segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

"A ilusão da alma"

   O título do post é o mesmo do mais recente livro de Eduardo Giannetti. Trata-se de um romance bem temperado com Filosofia da Mente.
   A trama começa com a descoberta de um tumor cerebral pela personagem principal do livro. Tratado deste, o jovem professor universitário de literatura vê-se aposentado, por conta de uma sequela na audição. Passa, então, com tempo livre integral - afinal, nem casado ele é -, a dedicar-se ao estudo da relação corpo-mente, enveredando necessariamente pelo estudo da Filosofia.
   Por enquanto, estou na metade do livro e vejo surgirem vários fatos interessantes. Há não só a apresentação de doutrinas filosóficas, mas também, como se faz necessário em Filosofia da Mente, informações sobre as últimas descobertas dos neurocientistas, além de informações científicas interessantes, como: "a massa encefálica... onde são recebidas e processadas todas as sensações de qualquer natureza oriundas do resto do corpo - é ela própria insensível à dor, os experimentos intracranianos podem ser conduzidos com o paciente desperto, ou seja, apto a relatar o que lhe vai pela mente durante o procedimento, bastando a aplicação de um anestésico local no couro cabeludo e nas membranas que recobrem o cérebro".
   Na parte chamada "libido sciendi", o autor faz uma analogia interessante: "A curiosidade está para o conhecimento como a libido está para o sexo. Não há um sem o outro".
   Para quem gosta de romance e de Filosofia, acho que vale a pena.
   Já tenho mais a registrar, mas fica para outro post.
  Ah... em tempo, a publicação é da Companhia das Letras, e saiu em 2010.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Lamento

   Perdemos Moacyr Scliar. Que pena!

