto, a passagem não é aberta através da História ou dos temas sobre os quais se reflete. A entrada se dá pelas obras produzidas.
  Não se deve falar em "resumo" das obras, nem mesmo em "introdução" a elas, mas, antes, em uma "apresentação" das mesmas. Faz-se uma pequena introdução biográfica do pensador e passa-se a comentar os temas abordados na obra, esclarecendo-se alguns dos conceitos que aparecem no texto original.
  Esse primeiro volume trata das seguintes dezesseis obras: A República, de Platão; Confissões, de Sto. Agostinho; O príncipe, de Maquiavel; Os Ensaios, de Montaigne; Discurso do Método, de Descartes; Pensamentos, de Pascal; Dois tratados sobre o governo, de Locke; Crítica da Razão Pura, de Kant; O mundo como Vontade e como Representação, de Schopenhauer; Ou/ou, de Kierkegaard; O Capital, de Marx; Assim falou Zaratustra, de Nietzsche; Tratactus Logico-Philosophicus, de Wittgenstein; Ser e Tempo, de Heidegger; A sociedade aberta e seus inimigos, de Popper e Uma teoria da Justiça, de John Rawls.
  Embora os textos não se aprofundem suficientemente nos conceitos e na lógica interna de cada livro, certamente alcança o objetivo que é de dar um "sobrevoo" pela obra do pensador em questão, permitindo, pelo menos, que se trave conhecimento com o tema apresentado e com as diretrizes tomadas pelo filósofo na sua abordagem.
  Achei uma ótima obra para quem tem uma curiosidade filosófica sobre determinados livros, mas que não tem aprofundamento teórico suficiente para se dedicar a eles.
  Fui logo nos capítulos referentes à "Crítica da Razão Pura" e "Ser e Tempo". Será que em algum volume aparecerá "Ética", do nosso querido Spinoza?

Pobre Chile...

  A força da natureza sempre foi uma preocupação do homem. Mesmo com toda a nossa tecnologia, normalmente nos sentimos como minúsculas e indefesas formigas diante da potência infinitamente superior com que os fenômenos naturais se apresentam.
  Neste ano de 2010 já assistíramos ao terremoto... ou terremotos  que assolaram o Haiti. Mal recuperados que estávamos, presenciamos agora esse abalo de incríveis 8.8 na Escala Richter.
  No primeiro momento, falou-se em cerca de 200 mortos. Ontem pela manhã esse número já saltara para 400. E, durante o noticiário noturno, já nos dávamos conta de que poderiam ser 700 mortos. Essa infeliz "contabilidade" continuará nos deixando mais e mais amargurados.
  Embora sem saber como ajudar, inicialmente, solidarizo-me com os chilenos, torcendo para que os resgates se multipliquem e que as feridas possam ir se curando - ainda que deixando aquelas indeléveis cicatrizes - e que, pouco a pouco, a vida possa ir voltando ao normal por lá.
  Uma curiosidade apenas. Sempre ouvi falar na Escala Richter como indo até 9. Surpreendi-me, então, quando soube que, no mesmo Chile, um terremoto em 1960 havia alcançado 9.5. Lendo sobre o assunto, na Wikipedia, informei-me sobre o fato de que a escala, na verdade, não possui limite superior. O que acontece é que, no início, não se vislumbrava a possibilidade de sismos com intensidade superior ao "nove", na tal escala. O que alcançou 9.5 no Chile foi o maior já registrado na história, embora outros já tenham passado do 9.
  Outra coisa. A proximidade aparente entre os números, 5 e 6, por exemplo, esconde o fato de que a escala é logarítmica. Portanto, um abalo de índice seis é, na realidade, dez vezes mais forte que o de índice cinco e - pasmem! - pode liberar 31 vezes mais energia que este último!
  Parece que a relativa sorte dos chilenos, frente aos haitianos, foi a profundidade três vezes maior do epicentro do sismo que atingiu o Chile, o que, de alguma forma, amortece as ondas de choque que chegam à superfície.
  Força, irmãos chilenos!