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A alegria

  Em um dos últimos comentários que fiz - mais especificamente, sobre um outro comentário do meu querido compadre Mundy -, falava eu sobre um certo sentimento de "mal estar" neste mundo que ele sentia. Disse eu, àquela altura: "Em alguma medida, o 'desconforto' e o sentimento de 'inadequação' são bons, pois são justamente eles que nos fazem sair de onde estamos".
  É certo que, como spinozano, tenho que lembrar que nossa busca é sempre pela "alegria"... mas não uma "alegria passiva", diria Spinoza, e sim pela "atividade, que é alegre". De qualquer forma, o que eu quis sinalizar é que aquele "desconforto" pontual pode permitir que desejemos - e o homem é essencialmente desejo - reforçar nossa capacidade de atividade... e, portanto, de nos alegrarmos.
  Feito esse comentário inicial, queria passar a um texto do Arnaldo Jabor, publicado ontem em O Globo, sob o título de "A alegria é um produto de mercado". O texto contém várias ideias sobre a tal "alegria". Sobre muitas, eu não vou tecer comentários, mas, sobre uma que vai ao encontro do que eu disse antes, gostaria de registrar alguma coisa.
  Diz Jabor:
  "Hoje em dia é proibido sofrer. Temos de 'funcionar', temos de rir, de gozar, de ser belos, magros, chiques, tesudos, em suma, temos de ter 'qualidade total', como os produtos. Para isso, há o Prozac, o Viagra, os uppers, os downers, senão nos encostam como mercadorias".
  Essa é a "lógica de mercado" que Jabor nos apresenta. Em princípio, parece que ele está só indicando que, se fugirmos a essa lógica, estaremos realmente condenados a sermos "encostados". Entretanto, não é bem isso o que o texto desenvolve. Logo a seguir, escreve o polemista:
   "Acho que a depressão tem grande importância para a sabedoria; sem algum desencanto com a vida, sem um ceticismo crítico, ninguém chega a uma reflexão decente. O bobo alegre não filosofa pois, mesmo para louvar a alegria, é preciso incluir o gosto da tragédia. No pós-guerra, tivemos o existencialismo, a literatura com gênios como Beckett e Camus ou o teatro do absurdo, o homem entre o sim e o não, entre a vida e o nada".
   Aí, compadre, quem sabe essa não seja a hora de você se dedicar à Filosofia? 
   Logo em seguida, Jabor conta que lhe chegou às mãos um artigo chamado "Elogio da melancolia", de Eric G. Wilson, de uma universidade americana, e passa a citar trechos desse texto.
   "Estamos aniquilando a melancolia. Inventaram a ciência da felicidade. Livros de autoajuda, pílulas de alegria, tudo cria um 'admirável mundo novo' sem bodes, felicidade sem penas. Isto é perigoso, pois anula uma parte essencial da vida: a tristeza".
   Para quem pensa que eu estou fazendo uma homenagem à tristeza, basta lembrar que sou spinozano, e que este era o filósofo da alegria. Que não pensem, também, que Mr. Wilson pretende fazer um elogio insano à tristeza. Ele mesmo se defende disso, dizendo: "Não sou contra a alegria em geral, claro... Nem romantizo a depressão clínica, que exige tratamento. Mas, sinto que somos inebriados pela moda americana de felicidade". Eu arriscaria complementar "... moda americana de felicidade, mesmo que ela seja artificial e baseada num autoengano".
  E Jabor fecha o artigo da seguinte maneira:
  "A melancolia, longe de ser uma doença [eu não disse que o Jabor era polemista?!], é quase um convite milagroso para transcender a banalidade cotidiana e imaginar inéditas possibilidades de existência. [...] Mas, por que não aceitamos isso? Por que continuamos a desejar o inferno da satisfação total, a felicidade plena? Por medo. Escondemo-nos atrás de sorrisos tensos porque temos medo de encarar a complexidade do mundo, seu mistério impreciso, suas terríveis belezas. Usamos uma máscara falsa, um disfarce para nos proteger deste abismo da existência. Mas, este abismo é nossa salvação. A aceitação do incompleto é uma chamado à vida. A fragmentação é liberdade. É isso aí, bichos - como se dizia em tempos analógicos."
   Logo que li o "sorrisos tensos", no texto, lembrei da personagem do Batman, o Curinga, com seu sorriso falso, expressão mais completa de uma "antifelicidade"... mas que, no nosso caso, seria apenas de uma "felicidade imaginária", autoimposta para garantir um conforto psicológico que, no fundo, é, ele mesmo, o que causa o maior desconforto.
   Longe, portanto, de saudar o "desconforto", penso que ele pode "forçar", por seu antagonismo ao nosso desejo metafísico de felicidade, à busca desta... com toda a nossa energia. E aí, como eu já havia dito no comentário feito, é que se precisa agir, em vez de apenas lamentar.  

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Por Sérgio Morais

 Sempre que alguém se une aos "amigos dos amigos" faço questão de dizer que esse é um blog "construído" por todos nós. Apenas nominalmente o blog é meu. Para isso, sempre informo aos novatos que, se sentirem vontade, podem iniciar assuntos não postados originalmente por mim. Lendo um dos comentários feitos ao último post, achei que Sérgio Morais não deveria ter seu texto "escondido", a ser desvelado apenas por aqueles que tiverem a curiosidade de clicarem sobre o pequeno "comentários" ao final do post. Por isso, trouxe seu pensamento para "alimentar" o blog, e suscitar novos bons comentários.
  Aliás, faço isso sem pedir licença ao próprio Sérgio, mas esperando que ele entenda isso mais como uma homenagem do que como uma usurpação de um texto seu.
   Agradecendo sua participação, segue o texto... e o meu comentário - afinal, eu também estou aqui para isso. Rsss.

"O Infinito do Ser


Busca, aspira o infinito do ser...
Vê e sente, acredita no sempre...
Longínqua essa paragem,
Dura a miragem do nunca inexistente mas persistente, no caminho
Percorrido pela alma forte, vestida e, de repente, despedida pelo sofrimento do Momento inalcançável, no precipício abominável do início do fim,
Que não chegou a começar...
Passagens escritas, profecias guardadas, temidas!
Decadência pressagiada,
Sonhos protegidos,
Vontade encadeada pela luz forte da fé!...
Pecados surpreendidos no silêncio
Do pensamento obscuro e receoso, que restringe o corpo ansioso.
Ambição de revestir o coração além da carne
E do ensinamento penoso de não poder sobrevoar a 'morte'!
E eis que surgem as certezas incertas de nada saber...
Procura ansiosa do controlo da vida que se está a perder...
Temerosa essa imagem holocáustica,
Vislumbrada sistematicamente,
Denunciando o medo de punição de que a humanidade está ciente.
Gasto o simbolismo efémero que tenta omitir erros,
Mórbido o sentimento de culpa de não poder...
Sonhos catapultados para o longínquo da ilusão,
Numa esperança insultuosa de tão forte ser...
E novamente a lenda insinuosa
Que perde toda a validade face à supremacia do sentimento,
Que tenta, experimenta e consegue o impossível de
Fortalecer um ser susceptível a toda a fraqueza escondida,
Guarnecida de terrores que procuram os sonhos perdidos
Pela ameaça da proximidade do que parecia jamais ser alcançado
E que demonstra que o Amor não poderá sair derrotado.

Este sou Eu? E vocês, o que vêem?"

  Parece que, bem ao modo de Nietzsche e Heidegger, Sérgio entende que, em vez de falar do "indizível" apenas pelas vias negativas, é possível abordá-lo pela via poética.
  O ser humano é, ao mesmo tempo, algo muito complexo - enquanto "objeto de conhecimento" - e reducionista - enquanto "sujeito de conhecimento". E quando se trata de explicar ao homem o que é "o homem", sujeito e objeto se unem numa teia de conceitos, atividades... e passividades quase incompreensível. É nessa hora que nos socorre a poesia que, enquanto, delicadamente, passa a mão sobre esse intrincado estado de relações, "sente", "intui" - muito mais do que "vê" e "sabe" - o que está implicado ali. Mas, como reconhece que nem tudo que se intui é passível de uma descrição "clara e distinta", limita-se a abrir as portas de nossa percepção para algo que está além do que é efetivamente percebido. E isso só se consegue com esse jogo de metáforas e correlação de paradoxos que o pensador-poeta habilmente utiliza.
  Parabéns e obrigado, Sérgio!

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

"Eu"

   "O 'eu' é uma ficção útil, como os centros de gravidade na Física" e "Nossos 'eus' não são órgãos e, certamente, não são substâncias imateriais (egos ou res cogitans cartesianos)".
  As frases acima são de Daniel Dennett, filósofo americano, dedicado à Filosofia da Mente.
   A primeira reafirma a ideia de David Hume sobre a "criação" do "eu" - até que provem o contrário, não necessariamente uma criação elaborada intencional e racionalmente, mas, talvez, como forma natural e necessária à permanência na existência.
   Dennett traça uma comparação fantástica com o "Centro de Gravidade" da Física, que seria o "lugar" em que atuaria o peso, enquanto força... lugar este que pode, aparentemente de modo paradoxal, até estar fora do espaço geométrico ocupado pelo próprio volume que tem massa.
   A segunda afirmação parece indicar uma relutância do filósofo em adotar tanto a tese materialista quanto a idealista sobre a mente e o eu. Enquanto spinozano, tendo a imaginar um "paralelismo" mental-corporal. Mesmo assim, o "eu", enquanto percepção mental do próprio corpo e mente é um problema. Afinal, explica-nos Spinoza que "a mente é a ideia do corpo", mas "dentro" dessa mente, que já é uma ideia, parece haver uma reunião de sensações, memórias, percepções, afetos e desejos, que também acabam por formar uma nova ideia, consciente de ser a união destes diversos "itens", à qual se chama "eu". Aliás, há uma interessante discussão sobre o "eu" em Spinoza por vários especialistas no luso-holandês. 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

"Elogio da razão sensível"

  O título do post é o mesmo de um livro de Michel Maffesoli... não por acaso, já que é dele mesmo que vou falar.
  Eu já "paquerava" esse livro há muito tempo. Embora ele tenha sido publicado, na França, em 1996, a tradução brasileira só apareceu em 2008, pela Editora Vozes.
  O autor é um sociólogo, professor na Sorbonne, que tem se voltado para a sociedade contemporânea a fim de analisá-la criticamente. Em sua crítica, levantam-se problemas, por exemplo, relacionados à Ética. Aliás, foi por aí que eu comecei a pensar em Maffesoli e em seu elogio à "razão sensível".
  Por conta dessa expressão - que, em alguma medida, me remete à inseparabilidade entre razão e emoção, em Spinoza -, pensei poder refletir de maneira alternativa sobre os sistemas éticos, que, em sua esmagadora maioria, ainda que não percebam ou admitam, insistem na possibilidade de juízos éticos sempre racionalmente puros.
  Aliás, quando tive a oportunidade de registrar isso junto a um especialista em Ética, percebi que Maffesoli não gozava de boa reputação entre os "moralistas" - aqui, como estudiosos do campo ético-moral -, ou, pelo menos, junto a uma parcela expressiva deles.
  Leituras vão, leituras vêm... só agora consegui pegar o livro para ler - e nem sei se as minhas obrigações me permitirão ir até o fim sem interrupções.
   De qualquer forma, já na "orelha" do exemplar, há uma boa motivação para a leitura do texto. Lá está que "Elogio da razão sensível é um verdadeiro tratado de decifragem do mundo contemporâneo, que opõe, às razões da Razão racionalizante, as intuições da Razão sensível. Uma maneira de abordar o real em sua complexidade fluida, de levantar a topografia do imprevisível e do incerto". O que incentiva é perceber que não se adota um projeto absurdamente - no meu ponto de vista - irracionalista. Não dá para pensar o homem sem uma dimensão sua das mais importantes, como a razão, a não ser "desumanizando-o". Mas também não há como, em favor de uma razão abstrata, pura e desencarnada, esquecer a dimensão afetiva do homem... o que é, também, "desumanizá-lo".
  Não imagino que seja fácil pensar assim... como não foi simples para Spinoza, também. Mas acho que é necessário tentar fazê-lo.
  Por enquanto, não li quase nada do livro, mas já achei trechos que dariam belos aforismos - embora o texto não seja construído nesse "formato".
   Mas... lá vão eles:
   "Talvez seja quando o sentimento de urgência se faz mais premente que convém pôr em jogo uma estratégia de lentidão";
   "O establishment, com efeito, não é uma simples casta social, é, antes de mais nada, um estado de espírito que tem medo de enfrentar o estranho e o estrangeiro"; e
   "Quando já não se tem quaisquer garantias, ideológicas, religiosas, institucionais, políticas, talvez seja preciso saber apostar na sabedoria relativista. Esta 'sabe' ... que nada é absoluto, que não há verdade geral, mas que todas as verdades parciais podem entrar em relação umas com as outras".
   Aquilo que parece ser o grande "projeto" do texto está resumido, a meu ver, na seguinte passagem: "à moral do 'dever ser' poderia suceder uma ética das situações. Esta, ou melhor, estas últimas são atenciosas à paixão, à emoção, numa palavra, aos afetos de que estão impregnados os fenômenos humanos".
   Por enquanto, é só. Depois eu conto mais!

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Nossa amiga Milu

  Postei algo, mas ia deixando escapar a saudação à nossa mais nova "amiga dos amigos", a Milu.
  Seja bem vinda e sinta este blog como seu, também. Participe com comentários sobre o que achar interessante, mesmo que sejam assuntos que não estão diretamente ligados aos posts.
  Grande abraço e fique à vontade!

Revista Mente Cérebro nº 217

   A matéria de capa da revista em questão diz respeito aos "mitos da psicologia". O artigo indica que "o senso comum faz uma mistura surpreendente de fatos comprovados e equívocos. Apesar de errados, muitos conceitos relativos ao funcionamento da mente e do cérebro e ao comportamento humano continuam amplamente difundidos". Além disso, comenta a diversidade de fontes - sejam livros, sites, etc. - que veiculam informações sobre temas da Psicologia. Segundo o texto, "parte dessas informações é correta e útil. No entanto, cada vez mais saem publicações próximas da chamada 'psicologia de botequim' - rasa, óbvia e, principalmente, equivocada. Uma espécie de 'psicomitologia', um conjunto de dados errôneos".
  A proposta do texto - escrito por Scott O. Lilienfeld, Steven Jay Lynn, John Ruscio e Barry L. Beyerstein, todos professores de Psicologia em universidades americanas - é, então, desfazer os enganos desses "mitos da psicologia", apresentando dados que corroborem a falta de fundamentação teórica dos mesmos.
   São expostos os erros de se pensar, por exemplo, que liberar a raiva ajuda necessariamente a dissipá-la; que cada aluno certamente aprende melhor segundo determinado método pedagógico e que pensamento positivo cura o câncer.
  Embora as explicações sejam muito sucintas, parecendo, por vezes até, que só estamos trocando um mito por outro, há a referência de que o texto é uma adaptação do livro dos autores do artigo, chamado "50 great myths of popular psychology".
  Vale a leitura, pelo menos, para livrar-se de velhos enganos. Mas, o mais interessante que achei na revista não se encontra nesse artigo. Gostei muito da "Carta da editora", que abre a revista. O texto é de Gláucia Leal, a editora da revista, e tem por título "Uma pitada de dúvida". Penso que serve a uma reflexão sobre nossas próprias "ideologias".
  Segue um trecho do texto:
  "Precisamos acreditar. Obviamente não em tudo, não o tempo todo. Mas sistemas de crenças - que tomamos como verdade, muitas vezes até de forma equivocada - têm papel importante em nossa estruturação psíquica. E, curiosamente, quando temos grande certeza de algo os fatos parecem conspirar para comprovar nossas hipóteses. A maioria dos psicólogos e psicanalistas concorda que essa 'incrível coincidência' revela nada mais que a direção na qual concentramos atenções e fazemos investimentos psíquicos mais intensos. Afinal, tendemos a dar sentido àquilo que, de alguma forma, ecoa em nossas mentes e encontra ressonância no universo subjetivo de cada um. Quando não damos conta de nos acalmar diante das angústias que inevitavelmente nos afligem, recorremos ao que sabemos e acreditamos. Criamos nossa mitologia particular e nos apoiamos nela para sobreviver. [...] Construímos mitos em vários níveis: pessoais, familiares e coletivos".
  Problemática essa "necessidade" de acreditar para poder enfrentar as angústias, apoiando-nos em mitologias para sobrevivermos. Em alguma medida, parece que a angústia, impondo um óbvio desconforto psicológico, só pode ser eliminada pela substituição do inseguro pelo seguro - ainda que a "firmeza" disto que nos dá segurança seja só aparente. Sem querer parecer um defensor da angústia e do desconforto psicológico, pergunto-me se não é no embate com esta angústia que a situação pode se resolver efetivamente. De certo, enfrentar é mais complicado do que deixar de lado, simplesmente crendo numa solução... mas será que isso realmente elimina a angústia ou meramente a ameniza?
  E se é possível recorrer aos mitos para apoiar-nos nas angústias psicológicas, também será na angústia ontológica, da qual tanto falam os existencialistas? 

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

"Antropologia Filosófica Geral"

  O título do post é o mesmo do livro que estou lendo. É certo que este não é um dos "clássicos" da Antropologia Filosófica, como os de Ernest Cassirer, Groethuysen ou Lima Vaz, por exemplo, mas tem valor e, em especial, apresenta um dado interessante.
  O autor e a editora me eram totalmente desconhecidos. Tratam-se, respectivamente, do professor Raymundo Evangelista do Carmo, da Universidade Federal de Juiz de Fora, e da Editora "O lutador", de Minas Gerais.
  A edição é de 1975 - até onde pude entender, já que, espantosamente, não há Ficha Bibliográfica no livro!?!?
   O viés do texto é, claramente, existencialista... ou, antes, como o próprio autor escreve, fenomenológico-existencial. Há, como é comum em livros introdutórios de Antropologia Filosófica, uma introdução histórica, para depois serem abordados os temas principais do assunto. E é nessa introdução histórica que aparece aquilo que considerei uma grata surpresa: uma parte específica referente a Spinoza. Não é comum encontrar nosso querido luso-holandês em páginas de livros sobre essa parte da Filosofia. E não se trata de um parágrafo, não! Para se ter uma ideia, o honorável Santo Agostinho dispõe de aproximadamente três páginas; enquanto Spinoza ocupa em torno de duas páginas e meia!!!
  O texto dedicado a Spinoza aparece logo após a identificação de que a Filosofia já não conseguia mais tratar o homem como "senhor do Universo" - aos moldes da cosmologia ptolomaica-aristotélica-cristã -, lançando-o, pelas mãos da ciência, numa angústia frente à infinitude deste mesmo Universo. O diagnóstico mais radical dessa angústia frente ao infinito teria sido alcançado, até o período histórico anterior a Spinoza, com Pascal. O título que trata do nosso querido filósofo é, então, "Spinoza, o tranquilizador".
  O texto sobre Spinoza afirma que "Spinoza não poderá mais tranquilizar o homem reduzindo o universo a dimensões humanas; terá de conservar o infinito das ciências astronômicas. [...] poderá, sim, ... privar o Infinito de sua capacidade de causar vertigens ao homem, tirando-lhe o caráter aterrador".
  Gostei da ideia!
  O texto indica que Spinoza consegue privar o Infinito desse seu caráter aterrador através da "teoria da Única Substância de que tudo precede". Faz sentido. De alguma maneira, "somos" esse próprio Infinito que estava aí nos assustando.
  A intuição do texto me parece boa, mas a "execução" da argumentação, penso, deixa a desejar.
   Primeiro, porque o autor - com todo o respeito que merece, pelo conjunto da obra em questão - se engana quando registra que "Nesse panteísmo monista, os seres singulares são modos que participam de um ou de outro dos atributos [da Substância], sendo que o homem é o ser sui generis que participa dos dois". Bem sabemos que a doutrina chamada por alguns de "panpsiquismo" indica que todos os entes, viventes ou não, possuem uma "ideia do corpo", que receberia, em última instância, o nome de anima ou psyché. O paralelismo spinozano indica que todos os entes são modos de todos os atributos da Substância, dos quais conhecemos apenas dois: Extensão e Pensamento.
  Depois, porque conclui, sem uma argumentação necessária, que "podemos seguramente dizer que a solução spinozista não se impôs... porque, se a reconciliação da cosmologia com a antropologia realizada em sua obra podia oferecer tranquilidade ao homem, essa tranquilidade era alcançada mentalmente, racionalmente ou em ideia. Mas era muito difícil de ser vivida na vida concreta do homem concreto. O homem sempre tem dificuldades em conviver com o Infinito, em se identificar com algum Super-homem pairando acima dos acontecimentos".
  A experiência de vida de Spinoza não parece sugerir que a tranquilidade alcançada fosse apenas um fato racional e em ideia. Muito pelo contrário, parece mesmo indicar que era uma vivência existencial. Além do mais, o texto parece indicar, inicialmente, uma impossibilidade de obtenção dessa tranquilidade, mas depois reconhece apenas que "era muito difícil de ser vivida na vida concreta". Entre o "muito difícil" e o impossível há uma enorme distância. Até porque, o "muito difícil" foi reconhecido por Spinoza, quando ele encerra a Ética dizendo, na última frase do livro, que "todas as coisas notáveis são tão difíceis quanto raras".
   A última frase da parte citada, penso, é a mais problemática do texto - "O homem sempre tem dificuldades em conviver com o Infinito, em se identificar com algum Super-homem pairando acima dos acontecimentos". De modo algum Spinoza postula a necessidade de convivência com esse "Super-homem pairando acima dos acontecimentos". Isso corresponderia ao contário do que Spinoza representa com a Substância imanente visto que esse ente que paira "acima"  seria representante privilegiado justamente da transcendência que Spinoza recusa.
   Uma última observação: eu estou gostando do livro. Não pareceu? Rsss.
  Depois eu comento outras partes.